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A importância da prestação de contas das campanhas eleitorais Imprimir

sexta-feira, 03 de agosto de 2018
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Karina Kufa e Amilton Kufa

A prestação de contas talvez seja o procedimento mais importante dentro de uma campanha eleitoral, uma vez que é onde se afere a legitimidade e legalidade de todos os recursos utilizados para o custeio dos atos de propaganda eleitoral e administração da campanha, com vistas às eleições, em especial, atualmente, pela criminalização das condutas de falsidade ideológica eleitoral (caixa dois) no âmbito de operações da Polícia Federal, tal como a operação "lava jato".

Com as últimas reformas eleitoral e política, de 2015 e 2017, respectivamente, tivemos mudanças no instituto da prestação de contas, em especial no procedimento, alterações essas que, atualmente, estão regulamentadas na Resolução 23.553 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2018, bem como a Resolução 23.546, de 18 de dezembro de 2017, que veio a regulamentar as finanças e contabilidade dos partidos.

Uma das principais mudanças introduzida ainda em 2015 foi a extinção do instituto do “comitê eleitoral”, passando a prestação de contas a ser realizada diretamente pelo candidato, com a ressalva da possibilidade de indicação de administrador com poderes para tal, acompanhado, obrigatoriamente, por profissionais habilitados em contabilidade e, ainda, advogado devidamente constituído, desde o início da campanha.

Para as eleições de 2018, fica mantida a exigência da abertura de conta bancária específica aos candidatos para a arrecadação de recursos e contratação de despesas, o que deve ser realizado em até dez dias após o recebimento do número do registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), tornando-se dispensado no caso de circunscrição em que não haja agência ou posto de atendimento bancário, bem como para os candidatos que renunciarem ao registro antes do fim do prazo de dez dias a contar da emissão do CNPJ de campanha, desde que não haja indícios de arrecadação de recursos e realização de gastos eleitorais.

Quanto à efetivação, os bancos são obrigados a acatar, em até três dias, o pedido de abertura de conta de qualquer candidato escolhido em convenção, vedado o condicionamento a depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção de conta.

Com a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), houve a obrigatoriedade de abertura de contas distintas, ou seja, os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o recebimento e utilização de recursos oriundos do Fundo Partidário e para aqueles provenientes do FEFC, na hipótese de repasse de recursos dessas espécies.

Assim, todo candidato está obrigado a elaborar a prestação de contas, que será encaminhada à autoridade judicial, diretamente por ele, sendo as finais até 6 de novembro, no primeiro turno, e, havendo segundo turno, até o 20º dia posterior a essa votação, apresentando, nesse caso, a movimentação financeira referente aos dois turnos, abrangendo, nas duas hipóteses, se for o caso, o vice, os suplentes e todos aqueles que o tenham substituído, em conformidade com os respectivos períodos de composição da chapa.

Diversamente do que se imagina, fica obrigado, da mesma forma, a prestar contas o candidato que renunciar à candidatura, dela desistir, for substituído, tiver o seu registro indeferido pela Justiça Eleitoral, correspondentes ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha realizado campanha. Sendo o caso de falecimento, a obrigação de prestar contas, referente ao período em que realizou campanha, será de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária.

Na sua formalização, a prestação de contas deverá ser assinada: (a) pelo candidato titular e vice, se houver; (b) pelo administrador financeiro, se constituído; (c) pelo presidente e tesoureiro do partido político, na hipótese de prestação de contas de partido político; e (d) pelo profissional habilitado em contabilidade; sendo, ainda, como dito, obrigatória a constituição de advogado.

As doações eleitorais, que não mais podem ser feitas por pessoas jurídicas, têm por exigência indispensável a emissão de recibo eleitoral para as doações estimáveis em dinheiro e arrecadadas via internet.

Uma das principais mudanças da reforma política de 2017 foi a previsão de dispensa da emissão de recibo eleitoral para as doações financeiras, sendo o documento bancário a forma de comprovação do recebimento da doação que deve ser devidamente identificada pelo CPF do doador ou CNPJ no caso de doação recebida por partido ou outro candidato, limitada ao valor máximo de R$ 1.064,10 pelo mesmo doador e no mesmo dia, sendo que os valores acima desse teto devem ser feitos por meio de transferência eletrônica. Tal regra de valor vale também para o financiamento coletivo (crowdfunding), porém nessa modalidade de doação a responsabilidade pela emissão do recibo é da empresa responsável pela arrecadação diretamente ao doador, como prova da respectiva doação ao candidato/partido.

Mas essa regra comporta exceção, vez que não serão submetidos à obrigatoriedade da emissão de recibo eleitoral, ficando desobrigado de comprovação: (a) a cessão de bens móveis, limitada a R$ 4 mil, por cedente; e (b) doações estimáveis em dinheiro entre candidatos e partidos, decorrentes do uso comum, tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa; e (c) cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

De modo geral, as doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e devidamente comprovadas através de documentos específicos exigidos na legislação eleitoral.

Da mesma forma, os gastos eleitorais devem ser formalizados, dando-se a comprovação, em regra, por meio de documento fiscal idôneo, emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço, podendo, ainda, a Justiça Eleitoral admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos.

Para tanto, são considerados gastos eleitorais:

  • confecção de material impresso de qualquer natureza;
  • propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;
  • aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;
  • despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;
  • correspondências e despesas postais;
  • despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições;
  • remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos;
  • montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;
  • realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;
  • produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;
  • realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;
  • custos com a criação e inclusão de páginas na internet e com impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;
  • multas aplicadas, até as eleições, aos candidatos e partidos políticos por infração eleitoral;
  • doações para outros partidos políticos ou outros candidatos;
  • produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.

As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha, sendo possível a utilização dos recursos do Fundo Partidário e do FEFC se recebidos, e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos, sendo que, nos casos de honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou partido político em processo judicial (litigioso), por se tratar de garantia constitucional à ampla defesa, não poderão ser pagos com recursos de campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

Importante destacar que os serviços advocatícios não mais podem ser doados, conforme preceitua o artigo 30, parágrafo 3º do Código de Ética e Disciplina da OAB.

Cumpre ressaltar, ainda, que os gastos eleitorais efetivam-se na data da sua contratação, independentemente da realização do seu pagamento, e devem ser registrados na prestação de contas no ato da contratação, podendo os gastos destinados à preparação da campanha e à instalação física ou de página de internet de comitês de campanha de candidatos e de partidos políticos serem contratados a partir de 20 de julho, considerada a data efetiva da realização da respectiva convenção partidária, desde que, cumulativamente, (i) sejam devidamente formalizados; e (ii) o desembolso financeiro ocorra apenas após a obtenção do número de inscrição no CNPJ, a abertura de conta bancária específica para movimentação financeira de campanha e emissão de recibos eleitorais.

Por sua vez, o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou do candidato e, ainda, caso comprovado abuso de poder econômico, o cancelamento do registro da candidatura ou a cassação do diploma, se já outorgado.

Caso o candidato ou partido receba recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada, deverá devolvê-los ao doador ou, não sendo possível a identificação deste, fica obrigado a transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional, o que não impedirá, se for o caso, a reprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos.

É considerada como fonte vedada, sendo terminantemente proibido os partidos políticos ou candidatos receberem, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, provenientes de (a) pessoas jurídicas, (b) origem estrangeira e (c) pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão pública (profissionais prestadores de serviços de táxi, bancas de jornal e food truck).

São considerados como recursos de origem não identificada, também proibidos de utilização na campanha: (i) falta ou identificação incorreta do doador; (ii) falta de identificação do doador originário nas doações financeiras entre partido e candidatos; e/ou (iii) informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ, quando o doador for candidato ou partido político.

Com a reforma eleitoral de 2015, há a obrigatoriedade de os partidos políticos e os candidatos durante as campanhas eleitorais enviarem à Justiça Eleitoral, no prazo de até 72 horas, os dados recebidos de todas as doações financeiras contadas do recebimento na conta bancária.

No dia 15 de setembro, o TSE divulgará, no seu site, a prestação de contas parcial de campanha de candidatos e partidos políticos com a indicação dos nomes, do CPF ou CNPJ dos doadores e dos respectivos valores doados, incluindo doações do Fundo Partidário e FEFC e doações estimáveis, bem como os gastos realizados.

Havendo sobras de campanha — que são constituídas por: (a) a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados em campanha; e (b) os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha, até a data da entrega das prestações de contas de campanha —, estas devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral, devendo-se juntar o comprovante da referida transferência à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido.

No caso de sobras de recursos oriundos do Fundo Partidário, tais valores devem ser transferidos para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza; caso as sobras sejam de origem diversa das acima referidas, devem ser depositadas na conta bancária do partido destinada à movimentação de “outros recursos”, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos. Por sua vez, os valores recebidos do Fundo Especial (FEFC), eventualmente não utilizados, não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da prestação de contas.

Seguindo o procedimento e recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as informações acima descritas, o sistema emitirá o extrato da prestação de contas, certificando a entrega eletrônica, que deve ser impressa pelo prestador, assinada e, juntamente com os documentos obrigatórios, protocolado no órgão competente até 6 de novembro, em primeiro turno.

Destaca-se, ainda, a possibilidade de a prestação de contas ser realizada de modo simplificado, que ocorrerá sempre que as campanhas apresentem movimentação financeira que corresponda a, no máximo, R$ 20 mil, configurando-se pela análise informatizada e simplificada da prestação de contas, elaborada exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE, com o fim de identificar o recebimento de recursos de fonte vedadas e de origem não identificada, extrapolação do limite de gastos e omissão de receitas e gastos, além da identificação dos doadores originários.

Ultrapassado o procedimento de análise prévia conforme acima descrito e não havendo qualquer impugnação, nem identificada na análise técnica nenhuma irregularidade, bem como havendo parecer favorável do Ministério Público Eleitoral, as contas serão, então, julgadas sem a realização de qualquer diligência, o que, do contrário, havendo indício de irregularidade, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação de informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, podendo, ainda, chegar ao extremo de determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato, dos partidos políticos, dos doadores ou dos fornecedores da campanha, desde que em decisão devidamente fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico, do Ministério Público ou do impugnante.

Por fim, ressalta-se que, nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá sempre privilegiar a oportunidade de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas, não se retirando deste a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigação em andamento ou futuras, podendo, inclusive, levar candidatos e responsáveis financeiros a responder por apropriação indébita eleitoral (artigo 354-A, do Código Eleitoral) e até mesmo falsidade ideológica eleitoral (artigo 350, do Código Eleitoral), o que só demonstra a importância e cautela que se exige desse procedimento e dos profissionais que a conduzirão, podendo, inclusive, utilizar práticas de compliance visando minimizar tais riscos.

Karina Kufa é advogada especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista e em Direito Administrativo pela PUC-SP. É professora da Faculdade de Direito Público de SP, presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Público (Ibrade). Foi assessora jurídica no Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

Amilton Kufa é advogado, professor, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho e em Direito Público pela Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e da Instituição Brasileira de Direito Público (IBDPub) e membro do Instituto Brasileiro de Compliance (IBC).

Acesse o conteúdo completo em www.conjur.com.br

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