A interferência das quadrilhas que traficam drogas, montam barricadas nas ruas, cobram por serviços de gás e TV por assinatura e de forma autoritária tomam decisões comunitárias que interferem no cotidiano de algumas áreas carentes da cidade está ainda maior: criminosos querem estender seus tentáculos para o campo político. O alerta foi dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que encaminhou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e à Polícia Federal um relatório com base na disputa de 2016 em diversas cidades do país, em que aponta a influência de facções criminosas em duas zonas eleitorais de Niterói. Em regiões de Fonseca, Baldeador, Santa Bárbara, Caramujo, Badu, Cantagalo, Ititioca e Largo da Batalha, bandidos já exercem influência sobre campanhas eleitorais. Na lista de locais sob investigação também consta uma Zona Eleitoral em São Gonçalo.
O relatório do TSE, divulgado com exclusividade pelo repórter Jefferson Ribeiro na edição do GLOBO do último domingo, lista as zonas eleitorais sob investigação, onde a realização das eleições só ocorre mediante reforço de policiamento em regiões que historicamente registram conflitos entre criminosos e forças de segurança. Nas duas zonas eleitorais de Niterói da lista, a 115ª e a 72ª, votam 80.500 pessoas — 21,7% do total de eleitores da cidade.
O temor da Justiça Eleitoral com a interferência do crime organizado nas eleições de 2018 em Niterói já havia sido alardeado no pleito do ano passado, quando a cidade recebeu reforço na segurança de 264 militares do Exército, maior efetivo da Polícia Militar e a presença da Força Nacional durante o período de votação. Para o presidente da Comissão de Segurança da Câmara Municipal, o vereador e capitão da reserva da PM Renato Cariello (PDT), a preocupação dos órgãos federais é justificada devido à atuação que quadrilhas exerceram na campanha do ano passado em determinados locais.
— Eu tive uma votação expressiva na Engenhoca sem ter subido a favela da Nova Brasília durante a campanha. Não fui porque não negocio com vagabundo. É muito bom saber que a Justiça Eleitoral e Polícia Federal estão atentas a essa situação, porque chegaram a mim, por meio da Comissão de Segurança, que nesses locais realmente quiseram tentar implantar os chamados currais eleitorais. Em algumas áreas, além de candidatos terem sido impedidos de fazer campanha, para um morador colocar uma placa na sua casa era preciso pagar à quadrilha que controla o local. No dia da eleição, inclusive, uma guerra de facções pelo controle da região de Vila Ipiranga, Santo Cristo e Teixeira de Freitas, no Fonseca, fez com que muita gente deixasse de votar — lembra Cariello, recordando-se do tiroteio ocorrido no dia da votação do primeiro turno que, para o vereador, foi responsável pela abstenção de 18% na 115ª Zona Eleitoral.
A preocupação da Justiça Eleitoral com a eleição do ano que vem é ainda maior porque a reforma política sancionada há uma semana restringe o financiamento das campanhas ao fundo público e à doação de pessoas físicas. O temor é que as novas regras criem condições adicionais para que o crime organizado financie candidaturas ou para que seus integrantes disputem cargos diretamente. Na avaliação do TSE, o crime pode se tornar o provedor de caixa dois. Na última terça-feira, o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, reuniu-se com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, para falar sobre a necessidade de monitorar a atuação do crime organizado no financiamento das eleições.
Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest) da UFF e professor do curso de pós-graduação em Ciência Política da universidade, vê o avanço do crime organizado sobre o setor político como um movimento decorrente da ausência do estado em áreas carentes, o que já provoca o controle territorial e de serviços públicos.
— É um desejo legítimo e legal que as comunidades mais carentes elejam seus representantes em níveis federal, estadual e municipal. São comunidades carentes da presença do estado em diversas esferas, como infraestrutura, saúde e lazer. Como não têm, isso é apropriado pelo crime organizado. O estado muitas vezes tem dificuldade de entrar nesses locais, e isso também ocorre no período eleitoral. Há uma relação clara entre o crescimento da criminalidade e a busca das quadrilhas para entrar no sistema oficial do estado, seja proibindo a entrada, organizando a comunidade a votar em certos candidatos, às vezes até sob pena de ameaça. A falta de controle do estado sobre isso vem da incapacidade de organizar um sistema político eleitoral que promova a cidadania — avalia.
Fonte: O Globo
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Acesso em: 16/10/2017