REDESCOBRIR O FINANCIAMENTO PRIVADO
Desde a redemocratização do Brasil, iniciada em 1985, discute-se a necessidade de uma reforma política em prol do aperfeiçoamento das instituições democráticas e da melhoria no método de escolha dos representantes.
Um dos principais objetivos dessa reforma é discutir o modelo de financiamento da atividade política, que engloba da sustentação financeira das campanhas eleitorais até a estrutura dos partidos políticos.
Até 1993, adotou-se no Brasil o modelo de financiamento exclusivamente público. Diante da queda do ex-presidente Fernando Collor, cujo protagonista foi o caixa dois constituído por meio de doações ilícitas advindas de pessoas físicas e jurídicas, o Congresso Nacional decidiu transformar o proibido em permitido, autorizando as doações para as campanhas eleitorais.
Esse modelo foi consolidado pela legislação nos últimos 20 anos. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, em resposta a uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil, proibiu as doações oriundas de pessoas jurídicas de direito privado a partir das eleições de 2016, por considerar esse tipo de financiamento uma porta de entrada para a corrupção na administração pública.
Ainda é muito cedo para avaliar os efeitos das mudanças, sobretudo tendo por base uma única eleição que ainda não foi concluída. De toda forma, o grande número de denúncias e de fraudes detectadas pela Justiça Eleitoral parece indicar que a corrupção encontra outras portas para se instalar.
A relação entre o financiamento empresarial e a corrupção foi dogmatizada a ponto de criar uma cortina de fumaça, ofuscando o verdadeiro problema.
Então, por exemplo, se houve fraude ou favorecimento em compras governamentais, conclui-se imediatamente que se deva modificar o sistema de financiamento eleitoral. Mas e o sistema de compras governamentais? E os meios e efetividade dos mecanismos de controle? Será que mudar o financiamento eleitoral seria a forma adequada de combater esses males?
A mudança apenas pela mudança é inviável e pode provocar efeitos colaterais inesperados. Em uma campanha com recursos financeiros tão escassos, qualquer dinheiro a mais pode ter alterado o resultado, ainda que este dinheiro seja proveniente de fontes lícitas, como o autofinanciamento.
Enquanto se discute o modelo de financiamento, o Congresso já debate a criação de um novo fundo com dinheiro público para fazer frente à necessidade de financiamento de campanha. Parece que a penúria das eleições de 2016 não mais se repetirá.
Entre os congressistas, o mantra da necessidade de redução de custos e do teto de gastos convive com manobras para aprovar novos dispêndios. Cogita-se a retirada de R$ 3 bilhões do Orçamento da União para destinar às campanhas de 2018. Como se trata de dinheiro público, dinheiro de todos, engloba tanto pessoas físicas quanto jurídicas.
Proibir as doações empresariais é apenas trocar os móveis de lugar, e não arrumar a casa. O fundamental é definir regras mais claras para a distribuição desse dinheiro, seja ele oriundo do meio público ou privado, nos partidos.
O problema não será resolvido pela simples exclusão de doações de pessoas jurídicas.
DIOGO RAIS é pesquisador da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas e professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
*DANIEL GUSTAVO FALCÃO PIMENTEL DOS REIS * é professor doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP e do Instituto Brasiliense de Direito Público.
Acesso em 1º de novembro de 2016
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