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Afinal, as candidaturas avulsas são admitidas no ordenamento brasileiro?

segunda-feira, 09 de outubro de 2017
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Anna Paula Oliveira Mendes.

O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é pacífico quanto à impossibilidade das candidaturas avulsas. Entretanto, uma recente decisão da 132ª Zona Eleitoral de Goiás em sentido contrário, bem como a existência de agravo em recurso extraordinário sobre o mesmo tema no STF, que será julgado em breve, sinalizam um possível overruling jurisprudencial. 

A Constituição Federal dispõe, em seu art. 14, parágrafo terceiro, que a filiação partidária constitui condição de elegibilidade, de modo que só podem concorrer às eleições os cidadãos filiados a um partido políticos. Tal dispositivo foi replicado, ainda, no código eleitoral e na lei das eleições, que o regulamentaram, trazendo outras questões relevantes para o exercício da capacidade eleitoral passiva, como o período mínimo de filiação exigível dos candidatos e a necessidade de escolha do candidato em convenção partidária.

No entanto, a decisão da 132ª Eleitoral de Goiás que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado pelo advogado Mário Junqueira e autorizou a realização do seu registro de candidatura de forma avulsa pautou-se na ideia de que i) o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, em especial o Pacto de São José da Costa Rica, que prevêem, no que pertine aos direitos políticos, “que qualquer cidadão tem o direito de se candidatar, de votar e ser votado, de participar da vida política e pública”; e de que ii) os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, independente de sua forma de aprovação pelo Congresso Nacional, seriam equiparados às emendas constitucionais, de modo que “havendo conflito com as nossas regras constitucionais vigentes, prevaleceria aquela que resguarda o direito individual do cidadão”.  

Por sua vez, o Agravo em Recurso Extraordinário 1054490, de relatoria do ministro Barroso, consiste em pedido de registro de candidatura de forma avulsa ao cargo de prefeito da cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 2016, formulado por Rodrigo Mozzomo, e tem como argumento principal, do mesmo modo, a violação a tratados internacionais de direitos humanos que prevêem a ampla participação na vida política. Todavia, essa tese não foi acolhida em nenhuma das instâncias inferiores – o que inclui o TSE.

Para elucidar a questão, é necessário atentar para o que prevêem os tratados internacionais. Assim o Pacto de São José da Costa Rica dispõe sobre o tema:

Artigo 23 – Direitos políticos

  1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
  2. de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
  3. de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e
  4. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
  5. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

É certo que o que o tratado prevê é a participação do cidadão na vida política e a existência de eleições periódicas e autênticas, regra intrínseca às democracias modernas e amplamente promovida pela nossa constituição. A grande discussão que se impõe, portanto, consiste na ideia de que o Pacto de São José apenas admitiria a limitação dos direitos políticos por um rol taxativo de questões, em razão do termo “exclusivamente” do art. 23.2, dentre as quais não está incluída a filiação a partido político.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos se debruçou sobre o tema, pela última vez, em 2008, ao julgar o caso Castañeda Gutman versus México. Gastañeda Gutman apresentou pedido de candidatura avulsa para o cargo de Presidente dos Estados Unidos Mexicanos, visando às eleições presidências de 2006, o qual foi negado por todas as instâncias nacionais sob a justificativa de que apenas os partidos políticos nacionais teriam o direito de solicitar o registro dos candidatos.

A demanda chegou à Corte Interamericana, que entendeu que a exigência de filiação partidária não contrariava o disposto na convenção.

Inicialmente, a Corte Interamericana ressaltou que a Convenção precisa ser interpretada de maneira conjunta, entendendo que as causas de restrição dos direitos políticos têm como único propósito evitar a possibilidade de discriminação dos indivíduos no exercício desses direitos. Assim, sempre que não sejam impostos parâmetros desproporcionais, os Estados poderiam regular seu exercício.

A Corte entendeu que

“o caso de exclusividade de indicação por partidos políticos aos cargos eletivos de nível federal é uma medida idônea a produzir o resultado legítimo perseguido de organizar de maneira eficaz os processos eleitorais, com o fim de realizar eleições periódicas, autênticas, por sufrágio universal e igual, e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade do voto dos eleitores de acordo com o estabelecido na Convenção Americana” (tradução livre).

A Corte assentou, por fim,

“que a decisão de qual sistema escolher [indicações avulsas ou mediante partidos] está nas mãos da definição política que faça o Estado, de acordo com as suas normas constitucionais”. Isto porque “a convenção estabelece linhas gerais que determina conteúdos mínimos de direitos políticos e permite aos Estados que, dentro dos parâmetros convencionais, regule esses direitos de acordo com as suas necessidades históricas, políticas, sociais e culturais” (tradução livre).

Isto evidencia que não se pode extrair do Pacto de São José a imposição de candidaturas independentes, vez que o próprio órgão ao qual cabe a sua guarda assim não entende.

Outro ponto que deve ser trazido ao debate diz respeito à superioridade hierárquica da constituição frente aos tratados internacionais de direitos humanos, especialmente aqueles que não foram aprovados de acordo com o quórum previsto no art. 5º, § 3º da Constituição Federal, que é o caso do Pacto de São José da Costa Rica.

O STF consolidou o entendimento, no RE. 466.343-SP, de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, caso não sejam aprovados nas duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quinto dos votos, possuem status de supralegalidade. Assim, estes são hierarquicamente superiores à legislação ordinária, mas inferiores à Constituição. Este é o caso do Pacto de São José da Costa Rica.

Deste modo, ainda que houvesse um conflito entre o disposto no art. 23.2 do Pacto de São José e a nossa Constituição, esta deveria prevalecer.

O status de supralegalidade do tratado internacional tem o condão, apenas, de “paralisar” eventual normal infraconstitucional com ele conflitante. No caso em discussão, a obrigatoriedade de filiação partidária se extrai diretamente do texto constitucional (art. 14, § 3º , V). Tal norma constitucional, citando a famosa classificação do Professor José Afonso da Silva, é norma de eficácia contida, que produz todos os seus efeitos já ao ingressar no ordenamento, independente de regulamentação.

Sendo assim, ainda que considerássemos paralisados eventuais dispositivos do Código Eleitoral e da Lei das Eleições, o art. 14, 3º, V, da constituição deveria continuar sendo observado pelos postulantes aos cargos públicos, bem como deveria ser aplicado pelos julgadores quando da análise de eventuais pedidos de registro de candidatura.

Ademais de todo o exposto, uma decisão judicial possibilitando as candidaturas avulsas é causa de extrema insegurança jurídica. Afinal, haveria algum filtro para que os candidatos independentes fossem registrados? Quem estabeleceria as normas para isso seria o judiciário? Como seria feito o cálculo do quociente partidário? E do tempo da propaganda eleitoral? Seria garantida a participação dos independentes nos debates políticos? O atual desenho de todos esses institutos perpassa pelos partidos políticos.

Assim, respondemos: acreditamos que as candidaturas avulsas não são admitidas no ordenamento brasileiro. É verdade que o país vive uma crise política e que há quem vislumbre nas candidaturas avulsas a sua saída. Entretanto, neste caso, a saída não deve ser pela porta do judiciário.

Anna Paula Oliveira Mendes é Mestranda em Direito da Cidade pela Uerj e bacharel em direito pela mesma universidade. Membro da Escola Superior de Direito Eleitoral (ESDEL). Advogada Pública.

Fonte: Carta Capital

https://www.justificando.cartacapital.com.br

Acesso em 09/10/2017

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