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Documento de morto em prestação de contas motiva cassação de vereador

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

O juiz da 69ª Zona Eleitoral, Fábio Renato Mazzo Reis, cassou o diploma do vereador Fagner Vinícius Bussi da Silva (PV) por irregularidades na prestação de contas nas eleições municipais de 2016, em Lucélia. A sentença, registrada nesta terça-feira (7) e com publicação prevista para esta quinta-feira (9) no "Diário da Justiça Eletrônico" do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo (TRE-SP), ainda determina a inelegibilidade do parlamentar pelo prazo de oito anos, a contar da eleição.

A decisão foi motivada por uma representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral visando a apurar prática de captação e gasto de recursos ilícitos. Silva concorreu ao pleito de 2016 e foi eleito com 430 votos, o equivalente a 4,19% dos votos válidos, segundo as informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O MPE afirma na denúncia que, ao prestar contas de campanha à Justiça Eleitoral, o vereador omitiu receitas que não tramitaram pela conta-corrente de campanha e ainda informou doação estimável em dinheiro (“cessão de uso de veículo”) assinada por pessoa falecida, segundo a decisão. A Promotoria ainda destaca que as receitas omitidas perfazem 39% do total de receitas e despesas declaradas à Justiça Eleitoral.

Em depoimento ao MPE, o vereador alegou “que fez uma campanha simples e com recursos provenientes de fontes lícitas, tanto que a prestação de contas foi aprovada com ressalvas pelo Juízo Eleitoral”. Ele ainda defendeu a licitude das doações estimadas em dinheiro sem trâmite pela conta-corrente de campanha e justificou o documento assinado em nome de pessoa já morta como sendo um mero erro escritural, segundo consta na sentença.

O parlamentar alegou ainda que a diferença apontada pelo MPE na prestação de contas retificadora, quando comparada à primeira, "foi ocasionada por desinformação e dúvidas, tanto que, assim que foram identificadas as inconsistências, procurou profissionais habilitados para corrigir sua prestação de contas”. Afirmou também que “a referida diferença não foi capaz de desequilibrar o pleito”, de acordo com o documento judicial.

Silva assegurou que “não houve abuso de poder a ensejar a aplicação do artigo 30-A da lei 9.504/97, pois seria desproporcional aplicá-lo ao caso, e pediu a improcedência da ação”.

Análise do caso
Ao analisar o caso, o juiz apontou que o vereador apresentou a prestação das receitas e despesas no valor de R$ 1.612,45. “Tal prestação de contas foi recebida pela Justiça Eleitoral em 01/11/2016, ou seja, quase um mês depois da realização da eleição, que ocorreu em 02/10/2016”. O magistrado também cita que junto à prestação de contas o representado apresentou um “termo de cessão sobre uso de veículos”, referente a um VW Fusca, assinado pelo vereador como cessionário e por um homem como cedente, pessoa morta ao tempo em que assinado o documento, segundo a decisão.

Portanto, ponderando tudo o que foi dito, tais irregularidades – captação e gasto ilícitos e apresentação de documento falso – revelam-se demasiadamente graves, tendo em vista que os referidos valores deixaram de transitar pela conta bancária específica de campanha, o que impede a verificação de eventuais infrações contábeis e caracteriza a existência do chamado 'caixa dois'"
Fábio Renato Mazzo Reis,
juiz da 69ª Zona Eleitoral

Conforme a sentença, a Justiça Eleitoral apontou indícios de irregularidade nesta prestação de contas, detectando que o doador de campanha está registrado no sistema de controle de óbitos. O banco onde estava cadastrada a conta de campanha apresentou declaração afirmando que o representado não retirou talão de cheques, além de um extrato da conta corrente de campanha zerado, de acordo com as informações da decisão.

A sentença pontua que foi apresentada uma prestação de contas retificadora assinada pelo parlamentar constando receitas e despesas no valor de R$ 2.526,58 e esta prestação retificadora foi recebida pela Justiça Eleitoral em 18/11/2016. O vereador juntou “termo de cessão sobre uso de veículos” referente ao veículo VW Fusca, mas desta vez assinado por ele como cessionário e por outro homem como cedente. Nos documentos apresentados à Justiça, também consta um “termo de cessão sobre uso de veículos” referente a um GM Prisma, assinado pelo representado como cessionário e por sua mãe, como cedente.

“O parecer técnico da Justiça Eleitoral foi pela reprovação das contas e ato subsequente este Juízo aprovou com ressalvas as contas de campanha”, salientou a sentença. “Analisada a prova documental encartada aos autos, reconheço que a aprovação das contas com ressalvas não foi a melhor decisão, uma vez que o parecer técnico pela desaprovação das contas encontra total amparo na Resolução TSE 23.463/2015”, segundo o magistrado.

O juiz ainda pontuou na sentença que o desacerto da decisão de aprovar as contas com ressalvas ficou ainda mais explícito com a colheita do depoimento pessoal do representado e das testemunhas arroladas por ele próprio.

“Apesar de imputar o erro da prestação de contas ao escritório de contabilidade que lhe assistia na ocasião, o representado relatou que assinou a prestação de contas sem ler. Não bastasse isso, o representado confirmou que utilizou o Fusca de seu tio alguns dias para fazer campanha, que era ele mesmo que o dirigia e que quando pegava o carro nele já tinha combustível, que era colocado por seu tio, dono do carro. Quanto ao automóvel GM Prisma, também usado na campanha, disse que é de sua mãe e que era ela que abastecia o carro, que era dirigido por seu irmão nos atos de campanha”, segundo a decisão.

O magistrado ainda afirma que esses fatos foram confirmados por testemunhas, quando ouvidas em juízo.

“Portanto, não há dúvidas de que o representado recebeu doação de combustível sem que os valores utilizados para comprá-lo transitassem pela conta corrente de campanha, como demonstra o extrato de fls. 42. O valor dessa doação, segundo consta da prestação retificadora – uma vez que a prestação original indicou zero –, perfaz o valor de R$ 414,15”. “Não há como saber se de fato foi apenas esse valor gasto com combustível em sua campanha, pois, uma vez que não transitaram pela conta corrente, não é possível ter um controle efetivo das receitas e despesas, que é o objetivo da legislação eleitoral que visa assegurar a lisura do pleito”, declarou Reis.

Fagner Vinícius Bussi da Silva (PV) (Foto: Reprodução/Facebook)Fagner Vinícius Bussi da Silva (PV) teve o diploma de vereador cassado pela Justiça Eleitoral (Foto: Reprodução/Facebook)

Doações irregulares
O juiz eleitoral cita na decisão que “os doadores só podem doar bens de seu próprio patrimônio e o combustível doado pertence a terceiros, razão pela qual o dinheiro utilizado para abastecer os carros deveria transitar pela conta de campanha. Ora, se não fosse essa a inteligência dos dispositivos legais citados não haveria razão de existir uma rubrica específica para 'combustíveis e lubrificantes' no extrato de prestação de contas. Portanto, a prestação de contas retificadora não aponta apenas o fato de que valores gastos na campanha eleitoral não transitaram pela conta, demonstra também que é impossível se saber ao certo qual foi de fato o valor arrecadado e gasto pelo candidato na campanha. E, se a falha foi do escritório de contabilidade, como afirmou o representado, cabia a ele, então candidato, ora representado, conferir a documentação antes de assinar. É o que se espera de uma pessoa que já possui o cargo de vereador e acabara de ser reeleito”, pontuou o magistrado.

Segundo o documento judicial, o responsável pelo escritório contábil disse em juízo que o parlamentar assinou a prestação de contas “na correria” e sem ler. “Porém, esta afirmação não faz sentido, pois a prestação de contas foi apresentada quase um mês depois das eleições (do dia 02/10/2016 ao dia 01/11/2016), ou seja, não havia motivo para 'correria', nem muito menos para assinar documentos tão importantes sem ler”, alegou Reis.

A sentença ainda cita que uma testemunha, que também foi eleita para o cargo de vereador, disse em juízo que utilizou o mesmo escritório de contabilidade e não teve nenhum problema com a Justiça Eleitoral por conta de falha do estabelecimento. A testemunha disse em audiência que considera que o escritório lhe prestou um bom serviço e que promoveram algumas reuniões para passar informações aos candidatos.

“Nesse sentido, não há como deixar de reconhecer que houve arrecadação de recursos em desacordo com a Resolução TSE 23.463/2015, recursos esses não contabilizados na campanha eleitoral, o que é suficiente para configurar captação e gasto ilícitos”, pontuou o juiz.

'Falha grosseira'
Reis ainda pontua que “outra falha grosseira” da prestação de contas do representado foi a apresentação de um termo de cessão sobre uso de veículos” referente a um VW Fusca, assinado por pessoa comprovadamente morta ao tempo em que foi assinado o documento. “Tal fato, em tese criminoso, foi apontado pela Justiça Eleitoral, que detectou que doador de campanha estava registrado no sistema de controle de óbitos”.

Induvidoso, portanto, que o representado apresentou documento falso à Justiça Eleitoral. Ainda que tal conduta tenha decorrido de uma mera desatenção, o que admito apenas para argumentar, não se concebe que num momento fundamental para o funcionamento da Democracia seja dada tão pouca importância ao trato dos documentos que visam fornecer meios da Justiça Eleitoral fiscalizar a lisura do pleito"
Fábio Renato Mazzo Reis,
juiz da 69ª Zona Eleitoral

Esta informação foi confirmada por um tio do parlamentar, segundo a decisão. O parente do vereador disse que cedeu o referido VW Fusca para a campanha de seu sobrinho e que o nome do homem que estava o documento é o ex-dono deste carro. Ele ainda afirmou que entregou o documento errado ao escritório, ainda em nome do falecido. Confirmou também que foi ele quem assinou o nome do ex-proprietário no documento e que quando assinou o homem já estava morto, de acordo com a decisão.

“Induvidoso, portanto, que o representado apresentou documento falso à Justiça Eleitoral. Ainda que tal conduta tenha decorrido de uma mera desatenção, o que admito apenas para argumentar, não se concebe que num momento fundamental para o funcionamento da Democracia seja dada tão pouca importância ao trato dos documentos que visam fornecer meios da Justiça Eleitoral fiscalizar a lisura do pleito. E, nesse ponto, faltou com a verdade o representado ao dizer em seu depoimento pessoal que não estava assistido por advogado durante a campanha. Nas fls. 17 e 20 constam procurações 'ad judicia' em que constitui uma advogada para prestar assistência jurídica e para fins de acompanhamento na prestação de contas da campanha eleitoral. Ou seja, o representado sempre esteve assistido por advogada e mesmo assim cometeu os erros apontados”, segundo a sentença.

“Portanto, ponderando tudo o que foi dito, tais irregularidades – captação e gasto ilícitos e apresentação de documento falso – revelam-se demasiadamente graves, tendo em vista que os referidos valores deixaram de transitar pela conta bancária específica de campanha, o que impede a verificação de eventuais infrações contábeis e caracteriza a existência do chamado 'caixa dois', afirmou Reis.

Ante o exposto, o magistrado julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Eleitoral para cassar o diploma de Fagner Vinícius Bussi da Silva, nos termos do artigo 30-A, parágrafo 2º, da lei 9.504/97, e consequentemente declarou sua inelegibilidade pelo prazo de oito anos, a contar da eleição.

Outro lado
O vereador Fagner Vinícius Bussi da Silva informou ao G1 na manhã desta quarta-feira (8) que já foi informado da decisão de primeira instância que cassou seu diploma, mas vai recorrer à segunda instância assim que iniciar o prazo para recurso.

“O juiz havia aprovado minhas contas com ressalvas, o Ministério Público recorreu e aí o juiz acabou voltando atrás na decisão. Vou recorrer à segunda instância”, afirmou Silva.

Sobre a questão do combustível, o parlamentar alegou ao G1 que seu irmão utilizava e bastecia o carro GM Prisma, juntamente com sua mãe, e, por isso, acreditava não haver a necessidade de relatar os valores na conta-corrente da campanha eleitoral.

Já com relação ao VW Fusca em nome de uma pessoa já falecida, Silva afirmou ao G1 que seu tio entregou por engano o documento antigo do veículo no escritório, mas isso já foi esclarecido e regularizado.

Acesso 10/02/2017, ás 16:18.

Em: http://g1.globo.com/

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