As doações eleitorais de pessoas físicas estão no centro do debate da reforma política no Congresso. A prática pode se tornar ainda mais comum com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro, de proibir o financiamento empresarial de campanha, na esteira das investigações da Operação Lava Jato, que levantaram suspeitas sobre a legalidade de doações eleitorais milionárias de empreiteiras.
Por lei, uma pessoa pode doar até 10% da sua renda para campanhas eleitorais. Ainda assim, pessoas que fizeram doações com valores entre R$15 e R$60 para a campanha eleitoral de 2014 foram processadas por ministérios públicos de diversos estados. Segundo relatos, o problema ocorreu com quem se declarou isento do imposto de renda em 2013, ou seja, recebeu até R$24.566,65 naquele ano.
Segundo um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), qualquer pessoa física pode doar até cerca de R$2.450 – valor bem acima ao de várias doações sob investigação. Na falta de uma lei que estabeleça essa regra, porém, a decisão sobre processar os pequenos doadores fica a critério de cada promotor.
Um dos processados, Marcos Borges*, de 30 anos, afirma que doou R$ 50 para a campanha do deputado estadual Marcelo Freixo(PSOL-Rio). Estudante de mestrado na Europa, o engenheiro não tem renda no Brasil e se declarou isento.
"Minha mãe recebeu um pacote enorme do MP com a representação judicial. Ninguém entende nada disso, ficou todo mundo nervoso", conta.
Além dos custos com cartório e tradução juramentada, Borges gastou R$250 com a contratação do advogado – o valor é cinco vezes maior do que a sua doação. Assim como vários eleitores que estão sendo investigados pelo MP, Borges disse que se sentiu "intimidado" e "perseguido" pela representação.
"Parece que o MP está tentando coibir as doações de pessoas físicas. Não consigo entender. Porque, mesmo se eu for condenado [a multa pode chegar a 10 vezes o valor doado], isso não compensa os gastos que o MP vai ter com o processo. Só pode ser retaliação política", diz ele.
Intimidação
O mesmo ocorreu com Luana Vieira*, que também foi processada. A advogada, de 27 anos, era estudante na época em que doou R$ 15 para o PSOL. "A consequência dessa atuação excessiva do MP é de intimidação judicial", critica.
Para o presidente nacional do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Luiz Araújo, a situação é "esdrúxula". "Ao mesmo tempo em que você pega os mais fracos e diz que eles não estão cumprindo a lei, você aprova prestações de contas multimilionárias, sendo que boa parte dessas doações são apenas para legalizar propinas", afirma.
Questionado pela reportagem, o MPRJ não respondeu às acusações de "perseguição política" e não informou se outros partidos, além do PSOL, foram afetados e quantas pessoas estão sendo processadas.
Segundo especialistas em Direito Eleitoral consultados pela DW, é improvável que os processos sejam uma tentativa deliberada de "perseguição política". Advogados afirmam que os promotores têm autonomia e podem não concordar com o entendimento do TSE. Mas, como há jurisprudência, dificilmente os investigados serão condenados.
"Não vale a pena você manter uma ação por um valor irrisório que, além disso, tem um entendimento do TSE. É desnecessário, o MP tem coisa muito mais importante para fazer. O espírito da lei não é punir o humilde que deu R$50, mas punir o grande que doou milhões. Não é ilegal, mas é excesso de zelo do MP", afirma Alberto Luis Rollo, advogado e professor de direito eleitoral na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele entende que deveria haver uma lei clara seguindo o entendimento do TSE, o que acabaria com brechas na interpretação.
Mas, mesmo sem a lei, os especialistas concordam que processos contra doações abaixo do teto da isenção são desnecessárias. O professor da FGV e pesquisador em direito eleitoral Diogo Rais vai além: para ele, esse tipo de atuação acaba criando uma injustiça.
"Não é o que se espera do MP, que ele saia na busca de punição por valores irrisórios de pessoas físicas que doaram até o teto da isenção. Isso é um desserviço para uma democracia ativa no Brasil. Não é producente. E essas pessoas que foram processadas não vão querer doar de novo ou pior, vão doar à margem da lei. A participação popular deveria ser incentivada", diz.
Mais de cem afetados
O advogado Lucas Mourão, de 26 anos, também está sendo investigado por uma doação de R$ 60 ao PSOL. Ele era estagiário na época, e seu salário não atingia o valor mínimo para tributação do imposto.
Atualmente coordenador do mandato do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), Mourão contabilizou quase cem casos similares de pessoas investigadas pelo MPRJ. No Paraná, segundo Bernardo Pilotto, do diretório estadual do PSOL, o partido soube de 30 pessoas nessas condições.
"Com certeza o número de afetados é muito maior. Porque muita gente não procura o partido e nós nem ficamos sabendo", explica Pilotto. Além dos estados do Rio de Janeiro e do Paraná, o partido registrou casos semelhantes em São Paulo, Ceará, Distrito Federal e Sergipe.
Ministério Público
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro explica que a lista de doadores foi elaborada pela Receita Federal e pelo TSE e encaminhada pela Procuradoria Regional Eleitoral.
"A referida listagem foi encaminhada pelo procurador regional eleitoral, Paulo Roberto Berenger, ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com expressa recomendação aos promotores eleitorais para oferecimento de representações", afirma a nota do MPRJ.
A procuradoria afirma que a lista incluía todos os doadores de campanha, independente do valor da doação: "Esta lista foi repassada aos promotores eleitorais, a quem coube identificar as doações que estavam acima do limite legal e pedir a quebra do sigilo fiscal se assim entendessem. Também cabe aos promotores eleitorais a decisão de ingressar ou não com a representação."
A procuradoria disse que concorda com entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que são regulares as doações que não ultrapassem 10% do limite de isenção do imposto de renda, mas que cada Ministério Público Eleitoral, em cada Estado, tem independência funcional.
*Os nomes foram alterados a pedido das fontes
Por Marina Estarque
Acesso em: 23/10/2015
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Carta Capital
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