Por João Ozorio de Melo.
Para os países que utilizam o voto distrital — e principalmente para aqueles que querem instituí-lo —, uma questão fundamental é quem vai desenhar o mapa dos distritos eleitorais. Nos Estados Unidos, essa função está entregue às assembleias legislativas e governadores dos estados, o que abre caminho para “malandragens” políticas para favorecer o partido que está no poder no estado e para intermináveis disputas judiciais.
Em 3 de outubro, no segundo dia do início do ano judicial 2017/2018, a Suprema Corte dos EUA fará a primeira audiência de um processo que questiona esse procedimento polêmico do voto distrital nos EUA. Os ministros da corte irão decidir, exatamente, se as assembleias legislativas e os governadores dos estados podem elaborar o mapa dos distritos eleitorais.
Tal tarefa, entregue aos políticos, resulta em manipulação do mapa dos distritos eleitorais no estado, para favorecer o partido que está no poder. São usadas duas táticas para eleger mais deputados estaduais e federais, conhecidas pelo nome genérico de gerrymandering (o nome é uma junção do nome Gerry com salamander; em 1812, o então governador de Massachusetts, Elbridge Gerry, desenhou um distrito eleitoral que parecia uma salamandra mitológica, para favorecer o Partido Democrata).
Uma das táticas é chamada de “rachar” (cracking). Consiste em diluir o poder de voto do partido adversário em uma área, dividindo-a em vários distritos. Por exemplo, se o mapa for feito por republicanos (conservadores), eles irão determinar uma área onde existe uma grande concentração de eleitores democratas (liberais). Essa área democrata será dividida em duas, três ou quatro áreas pequenas, e cada uma delas será emendada a uma área republicana maior, para demarcar os distritos. Assim, os republicanos ficam com maioria dos votos em dois ou três distritos, e os democratas, em um — ou nenhum.
Outra tática é chamada de “empacotar” (packing). Consiste em concentrar todos os eleitores democratas em um único e grande distrito eleitoral, de forma que dois, três ou quatro distritos vizinhos sejam notadamente republicanos. Os exemplos se referem ao Partido Republicano, mas os democratas fazem a mesma coisa, quando estão no poder no estado.
Assim, os americanos estão olhando para outros países, para ver quem elabora o mapa distrital em seus territórios. Exemplos, apontados pelos professores universitários Bernard Grofman e German Feierherd em um artigo para o Washington Post, vêm do Canadá, da Índia e da Grã-Bretanha, que formam um corpo técnico, independente, que exclui qualquer pessoa com conexões partidárias, para desenhar o mapa dos distritos eleitorais.
Outro exemplo vem do México, onde o mapa distrital é elaborado de acordo com um algoritmo desenvolvido por um comitê técnico, encarregado de implementar um critério de “bom governo” no voto distrital. No México, é difícil de manipular o mapa distrital, ao contrário do que ocorre nos EUA, onde o mapa pode ser alterado de diversas maneiras e os distritos terminam se parecendo com amebas ou estrelas-do-mar, dizem os professores.
Outra sugestão para os EUA é adotar o voto proporcional ao número de habitantes dentro de cada distrito. Hoje, o voto de um eleitor que reside em um distrito com 200 mil habitantes é muito mais “influente” do que o voto de um eleitor que reside em um distrito com mais de um milhão de habitantes. Com o voto proporcional dentro de cada distrito, se ficará mais próximo do princípio ideal de “uma pessoa, um voto”. E pode evitar a necessidade de o mapa distrital ser reelaborado a cada 10 anos, como é hoje, após a divulgação do censo.
Nas democracias bem estabelecidas e com um sistema de voto eleitoral que faz sentido, raramente há disputas judiciais. Não nos Estados Unidos. Talvez milhares de ações, dizem os autores do artigo, já tramitaram pelos tribunais americanos e algumas delas chegaram à Suprema Corte. Quase todas alegam violação da proteção constitucional à igualdade perante as leis.
Fonte: CONJUR - http://www.conjur.com.br