O direito processual de família tem ganhado cada vez mais espaço nos trabalhos acadêmicos, sobretudo em razão do aumento de decisões paradigmáticas dos Tribunais acerca da matéria. Como o mote desta coluna é o debate de julgados relevantes, na linha do que vem sendo examinado cada vez mais pelas Cortes brasileiras, trataremos de tema relativo a essa vertente processual no presente texto, ressaltando que já tivemos a oportunidade de incursionar por tal ramo do direito processual em nossa coluna de abril de 20171.
A questão que se põe a exame é se, havendo meios executivos mais adequados e igualmente eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avós, é admissível a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, a fim de afastar o decreto prisional em desfavor dos executados.
Suprindo questionamentos outrora realizados, o CPC/15 inovou ao trazer explícitas as questões relativas ao procedimento da execução de alimentos. Vejamos:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 4o A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
§ 5o O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 6o Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Quanto à prisão do devedor de alimentos, é importante consignar que é a única hipótese remanescente2 permitida em nosso ordenamento jurídico, na linha do sistema internacional de proteção de direitos humanos – consagrado pelo Pacto de San José da Costa Rica – para o decreto da restrição de liberdade em decorrência de dívida civil.
Como é cediço, trata-se de tema que, por si só, gera opiniões bastante divergentes. Paulo Lôbo, por exemplo, considera a prisão por dívida alimentar desumana e “ancorada em razões pré-modernas, anteriores ao Iluminismo do século XVIII”, devendo ser utilizada apenas em casos excepcionais e de reiterado descumprimento3.
Por outro lado, Daniel Assumpção Neves defende tal prisão, afirmando, ainda, que deve ser ela interpretada como cabível tanto para dívida alimentar decorrente do poder familiar, como aquela oriunda de ato ilícito4. Já Didier, Cunha, Braga e Oliveira entendem que é devida a prisão, por não ser ela “uma pena, sanção ou punição, ostentando a função de medida coercitiva”5; todavia, para os autores, apenas a prisão decorrente de alimentos legítimos ou convencionais pode ser exigida por meio de prisão, não cabendo tal coerção em caso de alimentos provenientes de atos ilícitos6.
Diante desse cenário, argui-se, pois, se tal rito também poderia também ser aplicado no caso de os responsáveis pela prestação alimentar serem os avós.
Cuida-se de um tema pouco explorado na doutrina, não havendo consenso a respeito. Por um lado, a necessidade da coerção para que a obrigação seja satisfeita, afinal, trata-se de uma dívida de caráter alimentar e fundamental à subsistência do alimentando; por outro, a constatação de que a obrigação avoenga é subsidiária e complementar à dos pais, ou seja, exigível apenas quando da comprovação de insuficiência dos recursos do genitor, daí porque não poderia haver interpretação extensiva a justificar a prisão dos avós.
Aos defensores da prisão civil dos avós, a medida é delicada, mas faz-se necessária. A juíza Ana Louzada explica que “a obrigação alimentar é recíproca entre pais e filhos, avós e netos, é dizer, quem necessita deve buscar auxílio naquele familiar que possua condições para tanto. A obrigação avoenga é subsidiária e complementar. Se os avós restaram obrigados a pagar pensão aos netos, é porque os pais não tiveram condições para mantê-los”7
Vale conferir, a propósito, manifestação no sentido de ser imperioso verificar a situação dos avós no caso concreto, visto que, por vezes, lida-se com idosos, com possibilidades de enfermidades, etc. Nesse sentido, é o entendimento de Tânia da Silva Pereira:
“Diante das vulnerabilidades e peculiaridades que permeiam a vida dos idosos, é inegável a necessidade de se conferir um olhar diferenciado nos casos em que são os avós, com idade avançada, os devedores de alimentos. Neste sentido, nota-se que o novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/15 traz mecanismos para a efetivação da obrigação alimentar diversos da prisão civil, como a possibilidade do desconto em folha de pagamento do devedor (art. 912 e art. 529), a execução por meio de penhora (art. 913) e até mesmo o protesto da dívida (art. 528, na forma do art. 517).” 8
Em sentido contrário está o Superior Tribunal de Justiça, que, recentemente, teve de analisar a questão no âmbito de habeas corpus impetrado pelos avós, afirmando que o fato de os avós terem assumido espontaneamente o custeio da educação dos netos, obrigação de natureza complementar, não significa dizer que, havendo o inadimplemento, a execução deva seguir obrigatoriamente o mesmo rito estabelecido para o cumprimento das obrigações alimentares devidas pelos genitores – responsáveis originários pela prestação dos alimentos aos menores.
A ministra relatora Nancy Andrighi, em seu voto, consignou que:
“Sopesando-se os prejuízos sofridos pelos menores e os prejuízos que seriam causados aos pacientes se porventura for mantido o decreto prisional e, consequentemente, o encarceramento do casal de idosos, conclui-se que a solução mais adequada à espécie é autorizar, tal qual havia sido deliberado em primeiro grau de jurisdição, a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da menor onerosidade da execução e também o princípio da máxima utilidade da execução.” 9
Percebe-se, portanto, que o STJ trilhou o caminho da corrente que entende que a obrigação alimentar dos avós é subsidiária, e, por isso, não se pode estender a eles um rito que foi idealizado para os devedores principais.
Ressalte-se que a subsidiariedade, no caso, funda-se na impossibilidade de prestação de alimentos pelos pais, pouco importando se ela advém de morte dos genitores, de impossibilidade material ou de outra causa, porquanto não são os avós os responsáveis primários da obrigação.
Os arts. 1696 e 1697 do Código Civil infirmam tal tese, ao aduzirem que:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Vê-se, desse modo, que o código civil assevera que os responsáveis primários pela obrigação são “pais e filhos”, afirmando taxativamente que os avós são responsáveis por extensão, o que corrobora tese de que se trata, em verdade, de responsabilidade subsidiária por interpretação extensiva.
Entendemos que, de fato, não se pode aplicar indistintamente o rito da prisão na execução de alimentos a quem assume a dívida de maneira subsidiária, por impossibilidade, de qualquer causa, dos devedores principais.
Em primeiro lugar, porque isso seria onerar demasiadamente quem pretendeu auxiliar no sustento e desenvolvimento do alimentando que, não fosse por essa voluntariedade (no caso do STJ), estaria privado de uma vida digna.
Ademais, não se pode interpretar extensivamente uma hipótese de privação de liberdade, ainda que não seja ela punição, mas forma de coerção. Isso porque, independentemente da sua natureza, é, antes de mais nada, meio de se privar a liberdade de uma pessoa, que, em qualquer ordenamento jurídico democrático, deve ser medida excepcionalíssima a ser utilizada como sanção pelo descumprimento de uma norma.
Ademais, um argumento que se sobressai, como reforço, é de que existem, de fato, outras formas para se garantir o cumprimento da obrigação alimentar, que não o rito de prisão, razão pela qual, lidando-se com avós (normalmente pessoas de idade mais avançada), responsáveis subsidiários, essas outras formas devem se sobrepor à prisão.
A título de ilustração, no Equador, desde 2009, permitia-se a prisão dos devedores subsidiários de alimentos, como os avós, de modo expresso, conforme o art. 5 da Ley Reformatoria al Código de la Niñez y Adolescencia.
De se ver que naquele país, a prisão dos avós era taxativamente autorizada, não se tratando de interpretação extensiva de uma norma jurídica, nem mesmo de uma disposição legal de conteúdo aberto. Todavia, mesmo essa autorização não era indene a críticas.
Emílio Romero Parducci, jurista equatoriano, teceu severas considerações sobre a possibilidade de prisão dos avós, afirmando que “esse ‘endosso’ do sofrimento da prisão de pessoas alheias, como avós, irmãos e tios, elevado à categoria de disposição legal expressa, constitui realmente uma monstruosidade legal colossal, que viola os princípios mais elementares da lei”10.
Mais adiante, o jurista destacou a natureza da responsabilidade dos avós, naquilo que se traduz no mote da compreensão pela impossibilidade de se estender a prisão aos responsáveis subsidiários:
“Existe um princípio geral da Lei Universal que atualmente ninguém em sã consciência argumenta, que é a ideia de que todos respondem por suas próprias ações ou omissões, exceto no caso daqueles que se declaram legalmente incapazes, como bebês; o que é equivalente a digamos, comparativamente falando, na linguagem da religião católica, que ninguém vai para o inferno pelos pecados dos outros, mas por conta própria.
Esse princípio exerce a reitoria do tema que em direito se conhece com o nome de “responsabilidade legal”, cujo desenvolvimento leva finalmente, à identificação das “consequências” dessa responsabilidade.”
Todavia, seguindo a linha crítica do sistema, o próprio ordenamento jurídico equatoriano resolveu editar norma, no novo Código Processual do país, em sentido contrário à anterior, dispondo expressamente ser incabível a prisão dos responsáveis subsidiários por alimentos devidos aos menores (art. 137 do Código Orgánico General de Procesos).
Destarte, na linha do que asseverou o Superior Tribunal de Justiça, a execução de alimentos contra avós não deve seguir o mesmo caminho das obrigações alimentares devidas pelos pais, que são os responsáveis originários e que, sim, devem ser submetidos à coerção, mas ser submetida à penhora e à expropriação, suficientes para resolver o litígio.
Portanto, a conclusão a que se chega é a de que, em se tratando de dívida alimentar avoenga, imperiosa a observação dos princípios da menor onerosidade e da máxima utilidade da execução, visto que, se é certo que o intuito da prisão é justamente compelir ao pagamento – e não a punição pelo inadimplemento –, a penhora e expropriação também o são.
O fato é que, ainda que constitucionalmente respaldada, há critérios que devem ser observados quando da imposição da prisão dos avós, que não poderá resultar em violação de direitos fundamentais do devedor de alimentos, ademais de guardar sintonia com os critérios da proporcionalidade e da proibição de excesso de intervenção.11 Destaca-se, ainda, outra alternativa que deve ser prioritária à prisão: o protesto da decisão judicial que desacolhe a justificativa apresentada pelo devedor ou mesmo o desconto em folha adicional, ambos previstos no CPC/15.
Por fim, se ainda assim o intuito é a manutenção desta ferramenta independentemente da figura do devedor, há que se observar a possibilidade da prisão em regime domiciliar, em prestígio à dignidade da pessoa humana, em conformidade com o entendimento já firmado do STJ, tendo em vista sua excepcionalidade12.
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1 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/novo-cpc-e-execucao-de-alimentos-27042017.
2 A prisão civil do depositário infiel foi afastada pela Súmula Vinculante nº 25.
3 Advogado e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/6159/Pris%C3%A3o+por+d%C3%ADvidas+alimentares%3A+juristas+t%C3%AAm+posicionamentos+diferentes.
4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 928.
5 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Execução, v. 5. Salvador: editora Juspodivm, 2018, p. 741.
6 Ibidem, p. 742.
7 Ana Louzada, Presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Entrevista sobre a decisão do STJ disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/6055/Pris%C3%A3o+civil+dos+av%C3%B3s+por+d%C3%ADvida+alimentar+n%C3%A3o+%C3%A9+consenso+na+comunidade+jur%C3%ADdica.
8 Tânia da Silva Pereira, Presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Entrevista sobre a decisão do STJ, disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/6055/Pris%C3%A3o+civil+dos+av%C3%B3s+por+d%C3%ADvida+alimentar+n%C3%A3o+%C3%A9+consenso+na+comunidade+jur%C3%ADdica.
9 O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. Notícia disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Concedido-HC-para-evitar-pris%C3%A3o-civil-de-av%C3%B3s-que-n%C3%A3o-pagaram-pens%C3%A3o-aos-netos
10 PARDUCCI, Emílio Romero. La verdad jurídica sobre la prisión por alimentos en el año 2010 in Revista Juridica de la Universidad Catolica de Santiago de Guayaquil, edición 29, p. 45.
11 Sarlet, Ingo Wolfgang. Prisão civil do devedor de alimentos deve ser a última alternativa, disponível em https://www.conjur.com.br/2016-nov-18/direitos-fundamentais-prisao-civil-devedor-alimentos-ultima-alternativa
12 RHC 38.824/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 24/10/2013
JOTA
www.jota.info/
Acesso 22/05/2018