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Ser réu em processo penal não impede candidatura à Presidência da República

quarta-feira, 13 de junho de 2018
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Marcelo Ribeiro

Muito se tem falado a propósito da possibilidade de candidatura à Presidência da República de quem seja réu em ação penal. Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral não conheceu de consulta a respeito do tema. Entendeu a corte que a resposta poderia acarretar prejulgamento de questões que, provavelmente, serão submetidas ao tribunal. Ao menos dois dos prováveis candidatos se encontrariam nessa condição.

A celeuma teria duas vertentes: a primeira, aplicável a quem, embora réu em ação penal, ainda não tenha sido julgado. Nesse caso, a questão se resumiria à interpretação do artigo 86 da Constituição Federal. A segunda se relacionaria com a inelegibilidade de quem houver sido condenado por decisão de órgão colegiado, em ação penal. Indaga-se, nessa situação, se será possível a prática de atos de campanha, enquanto não indeferido o pedido de registro.

Quanto à primeira questão, a dúvida surgiria porque o artigo 86, parágrafo 1º, I e parágrafo 2º, da Constituição estabelece que, recebida a denúncia contra o presidente da República, será ele afastado das funções por até 180 dias. Caso a ação não seja julgada nesse período, o chefe do Executivo federal retornará ao exercício do mandato. Segundo se argumenta, não faria sentido permitir a candidatura nessa hipótese, pois, empossado o vitorioso, deveria ser, de imediato, afastado pelo prazo referido. Melhor seria, nesse caso, sustenta-se, impedir, desde já, a candidatura.

Apreciando matéria correlata, o Supremo Tribunal Federal entendeu que presidente do Senado Federal que responda a ação penal, com denúncia recebida, não pode substituir o presidente da República.

Penso que há distinções a fazer. A Constituição, de fato, determina o afastamento, ainda que provisório, do presidente da República a partir do recebimento de denúncia. Ocorre, porém, que o parágrafo 4º do mesmo artigo 86 citado estatui que o presidente da República não poderá, enquanto no exercício do mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Desse modo, entendo que se está diante de falso impasse. Se o chefe do Executivo federal só pode, no exercício do mandato, ser responsabilizado por atos praticados em tal período, não estará, a toda evidência, sujeito a afastamento do cargo em razão de acusações, ou processos, que se refiram a eventos anteriores.

Confira-se, nesse sentido, trecho da ementa do Habeas Corpus 83.154, relatado pelo extraordinário ministro Sepúlveda Pertence, verbis:

“1. O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência.

2. Da impossibilidade, segundo o art. 86, § 4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure processo penal contra o Presidente da República por crimes não funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação penal, nem conseqüentemente para o habeas corpus por falta de justa causa para o curso futuro do processo” (destacou-se).

Assim, entendo que, se determinado candidato, réu em ação penal, for eleito para o cargo em questão, deverá ser diplomado e tomar posse normalmente. A ação penal, penso, deverá ser suspensa, retomando seu curso quando o presidente deixar o cargo.

Desse modo, nada importa, tanto para efeito de registro de candidatura quanto para o futuro exercício do mandato, que o candidato responda a ações penais.

Quanto à questão da inelegibilidade, a análise fria da lei leva à conclusão de que o condenado, por órgão colegiado, pelos crimes indicados no artigo 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90, é inelegível. Essa condição levará ao indeferimento do registro de candidatura, salvo se obtida medida judicial que suspenda a inelegibilidade, segundo o que prevê o artigo 26-C da Lei das Inelegibilidades, ou se, antes da diplomação, recurso do candidato à instância superior for provido.

Ocorre que o artigo 16-A da Lei 9504/97 faculta, àquele que requer registro de candidatura, a prática de atos de campanha enquanto perdurar sua situação de sub judice.

A razão de ser desse dispositivo legal é que, em alguns casos, o registro é indeferido em primeiro grau de jurisdição, mas vem a ser deferido nas instâncias superiores. Para evitar que se impeça o interessado de fazer campanha no período compreendido entre o indeferimento de sua candidatura e o provimento de seu recurso, o que resultaria em flagrante injustiça, permite-se a prática dos atos referidos.

Por outro lado, a jurisprudência é rica em casos de abuso desse direito. Partidos lançam candidatos inelegíveis, mas populares, substituindo-os no último dia do prazo legal. Já ocorreu de a substituição, porque feita na undécima hora, não permitir a substituição do nome e fotografia constantes da urna eletrônica. Desse modo, embora inelegível o candidato e já substituído, o leitor, ao votar, via na urna o nome e a foto do antigo candidato. O prejuízo para a legitimidade da eleição é evidente.

Mesmo que não ocorra a substituição, a persistência de uma candidatura juridicamente inviável, até data próxima da eleição, sem dúvida tumultua o pleito.

O assunto vem causando desconforto nos meios jurídicos. Indaga-se quanto à possibilidade de que a Justiça Eleitoral decida, de logo, pela inviabilidade da prática de atos de campanha por candidato manifestamente inelegível. Não encontrei precedente na jurisprudência do TSE a respeito do tema. Reconheço, todavia, que, sendo clara a inelegibilidade, a persistência de uma candidatura pode, conforme as circunstâncias, configurar abuso de direito, ou fraude à lei.

Com efeito, há situações em que, conquanto se observem os literais termos da lei, a conduta visa, na verdade, afrontá-los. Sumum jus, summa injuria. Nessa hipótese, seria válido ao Judiciário impedir a burla.

O tema, todavia, é extremamente delicado. O artigo 16-A da Lei das Eleições é claro ao permitir a prática dos atos de campanha nas condições que menciona. Deixar de aplicar esse dispositivo legal pode ter consequências nefastas, tendo em vista, inclusive, o efeito multiplicador das decisões do Tribunal Superior Eleitoral. Os tribunais regionais poderiam, por exemplo, aplicar o mesmo raciocínio a candidaturas a outros cargos, como prefeito ou vereador. O subjetivismo, consistente na consideração de que candidato seria “claramente inelegível” e, portanto, não poderia fazer campanha, revela grande perigo ao sistema.

Não é uma decisão fácil. É bem possível que o Tribunal Superior Eleitoral tenha que enfrentar o tema em breve.

Acesse o conteúdo completo em www.conjur.com.br

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