Fonte: Conjur
A Fundação Nacional do Índio (Funai) é uma autarquia criada com a finalidade de proteger e promover os direitos dos povos indígenas em nome da União. Deixar de executar políticas e programas públicos em favor desta população, especialmente em um cenário de calamidade pública, consiste em omissão.
O entendimento é do juiz Felipe Gontijo Lopes, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Santarém, ao determinar que a União, a Funai e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) forneçam cestas básicas e materiais de higiene às populações indígenas localizadas no oeste do Pará até o fim da epidemia de Covid-19.
A decisão, em caráter liminar, foi proferida na última sexta-feira (17/7), e abrange todas as aldeias atendidas pelas Coordenações Técnicas Locais de Santarém e Oriximiná, no Baixo Tapajós e Trombeta, além de Takuara e de territórios em processo de reconhecimento.
O objetivo é evitar o deslocamento desses grupos aos municípios próximos, garantindo que os povos indígenas sigam as orientações de isolamento social e, ao mesmo tempo, tenham sua sobrevivência garantida.
Omissão
A Funai se posicionou contra a liminar, alegando que o Judiciário só pode interferir na atividade do Poder Executivo da União ou de entidades componentes da administração indireta quando houver a efetiva demonstração de conduta inconstitucional ou ilegal. Disse também que o cumprimento da demanda depende de suporte financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias da Fundação.
O magistrado, no entanto, afirmou que a saúde e a vida são garantias fundamentais asseguradas constitucionalmente e que o pleito da Funai "não pode ser atendido sob o simplório argumento de que o Judiciário não pode imiscuir-se nas ações governamentais".
"Em se tratando da essencialidade do bem pretendido, quem está submetido ao estágio torturante da fome e de outras necessidades básicas e vitais, não pode aguardar pela implementação da pretensão requerida, impondo-se a intervenção do Poder Judiciário para afastar qualquer ameaça de dano à saúde e à vida das comunidades indígenas que se encontram constitucionalmente tuteladas", diz a decisão.
Ainda de acordo com o magistrado, "nos autos, revela-se evidente a violação, por parte das requeridas, aos princípios da proteção integral e da dignidade da pessoa humana dos povos indígenas, tendo em vista que a distribuição da alimentação e produtos de higiene, nesse período de medidas emergenciais adotadas no combate à Covid-19, revela-se um direito a essas populações, notadamente pelo fato de que a atual situação pandêmica causou o agravamento da situação socioeconômica dessas comunidades em razão da imposição de isolamento".
A ação civil pública contra a Funai, a União e a Conab foi ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Pará. Na peça, as instituições disseram não ser crível "que mesmo com recursos orçamentários disponibilizados para tanto e com dispensa de licitação para aquisição de itens para enfrentamento da emergência de saúde pública, as cestas básicas e materiais de higiene, que possuem caráter emergencial, não tenham chegado aos destinatários, por razão de ineficiência administrativa".
A declaração faz referência a um levantamento da Transparência Brasil. Segundo a organização, até 17 de junho deste ano, a Funai liquidou apenas 39% do orçamento empenhado especificamente para combater a epidemia do novo coronavírus entre as populações indígenas.
Antes de protocolar a ação, os procuradores do MP-PA e MPF haviam alertado a Funai e a União no sentido de que medidas deveriam ser tomadas. Apesar de reconhecer a necessidade de entregar cestas básicas e materiais de higiene, os órgãos do governo federal não acataram as recomendações.
O MPF e o MP-PA argumentam que houve omissão e que ela pode ter gerado um crescimento no número de indígenas contaminados. Isso porque a população está tendo que se deslocar para cidades em busca de benefícios sociais e de mantimentos.
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ACP 1004559-48.2020.4.01.3902