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Roleta russa na pré-campanha eleitoral

segunda-feira, 27 de junho de 2016
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Eneida Desiree Salgado

Professora de Direito Constitucional e Eleitoral/UFPR

O Direito Eleitoral tem como substância a concretização de dois princípios constitucionais estruturantes: o princípio republicano e o princípio democrático. A concretização de uma democracia republicana e de uma república democrática não é possível sem regras eleitorais efetivas e sem eleições periódicas. Em decorrência do Estado de Direito, princípio também estruturante, exige-se que as regras eleitorais sejam oriundas do Parlamento, que sejam anteriores à ocorrência dos fatos, que sejam razoáveis e que ao restringirem direitos fundamentais não atinjam seu núcleo essencial, atentem aos princípios da proporcionalidade, da generalidade e da abstração e não sejam retroativas. Nada disso tem sido observado nas últimas eleições brasileiras.

Há menos de um mês do início das convenções partidárias para a escolha dos candidatos, ainda não se sabe o que é válido como pré-campanha, ou melhor, quais manifestações políticas não são passíveis de enquadramento como propaganda eleitoral antecipada. Há quem defenda que fora do período eleitoral a liberdade de expressão é ampla e não caberia nenhuma restrição. Há, por outro lado, quem afirme que a igualdade de oportunidades na competição eleitoral exige que se coíba a “queima da largada”, com evidentes vantagens para quem começa a divulgar suas intenções eleitorais antes dos demais.

O legislador – auto-interessado – criou a figura da pré-campanha, inserindo o artigo 36-A na Lei das Eleições pela Lei nº 12.304/09, uma das muitas mini-reformas que aos poucos vão tornando o Direito Eleitoral um caleidoscópio sem lógica. A ementa do Projeto de Lei nº 5.498/09 afirma que a proposta, entre outras coisas, “define critérios para propaganda eleitoral antecipada”. Em sua justificação, revela a preocupação do Parlamento com “as divergências nas interpretações dos juízes em diferentes momentos e localidades” e à criação, pela Justiça Eleitoral, de regras por meio de Resoluções em face de “pontos pouco ou mal regulamentados” pela Lei das Eleições. Um dos pontos centrais do projeto era “a necessidade de estabelecer regras claras, recuperando o poder normativo do Congresso”.

Não funcionou e em 2013, reformando intensamente o Projeto de Lei do Senado nº 441/12, de Romero Jucá, que visava diminuir o tempo das campanhas, a Câmara de Deputados decidiu modificar o artigo 36-A ampliando as condutas que não se encaixariam em propaganda eleitoral antecipada, esclarecendo que poderiam ter cobertura dos meios de comunicação e uso da internet e das redes sociais. Ainda, incluiu na Lei nº 9.504/97 o artigo 36-B que, em uma interpretação autêntica, estabelece que “será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do presidente da República, dos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições”.

Uma nova mudança nas regras de pré-campanha foi realizada em 2015, com a Lei nº 13.165. O Projeto de Lei nº 5.735/13 era mais ambicioso, pretendendo que “a manifestação político-eleitoral individual, vedado o anonimato, com ou sem pedido de voto, veiculada pela interne ” não fosse considerada propaganda eleitoral antecipada, nem “a realização de atividades típicas de pré-campanha, tais como as declarações públicas que levem ao conhecimento geral a pretensão de disputar eleições e as ações políticas que se pretende desenvolver, as manifestações de apoio a partidos e a pré-candidatos, entre outras, desde que não haja pedido explícito de votos, nem menção a número de candidato, utilização de símbolos de campanha, distribuição de panfletos, arrecadação de fundos, realização de comícios ou outras ações próprias do período de campanha eleitoral”. A justificativa do Grupo de Trabalho tem como uma de suas premissas “evitar a judicialização excessiva do processo eleitoral”.

O texto atual da Lei permite atos de pré-campanha e parece estabelecer um rol taxativo do que não configura propaganda antecipada. No caput do 36-A vem a ressalva: o ato não pode envolver pedido explícito de voto, mas pode ter menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais. Pode ser por entrevistas ou debates, nos meios de comunicação e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos; pela realização de eventos partidários, em ambiente fechado e a expensas dos partidos; pela realização de prévias partidárias; e pela divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de voto. Pode ter pedido de apoio político e divulgação de pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver (exceto para os profissionais de comunicação social no exercício da profissão. Ou seja, pode ter pedido de apoio político mas não pode ter pedido de voto. E, ainda, pode ter a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais e a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

Parece haver como premissa a distinção entre pedir voto e pedir apoio político. Talvez, para configurar o pedido de voto, se entenda como necessária a menção ao partido e ao cargo, e talvez ao número, não se sabe. Então o vice-procurador-geral Eleitoral apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral uma consulta sobre os limites da pré-campanha. Para o Procurador, a norma não estabelece os meios que podem ser empregados para os atos e “o silêncio da lei a respeito do tema gera indesejável insegurança jurídica, o que tornam imprescindíveis o esclarecimento e a fixação de diretrizes por parte desse Tribunal Superior Eleitoral”.

Mais uma “instrução” que vai estabelecer mais texto, para gerar mais interpretação. E a partir de uma premissa absolutamente equivocada: ao lado do presunção da má-fé no Direito Eleitoral, agora passamos a ter também a inversão do princípio da legalidade (ou melhor, da “instrucionalidade”) na esfera eleitoral e pré-eleitoral: tudo o que não for permitido em instrução pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral está proibido.

A regulamentação das campanhas eleitorais se justifica com base na isonomia. Mas não é tão fácil assim imaginar o que se entenderá por isonomia em uma campanha curta, com poucos instrumentos de propaganda, com o fundo partidário distribuído de maneira afrontosamente desigual e com proibição de doações de pessoas jurídicas. Aliás, falando na configuração do financiamento da política, interessante ressaltar que, durante a tramitação na Câmara do Projeto de Lei do Senado nº 441/12, uma das emendas apresentadas em plenário, pelo deputado Weverton Rocha, propunha a proibição de doação de pessoas jurídica para campanhas eleitorais, e apresentava como justificação a dependência dos partidos e candidatos das contribuições das pessoas jurídicas e dos escândalos políticos relacionados com as doações. A emenda foi recusada. Depois, em uma interpretação perfeccionista da Constituição, o Supremo Tribunal Federal resolveu declarar inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas com fundamento no princípio da igualdade. Paradoxalmente não se declarou a inconstitucionalidade por arrastamento dos dispositivos igualmente (ou ainda mais, porque partem do Estado) ofensivos ao princípios da igualdade: a distribuição do horário eleitoral gratuito e a divisão da propaganda partidária e do fundo partidário.

O Direito Eleitoral, mais do que nunca, será uma caixinha de surpresas nas eleições que se aproximam. Vai do candidato dar sorte em encontrar um juiz mais afeito à teoria dos direitos fundamentais, que entenda de liberdade de expressão e do princípio da legalidade e assim não correrá o risco de ter multada sua manifestação não vedada pela lei. Ou pode ser que sim, em grau de recurso. Não se sabe. A Lei Ficha Limpa mostrou que, em se tratando de Direito Eleitoral, até o passado é incerto.

 

Acesso em: 27/06/2016
Leia notícia completa em:
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