Os Conselhos de Administração são fundamentais para as empresas, na medida em que constituem o elo entre os acionistas e os executivos, servindo, portanto, de ligação entre os que aprovisionam o capital e os que o aplicam na geração de valor. No rescaldo dos escândalos envolvendo a governança corporativa no início deste século, um dos gatilhos da crise econômica mundial conhecida como a Grande Recessão, emergem estudos e pesquisas sobre quais seriam as relações entre, de um lado, a corrupção, as fraudes, a má conduta das empresas e, de outro, as competências e as características de Conselhos Administrativos.
Além disso, questões sobre o esgotamento de um modelo tradicional de composição desses Conselhos estão entre as principais inadequações nas estruturas corporativas contemporâneas.
Dessa forma, é importante não descuidar de aspectos específicos do sistema corporativo que, em maior ou menor grau, contribuíram para o período de instabilidade. Junto com as normas de compliance e as discussões sobre a responsabilização de diretores e de sócios pelas condutas da pessoa jurídica, passa-se a perceber, com maior clareza, que o realinhamento da composição do Conselho de Administração com as características de uma sociedade mais plural e diversa poderiam ter impactos no aconselhamento estratégico da empresa.
Atualmente, já existem análises que indicam uma relação positiva, e significativa, entre a representatividade e os resultados econômicos da empresa, o que embasa medidas como o Projeto de Lei n. 7179/2017 que versa sobre a participação feminina nos Conselhos de Administração. O referido projeto pretende estabelecer o percentual mínimo e máximo de participação de membros de cada sexo nos conselhos de administração das empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e outras empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
Os investidores têm-se preocupado cada vez mais com a composição de gênero nos altos cargos das empresas. Segundo Hillman e Dalziel (2003), os Conselhos de Administração mais diversos conduzem a um monitoramento mais eficaz dos executivos da empresa.
De acordo com a pesquisa “Mulheres no Conselho de Administração”, realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa:
[…] o número de mulheres no conselho de administração pode aprimorar o nível de governança corporativa das empresas, melhorando assim o desempenho econômico da empresa. Muitas conselheiras têm um estilo de liderança colaborativo, que estimula as discussões uma vez que incentiva que todos sejam ouvidos. Além disso, elas também não demonstram dificuldades em abordar problemas complexos e de difíceis soluções[1].
As empresas com mais mulheres nos quadros do seu Conselho de Administração têm, em média, 10,1% de retorno sobre o patrimônio líquido (Return on Equity – ROE), conforme pesquisa recente da MSCI ESG, em oposição ao retorno de 7,4% das empresas cujo Conselho não tem mulheres.
Em consonância com esses dados, a ONG norte-americana Catalyst demonstrou que, entre as empresas listadas no Fortune 500, aquelas com maior representação de mulheres no Conselho tiveram performance financeira melhor. Além disso, têm melhoras progressivas, proporcionais à quantidade de mulheres.
Para mapear a posição do Brasil diante da realidade mundial, é importante destacar que os dados da última Análise Global de Diversidade de Conselhos (Global Board Diversity Analysis 2016) demonstram avanços. A pesquisa internacional, realizada pela Egon Zehnder, revelou que houve um aumento de 5% da participação feminina em relação a 2012, mas, mesmo assim, mantido esse ritmo de transformação da composição dos Conselhos, a paridade de gênero “só seria alcançada em 20 anos”, conforme o relatório final.
Ainda em perspectiva comparada, cabe ressaltar que empresas com sede nos Estados Unidos têm representação feminina menor que as sediadas na Europa Ocidental, no Canadá e na África do Sul. Aliás, nos EUA, o índice permaneceu nos quatro anos da pesquisa. Há os países em que mais da metade dos Conselhos sequer tem a presença de mulheres, como é o caso do Japão.
Nesse espectro, o Brasil figura ao lado da Rússia e de 77% dos países, que têm, em média, menos que três mulheres no Conselho de Administração. Não obstante, nosso país ainda está em situação melhor que outros, como China e México. Segundo a pesquisa “Mulheres no Conselho de Administração”, realizada pelo IBGC, o País ainda está em estágio de desenvolvimento inicial, uma vez que a maior parte dos Conselhos de Administração não tem nenhum membro feminino ou conta com um ou dois membros apenas. Quando há mais de 3 mulheres, em geral elas são do grupo familiar que controla a empresa.
Das 508 empresas que constam no banco de dados fornecidos pela Bovespa, apenas 32,48% tem pelo menos uma conselheira efetiva no Conselho de administração. Para se ter um parâmetro de comparação, no continente europeu a parcela é de 72%, fração muito próxima à do Canadá, que é de 71,42%.
Em se tratando de quantidade de posições existentes nos Conselhos, os números demonstram um cenário ainda pior. De 3635 posições, apenas 319 são ocupadas por mulheres, ou seja, 8,78%. A proporção é menor quando consideradas apenas as conselheiras efetivas, não contando com as suplentes, passando a ser 7,74%. Novamente, na perspectiva comparada, o Brasil está abaixo da média europeia que é de 9,7%, considerando as 300 maiores empresas do continente.
Há ainda problemas fundamentais na representação feminina, a qual já se mostra demasiado baixa. Algumas mulheres atuam como conselheiras de diversas empresas simultaneamente, de modo que apenas 213 mulheres diferentes ocupam as 319 vagas hoje ocupadas por mulheres.
Assim, a formação dos órgãos decisórios e consultivos de alto nível das empresas não ocorre ao largo das diretrizes da gestão corporativa, o que indica a importância do estímulo da presidência da empresa quando se trata de nomeações. Por essa razão, quando a diversidade é prioridade na cúpula, há aumento da representação no Conselho, com consequências no comportamento do Conselho e na mentalidade das pessoas da empresa.
Nesse aspecto, uma questão problemática são os dados sobre a representação feminina no cargo de presidente, porquanto não mais que 5% das companhias têm mulheres nesses cargos, sendo que, em países como a Suécia e a Noruega, os quais figuram entre os melhores no quesito igualdade de gênero, há mais mulheres como CEO e CFO das empresas, revelando que as características sociais do país refletem diretamente na permeabilidade das corporações à ocupação feminina.
Nesse sentido, cabe atentar para o fato de que as cotas podem ter importante papel no processo de inclusão. Companhias da Noruega, da Suécia e da Finlândia, as quais apresentam os maiores percentuais de participação de mulheres no Board, têm 44,2, 26,9 e 25,7% respectivamente. Esses países tiveram políticas deliberadas para aumento de mulheres na composição dos cargos por meio da imposição de cotas.
No Brasil, conquanto não haja um percentual mínimo de participação feminina impositivo às empresas privadas, está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 7179/2017 que fixa cota de 30% de mulheres nas composições dos Conselhos de Administração de todas as empresas que têm mais da metade do capital controlado pelo Governo Federal. Segundo estudo do grupo “Mulheres Diretoras de Corporação Internacional” (CWDI, na sigla em inglês), realizado em 2015, a criação de cotas contribui significativamente para a efetivação da equidade de gênero em órgãos como o Conselho.
Todavia, a diversidade ou heterogeneidade do Conselho de Administração não engloba apenas a participação de mulheres na composição, abrangendo etnias, nacionalidades, a questão racial e os grupos LGBT (HILLMAN, 2015, p. 106). Com efeito, a diversidade de gênero abrange a igualdade de oportunidade para que mulheres e LGBTs possam atuar nos ambientes decisórios, consultivos e de monitoramento, tradicionalmente mais homogêneos e menos diversos.
De modo geral, a pluralidade dos membros pode culminar em um processo decisório mais completo, porquanto oriundo de experiências diversificadas. Ferreira (2010) aponta importantes benefícios potenciais, como o aumento da criatividade, amplificação das redes de contato, de recursos, de relações públicas, de relações com investidores e, sobretudo, aumento da legitimação social, criando órgãos mais representativos dentro das estruturas corporativas. Portanto, uma maior heterogeneidade não implica aumento do dissenso. Como afirma Isabella Saboya, conselheira da Vale, “não significa discordar, embora deva fazê-lo quando necessário, mas contribuir com ideias diferentes para um melhor processo decisório”[2].
No Brasil, a promoção da igualdade e a contribuição para uma cultura de respeito às diferenças devem cada vez mais ser vistas como ativo econômico. A título de exemplo, atualmente há corporações que têm um Conselho de Diversidade, tornando mais sofisticado o princípio básico sobre o qual erige, ou deve erigir, toda a livre iniciativa: as liberdades. A função desse órgão seria não a de substituir o Conselho da Administração, mas a de pensar em projetos e novas práticas de conformação de uma cultura de respeito às diferenças entre os públicos interno e externo, predominando a perspectiva de que manter um ambiente corporativo plural e inclusivo é o reconhecimento das diferenças que existem entre os próprios stakeholders.
A lista dos Princípios de Empoderamento das Mulheres[3], elaborada pela Organização das Nações Unidas, apresenta um conjunto de considerações que ajudam a comunidade empresarial a incorporar em seus negócios valores e práticas que visem à equidade de gênero e ao empoderamento de mulheres. O primeiro princípio é o de “estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível”. É evidente que, devido ao histórico sociocultural brasileiro, não basta oferecer oportunidades iguais em carreiras que exigem um sofisticado preparo técnico. Então, é preciso promover a oferta de capacitação para que seja aproveitado não só o capital humano plural disponível hoje, mas, principalmente, para que se aumente a capacidade potencial, de modo que todos os segmentos sociais tenham pessoas com preparo para ocupar os espaços de alto nível no mundo corporativo.
Por fim, o respeito à diversidade não é mais uma questão de justiça social, nem discurso politicamente correto, pois se tornou ativo econômico-financeiro. As tendências mais atuais de conscientização social nos mercados financeiros e nas atividades empresariais dissociadas da estrutura clássica têm dado um destacado relevo ao problema da “dimensão impulsiva da função social da empresa” (FRAZÃO, 2011, p. 442). O desafio, nesse cenário, é saber se o direito brasileiro abrangerá novas soluções, instituindo formalmente esses modelos de composição de órgãos como o Conselho da Administração que conciliem interesses de sócios e stakeholders.
Referências bibliográficas
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 7179/2017. Dispõe sobre o percentual mínimo e máximo de participação de membros de cada sexo nos conselhos de administração das empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e outras empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=949261>
. Acesso em: 09.07.2018.
DARMANDI, Salim. (2013). Do women in top management affect firm performance? Evidence from Indonesia. Corporate Governance, v. 13, n.3, p. 288-304.
FERREIRA, Daniel. Board Diversity. In: BAKER, H. KENT; Ronald (Ed.). Corporate governance: A synthesis of theory, research, and practice. John Wiley & Sons, 2010, p. 225-242.
FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011
HILLMAN, Amy J. Board Diversity: Beginning to Unpeel the Onion. Corporate Governance: Na International Review, v. 23, n. 2, p. 104-107, 2015.
HILLMAN, Amy J.; DALZIEL, Thomas. Boards of Directors and Firm Performance: Integrating Agency and Resource Dependence Perspectives. Academy of Management Review, v. 28, n.3, p. 383-369, 2003.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Mulheres no
Conselho de Administração. São Paulo: IBGC, 2009. Disponível em:
<http://www.ibgc.org.br/userfiles/Pesquisa%20Mulheres%20no%20CA_ago2009.pdf >.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das
Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2016.
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[1] Disponível em: http://www.ibgc.org.br/userfiles/Pesquisa%20Mulheres%20no%20CA_ago2009.pdf.
[2] https://www.valor.com.br/empresas/5156460/conselheiro-deve-contribuir-com-ideias-diferentes-diz- isabella-saboya
[3] http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/
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