Por Lara Marina Ferreira*
O prazo final para o registro de candidatura, no dia 15 de agosto, é também o marco antecedente da propaganda eleitoral em nosso sistema, que pode ser realizada a partir do dia 16 de agosto.
A lógica subjacente a esse raciocínio é a seguinte: uma vez escolhidos os candidatos em convenção partidária e encaminhados os pedidos de registro para análise da Justiça Eleitoral, os candidatos já passariam, naturalmente, a se apresentar como opção ao eleitorado, razão pela qual não teria sentido manter as vedações típicas da propaganda antecipada.
O problema é que em 2015, com o objetivo de diminuir os gastos das campanhas eleitorais, o Congresso Nacional optou por diminuir o tempo de campanha. Antes, o registro era encaminhado à Justiça Eleitoral até o dia 5 de julho e a campanha tinha então a duração de cerca de 3 meses. Com a diminuição do prazo, ficamos com o seguinte problema: em pouco mais de um mês, período em que já ocorre a propaganda eleitoral, a Justiça Eleitoral deve processar e julgar os registros de candidatura.
Assim, caso o registro do candidato seja indeferido em um primeiro momento, mas dessa decisão ainda estiver pendente recurso, não seria possível retirar desse candidato o direito de realizar propaganda eleitoral. Isso porque, na eventualidade de sua candidatura ser deferida ao final, a retirada do candidato da campanha constituiria dano irreparável, especialmente com a diminuição do tempo para a propaganda eleitoral. É essa a solução prevista no artigo 16-A da Lei 9.504/1997.
Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.
O legislador, ao estipular o artigo 16-A, fez então uma clara opção: uma vez que não seria possível voltar no tempo para devolver o tempo de campanha para o candidato que tivesse seu registro de candidatura deferido em recurso, opta por nulificar os votos que tenham sido eventualmente dados a candidato que teve seu registro indeferido ao final da análise judicial.
Por esse raciocínio, o indeferimento do registro do candidato Lula, ocorrido na sexta-feira, não deveria implicar, de imediato, a proibição de realização de atos de campanha, uma vez que a decisão do TSE ainda é passível de recursos e, portanto, não transitou em julgado.
Se é assim, por que o TSE proibiu, desde sexta-feira, que a campanha “Lula Presidente” continuasse se há ainda prazo para interposição de recursos?
Bom, nos termos do voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, a expressão sub judice, prevista no artigo 16-A, não se referiria à ausência de trânsito em julgado. Segundo ele, o candidato já deixaria de ser sub judice a partir da decisão de órgão colegiado da Justiça Eleitoral (Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Superior Eleitoral) em que o registro da candidatura é indeferido. Como no caso dos candidatos à Presidência da República é o próprio TSE que detém competência para a análise do registro, a decisão de sexta-feira passada já seria suficiente para impedir os atos de campanha.
O problema dessa conclusão é que ela contribui para esvaziar, ainda mais, o sentido de trânsito em julgado no Direito brasileiro. Aguardar o trânsito em julgado de decisões judiciais é garantia do jurisdicionado, prevista na Constituição Federal exatamente para minimizar as hipóteses de arbítrio ou de erro do Estado.
O trânsito em julgado é pressuposto para a dissolução judicial de associações, para a perda de nacionalidade e para a suspensão dos direitos políticos. Na contramão do sistema montado pelo constituinte originário, já afastamos a necessidade de trânsito em julgado para a incidência de inelegibilidade, para a execução de pena privativa de liberdade, para a renovação das eleições em caso de votos anulados pela Justiça Eleitoral e agora, de acordo com essa decisão do TSE, também não seria necessário o trânsito em julgado para impedir que o candidato ainda não indeferido em decisão final pratique atos de campanha.
É preciso ter em mente que quando afirmamos, para evitar a sensação de impunidade, que as decisões de órgãos colegiados seriam suficientes para operar efeitos negativos imediatos, estamos afastando uma importante garantia constitucional que estrutura o devido processo legal.
Vivemos, como sociedade, um delicado momento de polarização política, com um processo eleitoral especialmente inflamado. E é exatamente nesses momentos, em que as paixões correm o risco de assumir a linha de frente da argumentação, que precisamos recorrer ao devido processo legal e ao enquadramento constitucional para balizar nossa atuação.
*Lara Marina Ferreira é professora de Direito Constitucional da Dom Helder Escola de Direito, professora de Direito Eleitoral, servidora do TRE-MG e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
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