Ocorre um conflito aparente de normas quando nos deparamos com dois preceitos legais que se contrapõem diante de uma situação fática posta à análise jurídica. Essa compreensão normalmente conduz a um sopesamento de valores, análise de princípios e sistemática jurídica para, ao fim e ao cabo, emprestarmos maior consideração ou afirmação de uma norma em detrimento da outra.
É exatamente o que ocorre quando falamos em liberdade de expressão eleitoral neste período que antecede as eleições.
Prescreve a legislação que a campanha e, consequentemente, a propaganda só podem ter início após formalizados todos os pedidos de registro de candidatura, o que se dará até o dia 15 de agosto do ano em que houver eleições.
No entanto, não raro, verificamos tramitar perante a Justiça Eleitoral um grande número de procedimentos provocados por partidos políticos e pelo Ministério Público Eleitoral que impugnam condutas praticadas por pretensos candidatos, autoridades públicas ou cidadãos comuns.
É de se dizer que sempre que se fala em restrição à manifestação política individual se está diante de clara contenção à garantia constitucional fundamental que prestigia a liberdade de expressão. Porém, sempre que isso se dá em ambiente eleitoral, também se está a tratar de preceito constitucional fundamental de altíssima envergadura, qual seja, o princípio da igualdade, de imprescindível relevância em qualquer disputa eleitoral, pois que garantidor da paridade de armas.
E aqui reside a controvérsia de paradigmas fundantes da nossa República.
Influenciadas pelo crescimento exponencial das redes sociais, recentes legislações eleitorais (já reescritas) pautaram-se pelo princípio da precaução ou cautela, restringindo manifestações públicas que caracterizassem promoção a determinada pré-candidatura, ainda que isso significasse uma maior restrição à liberdade de manifestação.
Isso ocorreu por acreditar o legislador, e também a Justiça Eleitoral (que fazia valer a norma), estar a emprestar ao eleitor maior liberdade na formação da convicção individual que resultaria no seu sufrágio a determinado candidato, o que adviria de uma maior paridade de armas.
Contudo, diante de um crescente anseio popular por maior participação na política (o que ficou claro nas manifestações de massa ocorridas em 2013), bem como da inevitável constatação da extrema dificuldade na censura do conteúdo virtual, mudou-se completamente esse vetor.
Na atual ordem normativa, introduzida pela minirreforma eleitoral de 2015 e que será experimentada pela primeira vez em eleições gerais, prestigia-se claramente o papel de eleitores e candidatos como atores principais das eleições, deixando à Justiça Eleitoral o papel moderador de equidistante interveniente, cuja ação apenas se dará nas hipóteses de destacado abuso que comprometa a lisura do pleito.
Deixou claro o legislador que não constituem atos de propaganda antecipada algumas condutas que expressamente enumera, tais quais a divulgação de mandatos parlamentares, a aparição de candidatos em programas de rádio, TV e internet, a realização de eventos em que se discuta plataforma partidária e a manifestação de posicionamentos pessoais, inclusive em redes sociais, sempre deixando a ressalva de que, em qualquer hipótese, não pode haver pedido expresso de voto, sob pena de se incorrer em ilícito eleitoral passível de punição.
Assim, resta claro que, agora, a liberdade de expressão avançou, fortalecendo a maior exposição de eleitor e candidato, o que tem feito com que a Justiça Eleitoral se debruce sobre as consequências desse alargado arbítrio franqueado aos atores eleitorais.
Nada a criticar diante da opção legal, contudo, há apenas que se cuidar para que essa generosa franquia legislativa não desborde para o abuso, notadamente aquele capitaneado pelo poder político e econômico, que sob pretexto da ressalva legal imponha elevado desequilíbrio (desigualando os que deveriam ser iguais) àqueles que não possuem exércitos virtuais ou portentosas estruturas de poder.
Nesse contexto, o TSE, debruçando-se no último dia 26 sobre a questão, estabeleceu alguns critérios no que diz respeito à propaganda antecipada.
Num substancioso voto, que foi seguido pela maioria, o ministro Luiz Fux, presidente da corte, fixou três critérios norteadores: o primeiro diz que o pedido explícito de votos caracteriza propaganda antecipada irregular; o segundo, no sentido de que os atos publicitários não eleitorais, ou seja, aqueles sem qualquer conteúdo referente à disputa, constituem “indiferentes eleitorais”, ou seja, não se submetem ao escrutínio da jurisdição especializada. Por fim, e mais importante, que o uso de elementos legal e jurisprudencialmente reconhecidos como caracterizadores da propaganda, desacompanhados de pedido explícito de voto, não configuram ilícito eleitoral.
Neste sentido, manteve-se rígida a definição da propaganda eleitoral antecipada apenas àqueles casos em que haja expresso pedido de voto, retirando da Justiça Eleitoral o papel de censor da manifestação do pensamento, como se pretendia, e deixando aos atores principais das eleições a condução da festa da democracia.
Eis a vitória da liberdade!
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