Por Fabio Fialho Advogado, especialista em Direito Eleitoral
Por Rodrigo Pedreira Advogado, especialista em Direito Eleitoral
É de conhecimento público, sobretudo pela relevância que significou e implicará, a decisão que chegou o Supremo Tribunal Federal na sessão do dia 17/09/2015, nos autos da ADI 4650, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais[1], previstos no artigo 81 e seguintes da Lei nº 9.504/97.
Não obstante tal circunstância, e na esteira desta decisão, a Presidente da República decidiu vetar[2] parcialmente o Projeto de Lei nº 5.735 de 2013, tendo a novel Lei nº 13.165, em seu artigo 15[3], revogado expressamente a totalidade do artigo 81 da Lei 9.504/97, justamente uma das disposições normativas consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Grande parcela da sociedade vibrou e as discussões que vêm se desenhando nos noticiários, ao que tudo indica, se restringem à eficácia desta decisão para as eleições que se avizinham[4].
Não pretendemos abrir discussão sobre o acerto ou desacerto da decisão do Supremo Tribunal Federal, dos vetos levados a cabo pela Presidente da República e tampouco acerca do momento em que os seus efeitos deverão passar a valer, se já não o estão, salvo melhor juízo.
Contudo, existe um aspecto deste cenário que, ao que parece, não tem merecido a devida atenção. Qual será o destino da avalanche de representações já ajuizadas pelo Ministério Público Eleitoral contra Pessoas Jurídicas que supostamente efetuaram doações eleitorais acima do limite legal?
Como bem se sabe, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma sempre retroage ao momento em que surgiu, no sistema de direito positivo, o ato estatal atingido pelo pronunciamento judicial (nulidade ab initio)[5].
Em linhas gerais, isso significa que a declaração de nulidade[6] de uma norma retroage os seus efeitos desde a sua origem, eis que concebida em flagrante afronta à Constituição Federal. E, por isso, não poderia, não pode e não poderá gerar nenhuma consequência juridicamente válida em virtude dela.
Nesse sentido é a preciosa lição de Alexandre de Moraes, para quem a declaração de inconstitucionalidade tem o condão de desfazer, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou to ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex tunc).[7]
O § 3º do artigo 81 da Lei 9.504/97, norma que serve de fundamentação para as representações por doações acima do limite legal, previa as seguintes sanções – não cumulativas – para as Pessoas Jurídicas que infringissem as limitações lá impostas. São elas: a) multa, que varia entre 5 a 10 vezes o valor da doação excedente, e: b) proibição de contratação com o Poder Público, pelo prazo de cinco anos.
De se ter, portanto, que em razão da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que permitiram doações feitas por Pessoas Jurídicas às eleições pelo Pretório Excelso é que nenhuma representação ajuizada com fundamento no artigo 81 da Lei 9.504/97, por supostamente ter excedido os limites legais até então previstos, poderá ser julgada procedente, eis que qualquer inobservância à norma nula não pode gerar qualquer consequência. Entender de forma contrária poderia sugerir a inusitada suposição de que uma norma declarada nula e, desta forma, retirada do mundo jurídico, e cujos efeitos retroagem desde a sua edição, poderia gerar sanções mesmo que desprovida de qualquer suporte legal. Se assim o for, não há como afastar a clara violação ao princípio da legalidade, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal[8].
Há mais. A LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/10, em seu artigo 1º, inciso I, p, prevê a inelegibilidade dos dirigentes das pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22.
Ou seja, a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em exame não só encerrou a possibilidade das doações, mas, também, acabou por declarar a nulidade da norma acima por arrastamento, hipótese perfeitamente prevista no nosso ordenamento jurídico vigente, mesmo que não o tenha feito expressamente naquele julgamento.
Nesse sentido, e com a maestria que lhe é inerente, Gilmar Ferreira Mendes esclarece que a dependência ou interpendência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É o que a doutrina denomina de declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento[9], de modo que a inelegibilidade em tela acabou por ter o mesmo destino das normas que previam doações por Pessoas Jurídicas às campanhas eleitorais.
Exatamente como Carlos Blanco de Morais ensina ao concluir que a inconstitucionalidade consequente opera em cascata, através da propagação da relação de desvalor de uma norma principal, para as normas dela dependentes. […] em casos em que uma norma principal tenha sido previamente julgada inconstitucional, e seja depois impugnada, por via principal, uma norma dela dependente, precisamente em razão da relação de instrumentalidade que guardaria com a primeira, o Tribunal tem procedido à declaração de inconstitucionalidade subsequente da segunda[10]. Cumpre enfrentar ainda a situação jurídica das Pessoas Jurídicas que sofreram Representações e foram condenadas não só a arcar com a multa pecuniária, mas que, principalmente, foram proibidas de contratar com o Poder Público pelo extenso período de cinco anos.
Nesta hipótese, a jurisprudência do TSE[11] tem admitido o ajuizamento de querela nullitatis nos casos em que não foram observados os pressupostos processuais durante a tramitação do feito principal, o que viola diretamente os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. A partir da análise da via eleita cabível para desconstituir decisão condenatória baseada em norma declarada inconstitucional, é evidente que o único meio apto para declarar nulo o julgamento é o ajuizamento de querela nullitatis.
O c. STJ possui jurisprudência uníssona no sentido de que, considerando a possibilidade de relativização da coisa julgada quando o decisum transitado em julgado estiver eivado de vício insanável, capaz de torná-lo juridicamente inexistente, tem ampliado o rol de cabimento da querela nullitatis insanabilis. Assim, em hipóteses excepcionais vem sendo reconhecida a viabilidade de ajuizamento dessa ação, para além da tradicional ausência ou defeito de citação, por exemplo: (i) quando é proferida sentença de mérito a despeito de faltar condições da ação; (ii) a sentença de mérito é proferida em desconformidade com a coisa julgada anterior; (iii) a decisão está embasada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo eg. Supremo Tribunal Federal[12].
Assim, com o ajuizamento da querela nullitatis é possível afastar a condenação à pessoa jurídica de proibição de contratação com o Poder Público, viabilizando a retomada destes negócios pelas empresas que, como se vê, foram indevidamente condenadas, quando presentes, por óbvio, os requisitos mínimos de seu conhecimento. Além do que também torna cabível a nulidade da decisão judicial que declarou inelegível o dirigente da empresa que doou acima do limite legal, afastando a incidência do artigo 1º, inciso I, p, da LC nº 64/90 em futuro registro de candidatura.
Inexistindo no plano jurídico a restrição, o direito de contratar com o Poder Público deve ser retomado imediatamente, salvo se não por outro motivo deva ela permanecer.
Isso porque a retroatividade de sua nulidade alcança, inclusive, sentenças judiciais transitadas em julgado, uma vez que, não existirá imutabilidade do pronunciamento judicial contrário ao texto constitucional[13].
Ademais, é o próprio Texto Constitucional que determina que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal[14].
Em suma, entendemos que as representações em curso na Justiça Eleitoral que visem a imposição de sanções em razão de supostas doações acima do limite legal, ajuizadas com fundamento no artigo 81 da Lei 9.504/97, devem perder seu objeto, quando não muito julgadas totalmente improcedentes, diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, bem como, e não menos importante, em razão da decisão da Presidenta da República em vetar tais permissões. Neste aspecto, e por arrastamento, a inelegibilidade prevista em decorrência desta decisão deve ter o mesmo fim. Encerrando, as empresas que estejam cumprindo a sanção de proibição de contratação com o Poder Público devem ter este direito retomado o quanto antes, pelos fundamentos já expostos nestas breves linhas.
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[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015, acessado em 29/09/2015, às 16h36.
[2] Em 29/09/2015.
[3] Art. 15. Revogam-se os §§ 1o e 2o do art. 10, o art. 17-A, os §§ 1o e 2o do art. 18, o art. 19, os incisos I e II do § 1o do art. 23, o inciso I do caput e o § 1o do art. 29, os §§ 1o e 2o do art. 48, o inciso II do art. 51, o art. 81 e o § 4o do art. 100-A da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997; o art. 18, o § 3o do art. 32 e os arts. 56 e 57 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995; e o § 11 do art. 32 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
[4] http://jota.info/ministros-ainda-divergem-sobre-decisao-sobre-financiamento-empresarial-de-campanhas, acessado em 30/09/2015, às 15h14.
[5] ADI 1434, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 10/11/99, DJ 18/11/99.
[6] “Há, em relação às leis, como no tocante aos negócios jurídicos, três planos distintos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Não se discute a validade, se a lei não existe, ou se não é válida. Não se discute a validade, se a lei não existe. E se a lei não existe, mas já existiu, são seus efeitos que permanecem, por força daquela eficácia. Se a lei não existe mais, não há interesse em julgá-la, em tese, no plano da validade, que é o corolário da existência, e dele dependentemente” Ministro Moreira Alves, RTJ 100-467 Apud POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da Constitucionalidade das leis, 2ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 170/171.
[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 8ª edição, Ed. Atlas, p. 2226.
[8] Art. 5º, inc. XXXIX, CF/88.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 6ª edição, Ed. Saraiva, p. 1362.
[10] MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. Apud MENDONÇA, Andrey Borges de. Inconstitucionalidade por arrastamento ou por consequência. In Leituras complementares de constitucional: controle de constitucionalidade. CAMARGO, Marcelo Novelino. (Org.) Salvador: Podivm, 2007. P. 162/163.
[11] Não permanece a causa de inelegibilidade constante da alínea p do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, em razão do provimento de recurso na Querela Nullitatis (RE nº 270-81), que anulou os efeitos da condenação por doação ilegal dada a ausência de observância do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, sem a observância do rito previsto no art. 22, X, da LC nº 64/90, segundo consta do acórdão regional (AgR-AI nº 35425 – Esperança/PB, Relatora Min. Laurita Hilário Vaz, DJe 26/08/2014, Página 68).
[12] STJ, REsp 1252902 / SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 24/10/2011.
[13] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 8ª edição, Ed. Atlas, p. 2227.
[14] Nesse mesmo sentido o artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99: A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Acesso em: 17/10/2015
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