Por Pedro Ludovico
Primeiramente, é com muito prazer que agradeço a oportunidade concedida pelo portal “O plenário” de quinzenalmente trazer as principais discussões jurídicas relacionadas com o cenário político.
Em meio a esse terremoto político de escândalos constantes desde 2013 com a deflagração da Lava Jato, após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, mais um acontecimento se aguarda: o julgamento da AIJE 1943-58 que questiona a legalidade da arrecadação e gastos empreendidos pela chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014, que será retomado na próxima semana (6.6.17) pelo TSE e que pode resultar no afastamento de Michel Temer da presidência.
Os supostos desvios e irregularidades já foram imensamente jogados ao ar pela imprensa, e o que grande parte do povo brasileiro aguarda é a desaprovação das contas, com a cassação da chapa e a saída do Presidente Michel Temer.
Diante desse contexto, o TSE – que já passou por severas mutações jurisprudenciais em meio às constantes alterações da legislação eleitoral e à alternância de seus julgadores –, passará por um teste que pode significar, mais uma vez, uma mudança significativa em sua jurisprudência.
No dia 4 de maio deste ano, o TSE, ao julgar o RO 2246-61[1] cassou o Governador do Amazonas por compra de votos nas eleições de 2016. O que chama a atenção desse julgamento não é o desprovimento do recurso e a manutenção da condenação imposta pelo TRE-AM, que pelos fatos narrados, pareceu ser a solução mais adequada.
O que mais impressionou, do ponto de vista jurídico, foi a determinação da execução imediata do julgamento, sem ao menos aguardar a publicação do acórdão, ou mesmo o julgamento de eventuais embargos de declaração, como sempre foi o entendimento do TSE para os casos de cassação de Governadores.
A decisão trouxe grande preocupação aos juristas, dado que a publicação – instituto basilar para tornar pública a decisão de qualquer órgão julgador perante os órgãos oficiais da justiça –, foi ignorada.
Esse é um precedente que traz enorme insegurança jurídica, justamente porque possibilita novas decisões nesse sentido, em contrapartida a jurisprudência que consolidou-se em sempre aguardar a publicação do acórdão de eventuais embargos de declaração.
Nas últimas cassações de Governadores – Marcelo Miranda, de Tocantins, em 2009, e Jackson Lago, do Maranhão, também em 2009 –, a decisão do TSE foi clara: a execução do julgado se dará apenas após o julgamento de eventuais embargos de declaração.
Sendo assim, não se trata de uma guinada jurisprudencial com fundamento em alteração legislativa, ou em razão de mudança de interpretação da norma, mas sim de um precedente ímpar que pode resultar em uma nova posição do tribunal quanto ao tema. Isso sem falar que tal entendimento foi adotado quando a composição contava com Ministros substitutos: Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
O TSE considerou adequada a execução imediata do acórdão dada a proximidade do próximo pleito eleitoral e a necessidade de convocar imediatamente novas eleições no estado do Amazonas.
Entretanto, lembra Carnelutti [2]: “A lei tentou todos os expedientes possíveis para garantir a dignidade do juiz”.
Nesse sentido, ainda mais em processo de cassação de Governador eleito por milhares de votos, não parece digno, que os Ministros da Corte Eleitoral, ao fundamento de dar suposta celeridade na resolução do caso, desrespeitem a jurisprudência da Corte consolidada há mais de 8 anos.
Isso sem falar que os embargos de declaração “prestam-se, outrossim, a reparar obscuridade, dúvida ou contradição, ou, ainda, para sanar omissão do ato decisório cuja integração visam”, como já afirmava Rogério Lauria Tucci [3].
Assim, considerar que os juízes não se contradizem, ou sequer se omitem sobre determinado tópico, e que os embargos se prestam apenas para protelar o feito, revela uma suposição que desrespeita o contraditório e a ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, LV da CF.
Ora, determinar a cassação de um Governador, ou ainda um Presidente, contrariando a jurisprudência amplamente predominante no TSE e deixando às espúrias instituto tão importante para manutenção da segurança jurídica, não pode ser admitido pelo simples argumento de que se possibilitaria conferir um status de impunidade. O que se deve assegurar é o respeito às leis que regem o processo.
Importante citar que no ano de 2008, o então Governador do estado da Paraíba, Cássio Cunha Lima, teve seu mandato cassado, independentemente da interposição dos embargos, e foi afastado do cargo e determinada a posse do segundo colocado nas eleições de 2006. Todavia, ali ao menos se aguardou a publicação do acórdão.
Recentemente, no dia 11 de maio, o TSE cassou o Prefeito da cidade de Belo Jardim-PE, também determinando a execução do acórdão assim que fosse publicado, para a realização de novas eleições.
Desse modo, não seria surpreendente considerar que o TSE determine a execução imediata de eventual acórdão condenatório, após sua publicação.
Justo ou não o julgamento, devem ser respeitadas as leis e os métodos interpretativos que sempre foram aplicados, não obstante a possibilidade de se alterar a jurisprudência com fundamento na própria lei, o que não ocorreria caso fosse determinada a execução imediata de acórdão condenatório ao Presidente Michel Temer.
Portanto, diante da jurisprudência predominante de aguardo do julgamento dos embargos de declaração para cassação de Governador, parece ser razoável que o TSE mantenha sua posição, ainda mais em casos como estes, em que grande parte da sociedade pede a imediata cassação a partir de valores morais, reafirmando seu compromisso com o estado democrático de direito.
Aguardemos então, como o TSE irá “se comportar” diante da pressão política e jurídica que carrega sobre o próximo e tão esperado julgamento da AIJE 1943-58[4] que trata da legalidade da arrecadação e gastos de campanha da chapa Dilma-Temer. Se cassada a chapa, será determinada a execução imediata?
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[1] RO 2246-61 Recurso Ordinário 2246-61 desprovido que cassou o Governador do Amazonas em 04/05/2017.
[2] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. 6ª ed. Editora Bookseller, 2005, Campinas. p. 35.
[3] TUCCI, Rogério Lauria. Curso de Direito Processual: processo de conhecimento II. Editora Boshatsky, 1976, São Paulo. p. 334.
[4] AIJE 1943-58- Ação Investigatória Judicial Eleitoral referente a prestação de contas da chapa presidencial Dilma-Temer das eleições de 2016.
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O PLENARIO
http://oplenario.com.br/
Acesso em 26/05/2017