Defesa do senador alega que doação de R$ 500 mil não pode servir como prova de propina; ele e outras duas pessoas responderão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta terça-feira (7) denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia foi apresentada pela PGR no âmbito da Operação Lava Jato.
O peemedebista é acusado pelo Ministério Público de ter recebido propina de R$ 500 mil por meio de doação oficial para sua campanha ao Senado em 2010. Ele é o segundo senador a se tornar réu por crimes investigados na Lava Jato – a primeira foi Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Por meio de nota, Raupp disse respeitar a decisão dos ministros mas insistiu que as doações foram declaradas à Justiça e que não podem ser consideradas como prova de "ilicitudes" (leia a íntegra da nota ao final desta reportagem).
Na mesma sessão, os ministros da Segunda Turma também aceitaram denúncia pelos mesmo crimes contra o cunhado do senador de Rondônia, Pedro Roberto Rocha, e uma ex-funcionária, Maria Cleia de Oliveira.
A Procuradoria acusa o senador do PMDB de ter pedido ajuda ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para obter doações eleitorais. Após ser acionado pelo peemedebista, Costa pediu o auxílio do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, relatam os investigadores.
O doleiro Alberto Yousseff, por sua vez, teria acertado com uma assessora de Raupp que a doação seria feita pela construtora Queiroz Galvão, empreiteira que mantinha contratos com a Petrobras.
A denúncia da Procuradoria apresenta registros de um encontro entre o senador de Rondônia e o lobista Fernando Baiano, além de telefonemas entre Maria Cleia com o doleiro Alberto Youssef.
Além disso, os investigadores encontraram na agenda de Paulo Roberto Costa uma anotação que dizia “0,5 WR”. Para os procuradores da República, o registro seria uma referência ao valor repassado a Raupp.
A PGR acredita que a anotação prova que houve pedido de contribuição eleitoral e posterior recebimento de dinheiro desviado de contratos da Petrobras na forma de duas doações ao PMDB de Rondônia.
Novo relator do caso, o ministro Edson Fachin ressaltou que a decisão não caracteriza culpa dos acusados, mas somente a existência de indícios de autoria e cometimento dos crimes.
“Todos os elementos apresentados parecem-se suficientes para aceitar a denúncia nessa fase. [...] Os indícios apontados convergem então para a possível prática do crime de corrupção passiva majorada pelo denunciado Raupp e ao menos na condição de participe por Paulo Rocha e Maria Cleia”, destacou Fachin.
Com a decisão da Segunda Turma, será aberta agora uma ação penal, durante a qual a defesa poderá apresentar provas de inocência e depoimento de testemunhas favoráveis aos réus. Só ao final, no julgamento final do processo, a Corte decidirá pela condenação ou absolvição.
Doação e propina
Durante o julgamentos, os ministros resolveram deixar para o julgamento final da ação a decisão sobre como aferir se doações eleitorais podem se configurar como propina (leia abaixo as teses da defesa e da acusação).
A questão se estende a outros casos da Lava Jato, já que, para o Ministério Público, muitos políticos recebiam doações das empresas para manter na Petrobras diretores que as favoreciam em licitações.
Nos votos, alguns ministros, no entanto, adiantaram seus pontos de vista sobre o assunto. Relator da Lava Jato, Edson Fachin disse que o caso de Raupp têm “indícios” de que propina foi repassada de “forma dissimulada” em doações, mas que a fase atual do processo “não exige um juízo de certeza”.
Celso de Mello, por sua vez, foi mais incisivo, ao afirmar que a prestação de contas eleitorais pode ter se tornado uma “engenhosa estratégia” para lavar dinheiro, ocultando sua origem criminosa.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes disse que o STF ainda deverá discutir a natureza da contrapartida oferecida pelos políticos em troca das doações das empresas. “Tem que haver liame, nexo de causalidade”, afirmou.
Defesa
No julgamento desta terça, os advogados Maria Cleia e Pedro Roberto Rocha – que atuam na defesa de Raupp – afirmaram que a doação eleitoral, devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral, não pode servir como prova do recebimento de propina e de ocultação da origem do dinheiro. Na avaliação do advogado Daniel Gerber, a doação eleitoral se trata de um “ato jurídico perfeito”.
“O ato jurídico perfeito não se volta contra o público. É a garantia institucional contra a suspeição daquilo que praticamos dia a dia [...] Em sede de processo penal, o ato jurídico perfeito nada prova que não a perfeição jurídica do ato. Se quisermos macular esse ato, teremos que buscar no caderno investigatório algo além”, argumentou Gerber na tribuna da Segunda Turma.
O criminalista também disse que a denúncia não apresenta da PGR a contrapartida prestada por Raupp em troca da doação e chamou de “abstracionismo” a tese dos procuradores de que o peemedebista teria atuado para manter Paulo Roberto na diretoria da Petrobras.
“Ainda que Raupp tenha se encontrado com Fernando Baiano, ainda que Maria Cleia tenha telefonado, isso prova que houve solicitação de campanha em troca de favor escuso? Isso prova que existem nexo causal entre uma solicitação e um ato particular? Ou prova que houve solicitação de campanha? Esses elementos mostram apenas que houve contato de A com B", ponderou Gerber.
"Fernando Baiano, em algum momento, afirma que o senador prometeu alguma contrapartida? [...] Em nenhum momento, essa contraprestação é apresentada por Baiano”, complementou o advogado.
Acusação
Ainda durante o julgamento, representando o Ministério Público, a subprocuradora Ela Wiecko Volkmer de Castilho rebateu a tese da defesa de que a declaração da doação à Justiça Eleitoral a torna lícita.
“Na verdade, é uma ótima saída, é uma forma muito boa de lavagem de ativos. O fato de a propina ser paga sob a forma de doação eleitoral oficial é irrelevante para análise da tipicidade da corrupção passiva. Trata-se apenas de um método de disfarce do recebimento que não descaracteriza ilicitude, haja vista a circunstância em que foi solicitada”, afirmou.
A subprocuradora ainda disse que a denúncia ampara-se em provas “documentais e testemunhais”, negando também contradição em depoimentos de colaboradores – Paulo Roberto, Alberto Youssef e Fernando Baiano.
Nota
Leia a íntegra da nota divulgada por Valdir Raupp após o STF aceitar denúncia contra ele:
NOTA
Respeito à decisão dos Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida nesta data. No entanto, continuo a acreditar que contribuição oficial de campanha devidamente declarada, não pode ser considerada como indício e/ou prova de ilicitude.
Esclareço também que as contribuições da campanha de 2010, que são objeto da causa, foram feitas diretamente ao Diretório Regional do PMDB do Estado de Rondônia, tendo sido as contas aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral(TRE-RO).
Durante a instrução do processo, a defesa terá oportunidade de provar suas teses que, certamente, levarão à conclusão da legalidade das contribuições
Brasília, 07 de março de 2017
Senador Valdir Raupp
Notícia completa em:
G1
www.g1.globo.com.br
Acesso em 10/03/2017