O abreviamento da corrida eleitoral de três meses para 45 dias tornou a campanha e o tempo permitido para a propaganda indiscutivelmente curto. Em contrapartida, a Lei 13.165/2015 possibilitou aos pretensos candidatos a divulgação de pré-candidatura, sem que se configure propaganda eleitoral antecipada, podendo exaltar suas qualidades pessoais, participar de entrevista, encontros ou debates na rádio, na televisão e na internet, inclusive podendo fazer campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do parágrafo 4º do artigo 23 da Lei 9.504/97.
A questão que se coloca em debate é: com todos esses atos permitidos, é possível a realização de pré-campanha sem gastos financeiros? Havendo gastos, estaria caraterizada alguma ilicitude e haveria o dever de prestar contas? O fato de haver gastos caracteriza propaganda eleitoral extemporânea?
Em que pese o propósito de barateá-la, o enxugamento do tempo de campanha tornou mais difícil o surgimento de novos nomes na disputa eleitoral, uma vez que o pouco tempo de exposição como candidato privilegia aqueles conhecidos no cenário político. Parece ser esse um dos motivos pelo qual a Lei 13.165/2015 ampliou significativamente aquilo que não caracteriza propaganda eleitoral antecipada, acertadamente privilegiando a liberdade de expressão e, conforme J. J. Gomes, conferindo “maior relevo a livre manifestação do pensamento, informação e comunicação”[1].
Ocorre que a gama de atos permitidos na fase de pré-campanha torna inevitável e esperado o dispêndio de recursos financeiros, mesmo que não haja regulamentação para tanto, como a submissão dos gastos à prestação de contas e fiscalização pela Justiça Eleitoral. É um engano pensar que a realização de atos de pré-campanha são possíveis para todos os pretensos candidatos, ao menos de modo efetivo, sem a realização de o mínimo de gastos, em especial em campanhas onde a disputa rompe as barreiras municipais, como é o caso da eleição do corrente ano, a nível estadual e federal.
Outro engano é achar que tais despesas devem ser custeadas exclusivamente pelos partidos, tão pouco democráticos com seus filiados, onde quase sempre se privilegia determinadas castas em detrimento dos demais. Nesse sentido, observa Gomes que “é baixo o índice de democracia interna dos partidos. Salvo raras exceções, as decisões mais importantes na vida do partido não são tomadas pelos filiados, mas, sim, por poucos dirigentes”[2].
Assim sendo, gastos ordinários ou de natureza pessoal, como uso de veículos e a manutenção destes, despesas com deslocamentos, combustível, hospedagem, alimentação e uso de linhas telefônicas, não devem ser considerados gastos irregulares de campanha, tampouco serem objeto de prestação de contas. Primeiro, por não se estar em campanha eleitoral propriamente dita; segundo, por serem despesas de natureza pessoal; e, terceiro, por inexistir vedação legal.
O próprio artigo 26, parágrafo 3º, da Lei 9.504/97 dispõe que não são considerados gastos eleitorais de campanha nem se sujeitam a prestação de contas as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato: a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha; b) remuneração, alimentação e hospedagem do condutor do veículo a que se refere a alínea "a" deste parágrafo; c) alimentação e hospedagem própria; d) uso de linhas telefônicas registradas em seu nome como pessoa física, até o limite de três linhas. Com menos razão, portando, seria querer proibir esses gastos na pré-campanha ou mesmo sujeitá-los a eventual prestação de contas.
Outro ponto que suscita dúvida é a possibilidade de gastos com impulsionamento de publicações e perfis de pré-candidatos nas redes sociais, uma vez que tal fato poderia configurar propaganda eleitoral extemporânea e ainda eventual abuso de poder econômico.
Com a devida vênia a quem possui entendimento em sentido contrário, o simples fato de impulsionar, ou seja, de realizar gastos dessa natureza, nem de longe pode configurar propaganda eleitoral antecipada, desde que observados os limites estabelecidos no artigo 36-A da Lei 9.504/97.
Querer proibir o impulsionamento nas redes sociais nesta fase simplesmente por importar em gastos seria impor limites à difusão de ideias, propostas e qualidades dos pré-candidatos, o que esbarraria no princípio constitucional da liberdade de expressão, que, na lição de Fux e Frazão, “ostenta uma posição preferencial (preferred position) no ordenamento constitucional, em geral, e no direito eleitoral, em particular”[3].
É necessário ter em mente que o uso das redes sociais veio democratizar a concorrência entre os futuros candidatos, isso, pois, no Facebook, por exemplo, conforme informações encontradas no próprio site, a publicidade pode começar com o valor irrisório de apenas US$ 5 por semana[4], não sendo justo limitar o uso dessa ferramenta acessível a todos.
Imagine-se um pré-candidato a deputado estadual que possua apoio partidário, ou mesmo recursos financeiros para percorrer todo o estado em busca de apoio político e financeiro para sua campanha, e outro, não privilegiado, que mal consiga sair de seu município. A maneira mais efetiva deste angariar apoiadores e fazer campanha de arrecadação é através das redes sociais, junto com a ferramenta de impulsionamento, que levará sua voz aonde não chegaria se não fosse assim.
Como bem sintetiza Luiz Flávio Gomes[5]:
Impedir a divulgação de ideias e qualidades pessoais na internet é uma forma de preservar o “status quo”, ou seja, de manter no poder quem dele já faz parte, dificultando a entrada de novos figurantes na vida pública. Não é justo nem recomendável que se crie obstáculo ilegal ou extra-legal em relação à salutar e democrática concorrência, que já é desigual porque os que estão no poder distribuem entre eles de forma ilegítima maior tempo de televisão assim como amplo apoio financeiro.
No caso, o que deve prevalecer é a igualdade de oportunidades, “pressuposto para uma concorrência livre e equilibrada entre os competidores do processo político”, pois “sua inobservância não afeta apenas a disputa eleitoral, mas amesquinha a essência do próprio processo democrático”[6].
Além disso, o artigo 57-C da Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.488/2017, trouxe expressamente a permissão para o impulsionamento de conteúdos de propaganda durante a campanha eleitoral, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes, devendo o permissivo também ser estendido à fase de pré-campanha.
Em todo caso, os gastos de pré-campanha devem se limitar ao necessário, sob pena de o futuro candidato, caso venha a disputar de fato a campanha eleitoral, responder por abuso de poder econômico em ação própria. O que deve prevalecer, como bem observa Lídio Modesto da Silva Filho, é o bom senso:
A lei expressamente disciplina o que não pode ser feito nesta fase, entretanto, em razão do exíguo prazo da futura campanha, o que deve prevalecer neste período é o bom senso, de modo que o que não está expressamente proibido se for utilizado moderadamente é possível. Ainda não há regulamentação de gastos para este período e nem mesmo decisões sobre vários temas, de maneira que o pior dos problemas seria coibir o abuso do uso dos meios de comunicação, em razão de sua abrangência. Privar o pré-candidato de usar adesivo com seu nome seria o mínimo que a Justiça Eleitoral teria que se preocupar, uma vez que todos podem ter acesso a este tipo de propaganda[7].
Portanto, é evidente a necessidade e a possibilidade de gastos na pré-campanha, não havendo vedação legal à realização de dispêndio financeiro nessa fase, podendo-se inclusive impulsionar postagens e perfis nas redes sociais, recomendando-se, em todo caso, que sejam feitos com moderação, sob pena de, consolidando-se a candidatura, responder o candidato por eventual abuso de poder econômico na via própria.
[1] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2016, p. 493.
[2] Idem. p. 140.
[3] FUX, Luiz. FRAZÃO, Eduardo. Novos paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116.
[4] Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/business/help/201828586525529>. Acesso em: 23/6/2018.
[5] GOMES, Luiz Flávio. Quando o uso das redes sociais na pré-campanha não viola a lei?. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/quando-o-uso-das-redes-sociais-na-pre-campanha-nao-viola-a-lei/>. Acessado em: 23/6/2018.
[6] FUX, Luiz. FRAZÃO, Eduardo. Op., cit., p. 119.
[7] SILVA FILHO, Lídio Modesto da. Propaganda eleitoral. Curitiba: Juruá, 2018, p. 61.
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