Por Henrique Neves da Silva.
Após onze meses, a almejada reforma eleitoral foi concluída poucas horas antes do prazo para ser aplicada às eleições de 2018, com a publicação das Leis 13.487 e 13.488, em edição extra do Diário Oficial.
Ao longo do último ano, inúmeras propostas – algumas extremamente engenhosas, defensáveis, outras estapafúrdias e apavorantes – foram discutidas no Congresso Nacional. No final, poucas modificações significativas foram aprovadas.
O prazo de domicílio eleitoral foi reduzido para seis meses, tal como já havia ocorrido em 2015 em relação à filiação partidária. Além dessa unificação, poderão concorrer nas próximas eleições os partidos criados nesse prazo, ou seja, até abril de 2018. É possível, portanto, que até lá se tente a criação de novos partidos, com aumento dos atuais 35. O TSE registra a existência de 69 novos partidos em formação.
O Congresso Nacional, no exercício de suas funções, reafirmou a regra do artigo 87 do Código Eleitoral para acrescentar, na Lei 9.504/97, dispositivo no sentido de que somente quem for indicado por partidos políticos pode disputar as eleições. Esse tema se relaciona com a questão das candidaturas avulsas que está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal para saber se o pacto de San José da Costa Rica sobre direitos humanos integra o ordenamento jurídico brasileiro com hierarquia constitucional e é capaz de se alterar as disposições específicas do constituinte originário que preveem como condição de elegibilidade a filiação partidária.
Em relação ao sistema eleitoral brasileiro, por falta de consenso, o sistema atual foi mantido para a próxima eleição. O texto básico da PEC 77 que cria o sistema distrital misto, nos moldes do modelo alemão, a partir de 2020, foi aprovado, com ressalva dos destaques, mas a votação não foi concluída, porque se deu preferência à conclusão das propostas que formaram a Emenda Constitucional 97, que acaba com as coligações proporcionais a partir de 2020 e insere cláusula de acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV a partir de 2018. Em tese, a discussão de um novo sistema eleitoral a partir das eleições municipais de 2020 permanece.
Com a previsão da proibição das coligações proporcionais a partir de 2020, uma alteração significante surgiu. A regra de resultado que atribui as vagas apenas aos partidos que ultrapassam o quociente eleitoral foi alterada. O quociente eleitoral é o resultado da divisão do número de votos válido pelo número de vagas em disputa. Por exemplo, nas unidades da federação que elegem o mínimo de 8 deputados, o quociente eleitoral equivale a 12,5% dos votos. No modelo que foi alterado, se somente um partido atingisse esse percentual, todas as vagas pertenceriam a ele. Com a nova redação do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral, os partidos que não atingirem o quociente eleitoral não ficam impedidos de participar do cálculo das da distribuição das sobras das vagas. Com isso, em princípio, não haverá o perigo de uma única agremiação obter todas as cadeiras de um estado.
Fundo
O maior destaque da reforma e porque não dizer a maior preocupação, por todos os lados, foi o dinheiro. Não há democracia sem dinheiro, mas os seus efeitos preocupam todo o mundo. O debate não é brasileiro, é mundial.
A possibilidade de quitação parcelada das multas eleitorais – que já existia na legislação – foi alterada para incluir a possibilidade de parcelamento também para as pessoas jurídicas. Em relação aos partidos políticos foi incluído, inclusive, o parcelamento de débitos públicos de natureza não eleitoral. O valor máximo da parcela do parcelamento para pessoas físicas, que era de 10%, passou para 5% do rendimento do devedor. Para as pessoas jurídicas foi estabelecido o limite máximo da parcela em 2% do faturamento bruto e as parcelas dos débitos dos partidos políticos não pode ultrapassar 2% do valor recebido do Fundo Partidário. Será interessante saber como a regra será aplicada a partir de 2019, quando alguns partidos deixarão de receber a parcela do Fundo Partidário se não obtiverem 1,5% dos votos em todo o País.
Como maior destaque da reforma, a Lei 13.487 criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Aponta-se que os valores envolvidos serão na ordem de 1,7 bilhão de reais. Ainda não há, contudo, um dado preciso que permita saber o valor final que esse fundo atingirá. O que existem são meras estimativas. Ele será formado com o remanejamento do orçamento de 2018, de modo que 30% dos recursos destinados às emendas de bancada de execução obrigatória serão transferidos para o FEFC e, a esse valor, será acrescido o valor da compensação fiscal devida às emissoras de rádio e televisão pela veiculação da propaganda partidária, que deixará de existir a partir do início do próximo ano.
Neste ponto, é possível que ocorra alguma dificuldade para se chegar o cálculo preciso. A lei determina que a parcela referente à compensação fiscal seja calculada com base no ano da edição da norma (2017) e no ano anterior (2016). São dois anos, portanto, e não apenas um como parece está sendo considerado nas estimativas divulgadas. A parte difícil será apurar para incluir no orçamento de 2018 – que deve ser feito em 2017 – o valor referente à compensação fiscal de 2017, uma vez que o total somente poderá ser aferido após o encerramento do exercício, com os pagamentos dos impostos e declarações das empresas no início de 2018.
Outro aspecto que poderá trazer dificuldade diz respeito à forma de divisão do FEFC entre os partidos políticos. Com os vetos presidenciais, prevaleceu a regra de divisão prevista no projeto originário da Câmara dos Deputados em detrimento da divisão contida no projeto do Senado Federal. Para um observador estrangeiro talvez seja complicado entender que o Congresso Nacional enviou para sanção, no mesmo dia, dois projetos de lei sobre a mesma matéria, com disposições conflitantes. A compreensão dos fatos passa necessariamente pelo conhecimento do cenário político brasileiro, seus acordos e a existência de um prazo final para promover alterações na legislação eleitoral para próxima eleição.
Na linha do projeto “vencedor”, o FEFC será dividido: 2% igualitariamente entre todos os partidos; 35% pelo número de votos obtidos pelos partidos com um representante para a Câmara dos Deputados; 48% pelo número de deputados federais; e, 15% pelo número de Senadores.
O percentual de 2% para divisão igualitária e a restrição da divisão da parcela relativa ao número de votos obtidos nas ultimas eleições somente aos partidos com representação na Câmara fazem com que a distribuição dos recursos públicos fique concentrada nas antigas e grandes agremiações, com reflexo na igualdade pura de chances entre os partidos, especialmente aqueles que não disputaram as eleições de 2014.
O tema, de natureza constitucional, ensejará debates e, eventualmente, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Vale lembrar que na ADI 1.351, o STF, ainda que tenha admitido um critério de igualdade gradual, considerou que a destinação de apenas um por cento do fundo partidário para divisão igualitária entre os partidos era inconstitucional, por não garantir um mínimo necessário a cada agremiação. Nas novas discussões, com certeza, haverá argumentos relativos ao crescimento do número de partidos políticos e sua efetiva representatividade, assim como sobre as dificuldades de renovação e ascensão das novas agremiações pelas novas regras.
Outra questão que deverá ser estudada oportunamente diz respeito à ausência de critério legal para a divisão do FEFC entre os candidatos de determinado partido. A autonomia partidária prevaleceu. Exigiu-se apenas que o órgão nacional do Partido estabeleça critérios específicos e os divulgue como condição para receber o dinheiro público.
Em contrapartida, todas as regras que visavam trazer uma melhor democracia interna aos partidos políticos foram rejeitadas, com suporte na alegada autonomia partidária, não apenas tratada como uma forma de proteção à independência de ideologias – que jamais pode ser tutelada em uma democracia –, mas considerada como escudo para manutenção dos quadros partidários.
Além disso, a ação afirmativa em prol das mulheres para garantir acesso aos recursos provenientes do Fundo Partidário não foi considerada pelo legislador em relação ao FEFC. Alias, em relação às mulheres, não houve qualquer avanço na legislação. Ao contrário, o tempo que a Justiça Eleitoral dispõe para incentivar a participação feminina na política antes das eleições, agora também será destinado ao incentivo aos jovens e negros.
Financiamento
Duas formas de financiamento das campanhas eleitorais passaram a ser admitidas pela legislação: o crowdfunding e a comercialização de bens e serviços, com a possibilidade de realização de eventos pelo próprio candidato e pelos partidos políticos.
Essa segunda modalidade, que em verdade contém três espécies – venda de bens, serviços e realização de eventos – já era admitida e supervisionada pela Justiça Eleitoral. A novidade está no microfinanciamento das campanhas por meio da internet, que antes somente podia ser feito diretamente pelo candidato e pelo partido, sem auxílio das empresas e páginas especializadas nesse tipo de arrecadação. Com as novas regras, a intermediação passa a ser admitida, impondo-se a quem arrecada a obrigação de observar determinados requisitos que, em suma, garantem a transparência e identificação da origem do dinheiro recebido.
Inovando o cenário jurídico, a nova lei admite inclusive que a arrecadação das doações pela internet seja iniciada antes da escolha dos candidatos, a partir de maio. Se o pré-candidato for escolhido pelo partido, terá acesso ao dinheiro para gastá-lo apenas no momento da campanha eleitoral. Se não for, os valores serão devolvidos aos doadores.
Essa é a terceira vez que uma lei alteradora faz menção à figura do pré-candidato (as primeiras foram as leis 12.034, de 2009, e 13.165, de 2015, ao tratar da propaganda antecipada). Contudo, não há até hoje, uma definição de quem ou como se pode adquirir a condição de pré-candidato.
O Congresso Nacional, em especial o Senado Federal, também se preocupou em estabelecer regras para o financiamento dos partidos políticos no primeiro e no segundo turno das eleições, com alocação dos recursos no orçamento da Justiça Eleitoral.
Com os vetos presidenciais, não restou claro em qual local do orçamento os recursos serão alocados, sendo certo que eles podem comprimir o teto imposto pelo novo regime fiscal (EC 95/2016). Por outro lado, todas as menções que existiam ao segundo turno das eleições deixaram de existir. Com isso, todo o dinheiro será entregue no primeiro momento e os partidos decidirão se guardam ou não parte dos recursos para um eventual segundo turno, sendo que o que não for gasto deverá ser devolvido aos cofres públicos.
Gastos
Outra questão que havia sido tratada pelo Congresso Nacional diz respeito aos limites de gastos nas campanhas eleitorais. Novas regras foram estabelecidas para impor um texto fixo único nas campanhas proporcionais de deputados federais (2,5 milhões) e deputados estaduais e distritais (1 milhão) e nas campanha para presidente (70 milhões). No mais, os tetos foram escalonados com base no número de eleitores de cada unidade da federação para as campanhas de governador (de 2,8 a 14 milhões) e Senador (de 2,5 a 5,6 milhões).
Inicialmente, essas regras visavam substituir as anteriores, constantes da Lei 13.165 – que também estabelece os limites de gastos para os candidatos a prefeito e vereador. Porém, na redação final da Lei 13.488 constaram referencias apenas a eleição de 2018. Não obstante, no projeto que foi a sanção constava a revogação expressa dos artigos da Lei 13.165 que tratam do limite de gastos. O dispositivo revogador foi vetado pelo presidente da República, em razão, acredita-se, da questão relativa ao autofinanciamento dos candidatos. Com isso, as regras previstas na Lei 13.165 continuam vigorando, mas não serão aplicadas à eleição de 2018 em virtude do princípio de prevalência da lei especial sobre a genérica. Caso o Congresso não volte ao tema nas reformas futuras, as eleições de 2020 e as seguintes serão regidas pelos limites da legislação anterior, com todas as dificuldades verificadas nas eleições do ano passado.
A limitação do autofinanciamento e a imposição de limites em valores absolutos às doações eleitorais foram, talvez, um dos poucos temas defendidos pela aparente maioria do Congresso Nacional. Houve discordância em relação aos valores e patamares debatidos, mas a necessidade de imposição de um limite nominal às doações eleitorais e ao autofinanciamento parece ter sido quase unanimidade para equilibrar o jogo político e evitar que o milionário possa doar muito mais do que o simples trabalhador ou financiar toda a sua campanha. Após amplo debate, ficou estipulado na Câmara dos Deputados que as doações nominais não poderiam ultrapassar 10 salários mínimos e que o autofinanciamento estaria restrito a 7% do teto de gastos nas eleições proporcionais e duzentos mil reais nas majoritárias, além do limite global já existente de 10% do rendimento bruto do doador no ano anterior.
Em razão das novas regras votadas, constou do projeto da Câmara a revogação do atual § 1º do art. 23 da Lei 9.504/97, que admite que o candidato financie toda a sua campanha com recursos próprios. As limitações ao autofinanciamento não foram aceitas pelo Senado Federal, que impugnou o artigo, retirando-o do texto final aprovado. A garantia do devido processo legislativo, sob o ângulo da necessidade de retorno do projeto de lei à casa iniciadora no caso de alteração pela casa revisora poderá ensejar discussões jurídicas a respeito da tramitação da lei e da retirada desse artigo.
Porém, além dessa discussão, surgiu outro problema. Ao aprovar a redação do Projeto de lei, sem os limites votados na Câmara dos Deputados, o Senado Federal não retirou do projeto enviado à sanção a referência à revogação do art. 23, § 1º da Lei 9.504/97. Isso fez com que surgissem dúvidas se o candidato poderia ou não utilizar recursos próprios em sua campanha e, quais seriam os limites. Quando a regra não existia, o TSE estabeleceu nas resoluções, com base no Código Civil, que o candidato não poderia comprometer mais do que a metade do seu patrimônio nas eleições de 2012. Alguns interpretaram, agora, que sem a regra que permite a utilização de recursos próprios para custear toda a campanha, os candidatos ficariam sujeitos ao limite das doações eleitorais.
Diante das dúvidas, o presidente da República vetou os dispositivos que tratavam dos novos limites de doação e aquele que revogava a legislação em vigor, mantendo, em consequência, a regra que permite o candidato bancar a sua própria campanha com recursos próprios e a possibilidade da pessoa física concentrar o valor máximo que lhe é permitido doar em um único candidato, independente de qualquer valor nominal.
Perdeu-se, com isso, uma importante oportunidade para regular as questões relativas ao autofinanciamento e a influência dos mais abastados em detrimento da grande maioria dos eleitores. O debate permanece aberto para as próximas eleições, mas, para a eleição de 2018, o financiamento eleitoral continua sendo censitário.
A multa por excesso de doação, que antes era de cinco a dez vezes o valor excedido foi reduzida para uma vez o excesso (100%). Porém, não se aproveitou a oportunidade para especificar se a aplicação dessa nova regra seria retroativa e capaz de atingir às multas já consolidadas ou que estão pendentes de decisão, que, em tese, permaneceram sendo cobradas de acordo com o princípio tempus regit actum, agora com o acirramento das discussões sobre a aplicação da lei mais benéfica.
Vedações
Por fim, no que tange ao financiamento, a reforma de 2017 trouxe uma melhor definição da proibição de doação prevista na Lei dos Partidos Políticos. Em conceito aberto, o art. 44 da Lei 9.096/95 proibia as doações aos partidos políticos provenientes de autoridades. A interpretação desse dispositivo sempre foi complexa, pois é difícil a definição do que transforma uma pessoa em autoridade. Com a nova regra, a limitação passou a atingir apenas as pessoas físicas que exercem função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, com exceção dos filiados.
Com isso, deixarão de existir as discussões, por exemplo, sobre a possibilidade de um funcionário público concursado ou de um parlamentar realizar uma doação para o partido de sua preferência. Por outro lado, a exceção contida no final do texto, relativa aos filiados, deverá ser examinada com a cautela própria, para que não se transforme o ato de filiação em consequência automática ou condição de nomeação para cargo público.
Em relação às prestações de contas, algumas despesas pessoais do candidato foram excluídas do rol de gastos eleitorais, dispensando-se à comunicação de sua realização à Justiça Eleitoral. São elas, em suma, as relacionadas com combustível e manutenção de veículo próprio do candidato, a remuneração, hospedagem e alimentação do motorista do veículo e do próprio candidato e os gastos com até três linhas telefônicas próprias. Pequenos valores que traziam grandes discussões.
Também foram dispensadas de comprovação as despesas relacionadas à cessão de automóvel de propriedade do candidato, cônjuge e parentes até o terceiro grau. Nesse caso, em princípio, o valor deve constar da prestação de contas, mas não é necessário apresentar documentos específicos.
No campo da propaganda eleitoral, seguindo a trilha dos últimos anos, os meios de divulgação das candidaturas sofreram novas limitações. Alterando uma regra histórica que afastava a ingerência do estado sobre a liberdade de propaganda eleitoral ao estabelecer a possibilidade de sua divulgação independentemente de qualquer licença, a Lei 13.488 partiu para a forma proibitiva: Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares. As exceções: bandeiras e adesivos, em carros ou janelas, até meio metro quadrado.
Com o término da propaganda partidária a partir de 2018, também foi alterado art. 36, § 2º da Lei das Eleições. A modificação, contudo, pode ter extrapolado os limites do razoável, ainda que de forma despercebida. Isso porque a regra anterior era temporal, dizia que no segundo semestre do ano eleitoral, ou seja, no semestre das eleições, a propaganda partidária não podia ser veiculada e não se admitia, nesse período, qualquer forma de propaganda política paga no rádio e na TV.
A restrição tinha razão de ser, pois evitava a influência no período próximo as eleições. Entretanto, quando se alterou a regra para retirar a parte referente à propaganda partidária, também foi retirado o critério temporal, o que torna a proibição permanente. Assim, poderia se entender que fora do período eleitoral, o partido político que não conta mais com a vitrine da propaganda partidária para divulgar suas posições ideológicas ou críticas, ficaria impossibilitado de fazer qualquer pronunciamento nas rádios e nas televisões, com possível detrimento da liberdade de manifestação do pensamento e do próprio debate democrático. De outro lado, os governantes continuam com a propaganda institucional e a possibilidade de convocação de redes de rádio e televisão.
A interpretação da nova regra, portanto, deve ser feita com cautela, considerando-se, inclusive, o seu local e vinculação com o caput do art. 36 da Lei das Eleições, para que se compreenda que a proibição diz respeito apenas ao período específico de propaganda eleitoral.
A utilização de carros de som e mini trios como propaganda eleitoral foi restringida as carreatas, caminhadas, passeatas ou durante reuniões e comícios. Em outras palavras, não mais poderão circular de forma avulsa os carros de som para divulgação da propaganda eleitoral se eles não servirem para acompanhar um ato próprio de campanha.
Houve a redução para cinco representantes do partido político na Câmara dos Deputados para que seja obrigatório o convite do candidato nos debates eleitorais transmitidos pelas rádios e televisões. Antes, o número mínimo era nove deputados.
O horário eleitoral gratuito no segundo turno foi reduzido de 20 para 10 minutos, por bloco. E as inserções, também no segundo turno, que totalizavam 70 minutos diários passaram ao tempo de 25 minutos por cargo em disputa.
No mais, passou-se a admitir a propaganda eleitoral na internet impulsionada, mesmo que ainda não exista um conceito jurídico certo sobre o que é o propalado impulsionamento, que pode significar desde a priorização de resultados nos sites de busca, até a utilização de big data para micro customização da propaganda eleitoral, o que não é tão barato como se imagina.
Apesar de debatido, não se impôs nenhum limite de gastos a propaganda virtual dos candidatos. Os grandes provedores de serviços, com certeza, aprovam a mudança, inclusive porque a contratação dessa ferramenta somente pode ser realizada por partidos políticos, coligações e candidatos diretamente com o provedor da aplicação, devendo constar identificação inequívoca sobre o impulsionamento no momento da divulgação. O usuário normal, o eleitor, não pode contratar o impulsionamento.
Outro aspecto a ser considerado, é que o impulsionamento somente pode ser contratado para promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, o que traz uma primeira impressão de que se tentou impedir a contratação para aumentar o alcance das notícias negativas ou críticas aos candidatos, o que revela uma tutela sobre o conteúdo do debate democrático.
Resposta
Ficou estabelecido, também, que eventual direito de resposta contra publicação de ofensa impulsionada também deve ser veiculado com igual impulsionamento e iguais características, arcando o ofensor com o respectivo custo.
No momento da promulgação da lei, a imprensa noticiou conturbada interpretação sobre o dispositivo que tratava dos discursos de ódio e ofensas na internet. A redação, introduzida na fase final de votação do projeto, realmente poderia ser aperfeiçoada, mas, salvo engano, o que estava previsto era apenas o que a Constituição garante de forma irrevogável, ou seja, a livre manifestação do pensamento com expressa vedação ao anonimato. A utilização de procedimentos do tipo notice and take down até que o provedor de serviços confirme a identidade do usuário não parece ser censura, mas providência que visa garantir o direito à informação e a manifestação do pensamento apenas a quem não lança mão do manto de invisibilidade ou da falsa personificação para fugir à responsabilidade pela divulgação de inverdades ou ofensas. A notificação, neste sentido, serviria apenas para se garantir que atrás do conteúdo divulgado há uma pessoa identificada e não uma malha de robôs que incendeiam as eleições com as chamadas fake news.
De acordo com a nova redação do art. 57-I, a suspensão do conteúdo de páginas da internet fica limitada, não apenas à decisão judicial, já exigida antes, mas também aos limites técnicos de cada aplicação na internet. Será interessante ver como se resolve qual a extensão e veracidade de tais limites durante o curto tempo de campanha eleitoral, quando se sabe, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal está analisando importante questão há vários meses, inclusive com audiências públicas, para saber a real possibilidade de interferência em aplicativo de mensagens instantâneas.
Por fim, em relação à internet, estabeleceu-se que o TSE deverá regulamentar a propaganda eleitoral de acordo com os critérios técnicos existentes a cada eleição e divulgar um manual de boas práticas. A tarefa, por certo, será espinhosa, não apenas por conta dos intricados critérios técnicos, mas principalmente em razão da dualidade na definição do que seja boa prática, cuja estipulação não pode sequer tangenciar a liberdade do conteúdo da propaganda eleitoral.
No âmbito penal, a reforma trouxe dois novos crimes: veiculação de propaganda eleitoral na internet no dia da eleição e apropriação de valores da campanha para benefício próprio.
O primeiro tipo penal estabelece que no dia da eleição, será considerado crime – com pena de detenção de seis meses a um ano e multa – a inclusão de novos conteúdos de propaganda eleitoral ou a contratação de impulsionamento no dia da eleição. Contudo, podem ser mantidos aqueles anteriormente existentes. Os partidos políticos e os candidatos saberão dessa regra e provavelmente irão se organizar para incluir o conteúdo de propaganda eleitoral até a véspera da eleição. A livre manifestação do pensamento dos eleitores, que é admitida de forma silenciosa no dia da eleição, é que poderá ensejar um grande número de ações penais.
A partir dessas alterações e de outras que não tenham sido notadas neste primeiro momento, alguns dirão que a reforma eleitoral de 2017 nada trouxe de novo, outros serão radicalmente contra ou a favor das modificações, muitos lamentarão a falta de consenso em relação a temas mais significantes e lamentarão as novas restrições à liberdade de expressão que não contribuem para a Democracia.
Porém, não há como se deixar de reconhecer que o debate existiu e estas são as regras para as próximas eleições. O que não se pode permitir, porém, é que o debate seja suspenso para retornar apenas nas vésperas do prazo de um ano antes das próximas eleições. O sistema eleitoral brasileiro, com todas as suas restrições, não pode ser discutido apenas em curtos momentos, com todas as pressões e interesses próprios guiando o processo de reforma da legislação. Cada cidadão deve exercer o poder democrático do voto nas eleições de 2018 para escolher representantes capazes de defender a reforma ideal de cada um, pois, em uma democracia, as reformas ou a manutenção do sistema nascem no voto do eleitor e na permanente participação do cidadão.
Fonte: JOTA
Acesso em 09/10/2017