Em homenagem à Santa Páscoa, publico esta coluna mostrando como há coelhos espalhados por todo o Brasil.
Cena 1. O doutorando coelho saiu de sua toca com o seu lepitopi e pôs-se a trabalhar. Passou por ali a mestranda raposa — que fazia dissertação sobre o tema Interpretação Conforme a Alimentação das Raposas: as obviedades do óbvio na cadeia alimentar — e viu aquele suculento coelhinho “a disposição”. E salivou, curiosa, perguntando:
"— Coelhinho, o que você está fazendo aí tão concentrado?" Estou redigindo a minha tese de doutorado, respondeu o coelho. "Chama-se De como os coelhos são os predadores naturais das raposas. Já tem até banca formada: um jornalista, um juiz e um ministro".
E a raposa: “Ora, isso é ridículo! Nós, raposas, é que somos os predadores dos coelhos! Somos os juízes naturais dos cunniculs. Todos sabem disso”.
E redarguiu o coelho: "— Posso demonstrar o que estou dizendo. Acompanhe-me à minha toca-biblioteca".
O coelho e a raposa entram na toca. Instantes depois, ouvem-se alguns ruídos indecifráveis. Em seguida o coelho volta, sozinho, e retoma os trabalhos da sua tese.
Cena 2. O coelho continua trabalhando. Passa o bacharel lobo, que fazia mestrado sobre Como Aprender a preparar coelhos suculentos – o universo da Globo News em fogo brando. Ao ver o apetitoso coelhinho, salivou e perguntou sobre a tese.
E o coelho respondeu: “Minha tese de doutorado, caro lobo, é demonstrar que nós somos os grandes predadores dos lobos”. "E posso demonstrar. Acompanhe-me". E ambos desaparecem biblioteca a dentro. Ao depois, ouvem-se ruídos. E o coelho retorna sozinho, com seu lepitopi. Agora acende um Partagás. E faz olhar blasé.
Cena 3. Passa o doutorando coiote. Debaixo do braço trazia o livro Resumos simplificados sobre como devorar coelhos, raposas e quejandos. Ao ver o coelho, agradeceu aos céus pelo maná. Mas, antes de trinchar o coelho, indagou-lhe acerca do que fazia.
E o cunniculum respondeu: “estou concluindo minha tese que tem o título Reviravolta culinário-pragmática no ecossistema: a vez dos coelhos devorarem coiotes - análise epistemológica a partir de um predatorium turnprovocado pela vontade de poder”.
O coiote rolava de rir. E o coelho, como das vezes anteriores, disse que poderia facilmente provar a sua tese. E lá se foram, coelho e coiote, para a biblioteca. De novo, ruídos e sons estranhos. E o coelho retorna ao trabalho no seu lepitopi.
Cena 4. Em cena fechada — que somente nós podemos ver — dentro da toca-biblioteca vê-se uma enorme pilha de ossos e pelancas de diversas ex-raposas, ex-lobos e ex-coiotes. Ao centro das três pilhas de ossos, charutos e vinho, um enorme Leão, bem alimentado, a palitar os dentes. No seu peito estava pendurado um crachá, com a inscrição (o leitor pode preencher à vontade: Orientador, Relator do processo, Ministro, Juiz, etc.).
Moral da história: — Não importa quão absurda é a tese (ou causa) que você pretende sustentar (na academia ou nos tribunais). Basta ter poder. Ou estar ao lado do poder. E imitar Humpty Dumpty, dando às palavras o sentido que quiser. E, é claro, ter a mídia (especialmente a Globo News) do seu lado. Claro: não devia ser desse modo. Mas, infelizmente, tem sido.
Por isso temos de controlar o poder. Ou seremos devorados. Na toca-biblioteca.
OBS. Como consta nas tarjas dos filmes, sinto-me na obrigação de referir que esta singela coluna foi produzida em ambiente controlado, por profissional habilitado e nenhum coelho, raposa, lobo ou coiote foi maltratado durante a sua realização!
Uma Feliz Páscoa para todos! Inclusive para os haters e os néscios. O ninho deles está guardado para uma outra coluna.
Fonte:https://www.conjur.com.br/2018-mar-29/senso-incomum-prova-direito-prova-qualquer-coisa