* Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2018
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, diz o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988. Desde então, a cada dois anos os brasileiros vão às urnas transformar o princípio em realidade. Já são quase 30 anos. É o mais longo período de estabilidade democrática da história do Brasil. Mas é difícil encontrar duas eleições seguidas em que não tenha havido alguma mudança no sistema eleitoral.
De acordo com levantamento do deputado federal Lelo Coimbra (PMDB-ES), entre 1989 e 2015 o Congresso fez 14 reformas no sistema eleitoral. Conforme observa o ministro Dias Toffoli, ex-presidente do TSE, a partir de 1995, o Congresso foi aprovando leis que abriam cada vez mais o leque de motivos para perda de mandato, cada vez mais obstáculos à elegibilidade e cada vez mais formas de interferência na campanha.
Tudo isso levou à consequência inescapável de que o resultado das eleições está nas mãos da Justiça Eleitoral, e não exatamente dos eleitores. “A Justiça só deveria agir em casos de gol de mão”, já disse Toffoli em entrevista à revista eletrônica ConJur. O problema, segundo o ministro Gilmar Mendes, presidente da corte entre 2016 e 2018, é que têm sido ampliadas as possibilidades de gol de mão.
A principal é decorrência direta de intervenção judicial: o financiamento das campanhas. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a doação eleitoral de empresas, principal fonte de renda das campanhas desde 1993, quando a legislação eleitoral foi alterada para permitir que pessoas jurídicas fizessem doações oficiais.
Segundo o ministro Luiz Fux, presidente do TSE e relator da ação sobre o assunto no Supremo, esse sistema subverteu o processo democrático e transformou os partidos em máquinas de arrecadação de dinheiro, e não de votos. Informou ao Plenário do STF que, entre 1998 e 2012, 95% do financiamento das campanhas vieram de 20 mil empresas – 0,5% do total do país no período. Fux também contou que, entre 2002 e 2012, os gastos das campanhas subiram de R$ 798 milhões para R$ 4,6 bilhões. O grande fluxo de dinheiro transformou as eleições num jogo de interesses diretos que só precisava dos eleitores para se legitimar. As eleições de 2018 serão as primeiras de âmbito nacional em que empresas não poderão doar e em que haverá um teto de gastos de campanhas.
De onde virá o dinheiro? As eleições municipais de 2016 mostraram alguns riscos. De acordo com o TSE, 750 mil pessoas fizeram doações a campanhas naquele pleito. Mas 300 mil delas foram consideradas “sem capacidade financeira” para fazer doações. Houve 40 mil doadores “suspeitos” e 34% de contas eleitorais com irregularidades. Para 2018, há ainda problemas de falta de realidade das contas.
A minirreforma eleitoral de 2017 criou um fundo de financiamento de campanhas, constituído de 0,5% da receita corrente líquida da União, ou R$ 3,8 bilhões em 2018, segundo as contas das consultorias da Câmara dos Deputados. Mas, em 2014, as eleições custaram R$ 5 bilhões.
Há ainda o teto de gastos. Para as eleições de 2018, esse teto ficou em R$ 70 milhões para a campanha presidencial. Em 2014, a campanha vencedora, do PT, gastou R$ 350 milhões – mais 30% de caixa dois, segundo foi delatado na operação “lava jato”. A campanha derrotada custou R$ 300 milhões.
Tudo isso amplia o raio de ação da Justiça Eleitoral e dá ainda mais importância às teses jurídicas dos tribunais. A que mais assustou foi a que saiu da cassação do, hoje, ex-governador do Amazonas José Melo (PSD). O TSE determinou a execução da decisão logo depois da publicação do acórdão de mérito, antes do trânsito em julgado. A composição estava incompleta no dia da decisão, mas todos os presentes, inclusive o relator, Luís Roberto Barroso, farão parte da composição que julgará as eleições de 2018.
Outra mudança de jurisprudência pode afetar dezenas de campanhas. O TSE passou a entender que as inelegibilidades podem ser alegadas até a data da diplomação, e não mais até a data da eleição. Ou seja, interessados em impugnar candidaturas podem fazê-lo mesmo depois que ele já tiver sido eleito.
Grande novidade é a chamada “cláusula de desempenho”, ou “cláusula de barreira”. A partir das eleições de 2018, o partido que não conseguir 1,5% dos votos válidos para deputado federal em pelo menos nove estados não terá acesso ao Fundo Partidário e nem ao tempo de TV e rádio nas eleições seguintes. A quantidade de votos aumenta progressivamente até chegar a 3% em 2030. Com isso, o Congresso tenta corrigir intervenções judiciais “atrapalhadas”, na visão de Gilmar Mendes.
Em 2008, o TSE definiu que eleitos pelo sistema proporcional que mudassem de partido durante o mandato deveriam perder o cargo. Isso foi transformado em resolução até que, em 2010, o entendimento foi chancelado pelo Supremo, que criou uma ressalva: não deve perder o mandato parlamentar que mude para partido criado durante a legislatura. O resultado foi que, na data da decisão, o Brasil tinha 18 partidos; dois anos depois tinha 24. Hoje são 35, com outros 25 pedidos de registro aguardando decisão do TSE.
No Congresso, os deputados pertencem a 28 partidos, e muitos têm apontado esse dado para explicar as dificuldades de governabilidade do país. A cláusula de desempenho pretende acabar com a farra.
CONJUR
www.conjur.com.br
Acesso em 03/05/2018