Fonte: Migalhas
A LC 64/90, popularmente conhecida como lei da ficha limpa, tão polêmica quanto festejada, frequentemente apresentada como importante instrumento de moralização da política, prevê uma série de hipóteses de inelegibilidades, situações em que o cidadão será privado de parcela de seus direitos políticos, mais especificamente o direito de se candidatar e ser eleito.
A verificação da incidência ou não das referidas hipóteses de inelegibilidade se dá, nos termos da lei, através de um processo judicial, cujo procedimento é minuciosamente previsto nos artigos 3° e seguintes da já referida lei complementar.
Assim, publicados os pedidos de registro de candidatura, tem início o prazo de 5 dias para eventuais impugnações. Ajuizada a impugnação, deve ser concedido ao candidato, partido ou coligação, o prazo de 7 para apresentação de defesa (contestação), oportunidade em que poderá “juntar documentos, indicar rol de testemunhas e requerer a produção de outras provas, inclusive documentais, que se encontrarem em poder de terceiros, de repartições públicas ou em procedimentos judiciais, ou administrativos, salvo os processos em tramitação em segredo de justiça”.
Assim, resguardada a celeridade que deve presidir os processos eleitorais, a lei prevê um prazo razoável para a apresentação da defesa, além da oportunidade de abertura de instrução probatória, seguida de prazo para alegações finais.
Há situações, no entanto, em que a despeito dos indícios da incidência de hipótese de inelegibilidade, o candidato deixa de ser impugnado no prazo legal. Nesta situação, o artigo 36, §2° da resolução TSE 23.609, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatos para as eleições de 2020, prevê:
“Art. 36. Constatada qualquer falha, omissão, indício de que se trata de candidatura requerida sem autorização ou ausência de documentos necessários à instrução do pedido, inclusive no que se refere à inobservância dos percentuais previstos no § 2º do art. 17, o partido político, a coligação ou o candidato será intimado para sanar a irregularidade no prazo de 3 (três) dias (Lei nº 9.504/1997, art. 11, § 3º).
(...)
§ 2º Se o juiz ou relator constatar a existência de impedimento à candidatura que não tenha sido objeto de impugnação ou notícia de inelegibilidade, deverá determinar a intimação do interessado para que se manifeste no prazo de 3 dias.”
Anote-se que o caput trata de vícios sanáveis, requisitos formais ou documentação incompleta, além do potencial descumprimento dos percentuais mínimo e máximo de gênero estipulados em lei.
O parágrafo segundo, entretanto, apresenta hipótese bastante mais ampla, incluindo qualquer “impedimento à candidatura que não tenha sido objeto de impugnação ou notícia de inelegibilidade”. Em outras palavras, matérias típicas da ação de impugnação ao registro de candidatura.
A possibilidade de o juiz ou relator constatar possível hipótese de inelegibilidade, ainda que não tenha havido impugnação, afigura-se razoável, uma espécie de último filtro a candidaturas potencialmente vedadas.
Entretanto, conjugado o dispositivo acima citado com a previsão do artigo 50, parágrafo único, da referida resolução tem-se situação bastante peculiar. É que o artigo é expresso ao afirmar:
Art. 50. ...
Parágrafo único. Ainda que não tenha havido impugnação, o pedido de registro deve ser indeferido quando constatado pelo juiz ou relator a existência de impedimento à candidatura, desde que assegurada a oportunidade de manifestação prévia, nos termos do art. 36.
Anote-se que o dispositivo equivalente, previsto para as eleições de 20181, determinava intimação prévia do interessado para que se manifestasse “nos termos do art. 4º da LC 64/90”. Havia, portanto, expressa remissão ao rito da ação de impugnação ao registro de candidaturas, com os prazos e direitos a ele inerentes.
Já a resolução válida para as eleições deste ano, prevê um prazo bastante mais curto para manifestação do candidato, de apenas 3 dias, sem qualquer previsão de abertura de instrução probatória.
Tem-se, assim, que uma interpretação literal dos referidos dispositivos, levaria à esdrúxula situação em que a inexistência de impugnação ao registro de determinado candidato poderia lhe ser prejudicial, ante a possibilidade de apreciação de hipótese de inelegibilidade através de um rito bastante mais célere e restrito, afastando-se importantes prerrogativas da defesa expressamente previstas em lei.
Em síntese, havendo impugnação ao pedido de registro, o candidato teria 7 dias para a apresentação de defesa, podendo juntar documentos, indicar testemunhas e requerer a produção de outras provas, inclusive em poder de terceiros.
Se no entanto, não houver impugnação e o Juiz constatar, por exemFASplo, possível incidência de hipótese de inelegibilidade – exatamente aquilo que poderia ser objeto de uma impugnação – seria concedido o prazo de apenas 3 dias para manifestação, sem qualquer previsão de abertura de instrução probatória, daí o título do presente artigo, um verdadeiro “fast track” para a declaração de inelegibilidade.
Tal interpretação, no entanto, implicaria grave afronta ao contraditório e à ampla defesa, decorrentes da redução do prazo e restrição ao direito de requerer a abertura de fase de instrução probatória.
Interpretação mais consentânea com a Constituição Federal e que, portanto, afigura-se mais adequada, é aquela que, a despeito da literalidade dos dispositivos, restringe o procedimento previsto nos artigos 36, §2° c/c 50, parágrafo único, aos casos em que se exige mera regularização da documentação apresentada, nos termos do artigo 36, caput, mantendo-se o rito da ação de impugnação de registro de candidatura para os casos em que, mesmo não havendo impugnação, seja constatada possível incidência de hipótese de inelegibilidade prevista na LC 64/90.
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*Francisco Octavio de Almeida Prado Filho é sócio-fundador de Almeida Prado Advogados e presidente da Comissão de Estudos sobre Improbidade Administrativa do IASP.