Líder nas pesquisas eleitorais na corrida ao Senado por Minas Gerais, a presidente cassada Dilma Rousseff (PT) pode enfrentar dificuldades para conseguir seu eventual registro de candidatura na Justiça Eleitoral. Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) avaliam que há espaço para discutir o entendimento adotado pelo Senado que, apesar de decidir pelo impeachment, manteve os direitos políticos da petista.
Dois integrantes da Corte afirmaram reservadamente ao JOTA que a medida representou uma decisão política, podendo ser discutida pela Justiça, uma vez que representou uma manobra jurídica heterodoxa. A controvérsia ocorre porque a votação do Senado Federal que depôs a ex-presidente foi fatiada e a Casa a cassou por 61 votos a 20, enquanto a decisão sobre os direitos políticos ficou 42 pela inabilitação para ocupar cargo público, contra 36 contrários e 3 abstenções – nas duas eram necessários dois terços.
O caso será enfrentado primeiramente pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), onde Dilma terá de registrar sua candidatura e poderá ser alvo de impugnação de partidos adversário ou do Ministério Público. Mesmo se tiver o registro indeferido pelo TRE-MG, ela poderá seguir em campanha até que o TSE julgue o tema.
Uma das questões que será levantada é o fato de que o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, ao presidir a sessão que votou o impeachment no Senado, aceitou pedido de destaque para votação em separado (DVS) feito pela bancada do Partido dos Trabalhadores para dividir em duas partes o impeachment.
Diz o parágrafo único do artigo 52 da Constituição:
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I [que diz respeito ao julgamento dos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República] e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Após a votação, DEM, PSDB, PPS, PMDB e SD entraram com mandado de segurança no Supremo questionando o fatiamento. A relatora, ministra Rosa Weber, indeferiu o pedido de liminar, mas ressaltou que a decisão final é do plenário da Corte, uma vez que o “o parâmetro de controle constitucional incidente sobre o ato apontado como coator está a conceder plausibilidade à tese segundo a qual se encontra franqueada a esta Suprema Corte a prerrogativa de se manifestar sobre o tema, na qualidade de guarda da Constituição”. O processo, no entanto, ainda não foi liberado para ser incluído na pauta do pleno.
O advogado Francisco Emerenciano, que atua no TSE e é especialista em Direito Eleitoral, classifica a votação do Senado como “manobra” e acredita que a controvérsia é passível de discussão na Justiça Eleitoral. O professor de Direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público Daniel Falcão, do escritório Boaventura Turbay, no entanto, discorda. Para ele, não cabe ao TRE ou ao TSE alterar decisão do Senado e isso só poderia ser feito pelo STF.
Emerenciano afirma que a elegibilidade de alvo de impeachment sequer foi abordada na Lei da Ficha Limpa porque a Constituição é clara ao afirmar que quem é cassado por crime de responsabilidade ficará inabilitado da função pública por 8 anos. “Só o fato de a sessão ter sido dirigida pelo então presidente do STF não pode garantir que o procedimento não será alvo de qualquer discussão. Acho que isso fatalmente será debatido pelo TRE, pois alguém deverá apresentar a impugnação. Então, a tendência é que Dilma concorra sub judice”, analisa.
Ele prossegue: “Mesmo que seja para manter a elegibilidade de Dilma, o caso será apreciado. O argumento da ex-presidente é que teve a chancela do chefe do STF, mas a alegação contrária será de que, apesar de o Senado ter feito essa ressalva, o dispositivo constitucional diz o contrário, que o impeachment necessariamente leva à perda dos direitos”.
Falcão também critica a votação do Senado e diz que foi errada, mas ressalta que a Justiça Eleitoral não é o foro adequado para analisar a questão. “Não vejo a possibilidade de o TRE ou o TSE alterarem a decisão do parlamento. Só o STF que poderia ter mexido nisso e dito que o fatiamento foi irregular”, afirma.
Segundo ele, o papel da Justiça Eleitoral é pegar decisão de outro ente e apreciá-la à luz da lei eleitoral. “Foi decisão do Senado dizendo que ela está habilitada, portanto, não foi condenada à inabilitação. Então, a Justiça Eleitoral não tem escolha. O ente competente para dizer que a decisão está errada é o STF”, observa.
O advogado lembra que publicou um artigo no JOTA na época a respeito da polêmica. No texto, ele explicou que o tema foi enfrentado pelo STF no impeachment de Collor, quando o político impetrou mandado de segurança no Supremo alegando que, ao renunciar ao mandato presidencial na data de seu julgamento, esse deveria ter sido encerrado, por ter ocorrido a perda do objeto processual.
Por maioria de votos, porém, a Corte determinou que desde a promulgação da Lei n. 1.079/1950 (que trata dos crimes de responsabilidade), recepcionada pela Constituição de 1988, “não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade”, e que a renúncia de Collor ao cargo, apresentada na sessão de julgamento após seu início, não paralisa o processo de impeachment.
“Conclui-se, naquele processo, diante dos argumentos expostos e da jurisprudência da Suprema Corte, que a votação final do processo de impeachment não poderia ser separada. Se condenada, ela deveria cumprir as duas penas previstas no parágrafo único do art. 52 da Constituição”, escreveu ele à época.
Acesse o conteúdo completo em www.jota.info