Visto como uma ferramenta de protesto, o voto nulo é objeto de mitos e mal-entendidos. Há quem diga que se mais da metade dos eleitores anularem seu voto, as eleições são anuladas e devem ser convocadas num prazo de 20 a 40 dias. Mas afinal, o voto nulo de fato expressa um protesto? Quão eficaz é para demonstrar a insatisfação da sociedade com os rumos da política brasileira?
O artigo 224 do Código Eleitoral dispõe:
“Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.
Aparentemente, o artigo diz exatamente o conteúdo da fake news. Porém, é um equívoco traduzir, nos dias de hoje, “nulidade” por votos nulos. Uma coisa é a nulidade do voto e, outra, completamente diferente para o direito eleitoral, é o voto nulo.
Para ter a nulidade do voto, é indispensável que o voto tenha sido, em algum momento, válido. Como acontece com os votos que tenham sido declarados nulos pela Justiça Eleitoral na hipótese de fraude, coação ou outra irregularidade que tenha acarretado a cassação do candidato eleito, por exemplo. É muito comum nos casos em que o candidato concorre sub judicee vence as eleições, mas, depois de eleito, a Justiça Eleitoral decide que ele não poderia ter concorrido, seja porque faltou um requisito para o registro de candidatura, seja porque cometeu alguma fraude durante as eleições.
Quando as cédulas ainda eram em papel, tivemos alguns casos curiosos sobre o voto nulo, como é o caso do rinoceronte Cacareco. Nas eleições de 1959 em São Paulo, muitos eleitores escreveram o nome do rinoceronte na cédula e, se fosse válido, teria tido mais votos do que os “outros” candidatos a vereador. O protesto ficou registrado e ganhou repercussão na mídia, ainda que de forma humorada.
Hoje, com a urna eletrônica, criar um candidato não é possível, mas ainda é possível anular o voto, como ocorre nos casos em que o eleitor digita um número que não corresponde a nenhum candidato ou partido e, ao invés de pressionar o botão corrigir, ele pressiona o botão confirma mesmo com o número errado.
A Constituição determina que devem ser desconsiderados os votos nulos e brancos, não sendo computados para nenhum fim. Na prática, quanto mais votos nulos e em branco existirem em uma eleição, mais fácil será para um candidato vencer, pois diminui a quantidade de votos válidos e, consequentemente, também o total de votos suficientes para um candidato se eleger.
Há os que questionam se o sistema eleitoral brasileiro de fato observa o princípio da soberania popular na democracia brasileira ao desconsiderar votos nulos e brancos, mas o fato é que, pelas normas atuais, a eficácia do voto nulo como método de protesto não é nada efetiva. Portanto, vale pensar cuidadosamente os métodos mais efetivos de protestar; e “não participar” não deve ser um deles. Afinal, exercer a política e exigir seus direitos são atividades que devem e podem ser exercidas todos os dias e não exclusivamente a cada dois anos.
Este artigo é uma parceria com o Eleitoralize, site dedicado à cobertura das regras eleitorais produzido por estudantes de Direito do Mackenzie, sob a coordenação do professor Diogo Rais.
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