Fonte: Conjur
Na próxima quarta-feira, 12 de agosto, a ConJur lança o Anuário da Justiça Brasil 2020. O evento será transmitido pela TV ConJur, a partir das 18h30, com a participação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e de representantes de todos os tribunais superiores e da advocacia. Esta reportagem integra a publicação.
A propagação de notícias falsas na eleição de 2018 e os questionamentos sobre a legitimidade do sistema eleitoral e das urnas eletrônicas deixaram marcas no Tribunal Superior Eleitoral. Passado o frenesi do pleito, os ministros tiveram que aparar as arestas das diversas questões que surgiram e deixar o terreno preparado para as eleições municipais de 2020. Frente a isso, as resoluções que tratam das eleições foram aprovadas pelo Plenário e divulgadas no site do tribunal.
As eleições, que tradicionalmente acontecem em outubro, foram adiadas para 15 e 29 novembro de 2020, diante dos riscos trazidos pela pandemia do novo coronavírus. A alteração, feita por meio da Emenda Constitucional 107 aprovada em julho pelo Congresso Nacional, impactou também o calendário eleitoral. As convenções partidárias, por exemplo, que aconteceriam de 20 de julho a 5 de agosto, passaram para o período de 31 de agosto a 16 de setembro. O prazo final para o registro de candidaturas, 15 de agosto, passou para 26 de setembro. A data de posse dos prefeitos eleitos foi a única a permanecer inalterada: 1º de janeiro de 2021.
Diante dos ajustes no calendário eleitoral, o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou a necessidade de editar uma nova resolução, que deve ser aprovada pelo Plenário em agosto. As resoluções do TSE regulamentam os dispositivos da legislação e sinalizam a candidatos, partidos e cidadãos as condutas permitidas e proibidas durante o processo eleitoral. Dentre elas, chama a atenção a Resolução 23.610/2019, que dispõe sobre propaganda eleitoral, uso de horário eleitoral gratuito e condutas ilícitas.
A norma inovou ao criar uma seção específica para tratar do poder de polícia do juiz eleitoral nos casos de remoção de propaganda irregular na internet. Pelo texto, o juiz pode determinar providências para inibir práticas ilegais, sendo proibida a censura prévia sobre o teor dos programas e reportagens.
Já o artigo 9º da norma exige que, ao publicar conteúdo em sua propaganda eleitoral, inclusive veiculado por terceiros, os candidatos passam a responder pela veracidade da informação. Caso ela seja comprovadamente falsa, o ofendido deverá ter direito de resposta garantido. Também está previsto que a citação e a intimação das partes para representações e direito de resposta poderão ocorrer por meio de mensagens instantâneas (via SMS ou WhatsApp) e por e-mail.
Recentemente, o Plenário do TSE alterou trecho da Resolução 23.546/2019, que regulamenta as finanças e contabilidade dos partidos, para adiar por mais 90 dias o prazo (de 180 dias) que trata do procedimento de suspensão da anotação do órgão partidário decorrente da não prestação de contas. De acordo com o tribunal, neste período, continua proibida a instauração de processo com o mesmo fim pelos tribunais regionais eleitorais e pelos juízes eleitorais.
Outra novidade no modus operandi eleitoral é que agora partidos políticos em processo de criação estão autorizados a colher assinaturas eletrônicas para criar as legendas. Um dos requisitos para que um partido obtenha registro na Justiça Eleitoral é a coleta de 500 mil assinaturas. A decisão se deu em resposta à consulta feita pelo deputado federal Jerônimo Goergen (Progressistas-RS). No julgamento, foi considerado que a Justiça Eleitoral deve estar atenta às demandas da realidade social para não se tornar “obsoleta”, nas palavras do ministro Tarcísio Vieira. A decisão pode ter impacto na fundação da Aliança pelo Brasil, nova legenda do presidente Jair Bolsonaro, que abandonou o PSL, pelo qual foi eleito.
Ao deliberar sobre as assinaturas eletrônicas, os ministros concordaram que isso só pode acontecer mediante prévia regulamentação pelo tribunal. A expectativa é de que seja desenvolvida uma ferramenta para comprovar a autenticidade das assinaturas, mas ainda não há prazo definido para essa criação. A ex-presidente do TSE, ministra Rosa Weber, não via possibilidade de a ferramenta ficar pronta antes das eleições municipais de 2020. Para o relator, ministro Og Fernandes, que ficou vencido, adotar a assinatura eletrônica neste momento é tecnicamente possível, mas inadmissível por ser onerosa e inacessível à maioria da população. “É benefício para alguns, onerosa para todos e sem nenhum ganho para o sistema eleitoral.”
Em junho de 2020, a corte promoveu audiência pública virtual para coletar sugestões sobre a minuta de resolução para regulamentar o cancelamento do registro civil e do estatuto de partido político. A norma também tratará da suspensão da anotação de órgãos partidários regionais ou municipais que tenham contas anuais ou eleitorais consideradas não prestadas pela Justiça Eleitoral por decisão que transitou em julgado. A instrução tem como base a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6.032 e também o artigo 73 da Resolução TSE 23.604/2019, que regulamenta as finanças e a contabilidade dos partidos.
Há uma indefinição no que tange à quantidade de urnas disponíveis para 2020. Inicialmente, o processo de licitação esperava a fabricação e a entrega de 180 mil urnas para substituir os modelos usados nas eleições de 2006 e 2008, considerados obsoletos. Porém, a comissão de licitação verificou irregularidades técnicas nas urnas apresentadas pelas duas empresas aptas a participar da disputa, o que pode provocar atrasos. A Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE adiantou que, por questões orçamentárias, a corte trabalha com a possibilidade de adotar um plano de contingenciamento para a compra de apenas 60 mil urnas.
O TSE ampliou o rol de entidades competentes para fiscalizar a auditoria do sistema eletrônico de votação. A partir de agora participam também o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Contas da União, as Forças Armadas, institutos estaduais de criminalística, entidades privadas sem fins lucrativos com atuação em transparência e gestão pública e departamentos de TI de universidades.
Com a aprovação da Lei 13.877/2019, foi regulamentada a destinação mínima de 30% do Fundo de Financiamento de Campanha para promover candidaturas femininas. Em resolução, o tribunal incluiu algumas adequações à norma: exclusão do limite de gastos com contratação de advogados e contadores nas campanhas eleitorais; fixação do limite de gastos para as campanhas das eleições de 2020; limite para o autofinanciamento da campanha eleitoral; e transferência de recursos de campanha entre partidos e candidatos. As campanhas femininas são ponto nevrálgico para os diretórios de partidos.
Em julgamento sob relatoria de Roberto Barroso, o tribunal manteve a cassação dos mandatos de dois vereadores de Rosário do Sul (RS) que usaram verba da cota feminina. Barroso afirmou em seu voto que o percentual mínimo de 5% de recursos do Fundo Partidário para financiar candidaturas femininas é uma importante ação afirmativa. O desvirtuamento dos recursos, decorrente da consciente e voluntária doação efetivada pela candidata mulher, caracteriza “violação ao artigo 20 da Lei 9.504/1997, uma vez que administraram os recursos do Fundo Partidário destinados a campanhas femininas, em desconformidade com as regras da legislação eleitoral”.
Em maio de 2020, os ministros aprovaram a resolução para implementar a decisão do Supremo Tribunal Federal, no Inquérito 4.435, que reconheceu a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns conexos com delitos eleitorais. A expectativa é de que haja aumento significativo de processos criminais a serem absorvidos pela Justiça Eleitoral vindos das grandes operações instaladas nos últimos anos, dentre elas, a “lava jato”.
Entre as medidas aprovadas estão a possibilidade de tribunais regionais avaliarem a conveniência de ter vara especializada exclusiva e, ainda, a possível manutenção do juiz de zona eleitoral por mais um biênio, se o TRE entender que alguma investigação em curso justifique a medida. A corte eleitoral entendeu que juízes federais não podem atuar na primeira instância da Justiça Eleitoral, como pedia a Ajufe.
O colegiado também cassou em 2019 o mandato da senadora Selma Arruda (Podemos-MT), conhecida como a “Moro de Saias” devido a sua atuação punitivista em matéria penal. Os ministros entenderam que ela omitiu contratos ao prestar contas à Justiça Eleitoral, além de praticar caixa dois e abuso de poder econômico na campanha de 2018. Prevaleceu o entendimento do relator, minstro Og Fernandes, que manteve decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso que punia Selma e seus suplentes por propaganda eleitoral produzida antes do período oficial liberado para campanha. Ele também determinou a execução imediata do julgado e o afastamento dos componentes da chapa, com a convocação de novo pleito.
O ministro Luis Felipe Salomão defendeu que juízes sejam submetidos a quarentena de pelo menos dois anos antes de serem candidatos a cargos eletivos. “Com o protagonismo que o Judiciário ganhou nos últimos anos, não me parece que contribua para o processo democrático permitir que pendure-se a toga num dia e no outro se dispute o pleito”, disse o ministro. O processo chegou ao STF e, em janeiro, o ministro Dias Toffoli determinou que o terceiro candidato mais bem votado na eleição assumisse o mandato da senadora.
Outro julgamento de grande repercussão reafirmou que é proibido indicar cônjuges e parentes de até terceiro grau de membros de tribunais de Justiça para vaga destinada à advocacia nos tribunais regionais eleitorais. A base da decisão foi a análise de uma denúncia de nepotismo na lista tríplice para o preenchimento de vaga de juiz titular do TRE da Bahia. A consequência prática do julgado é que o TRE-BA foi obrigado a refazer a lista tríplice. O relator, Roberto Barroso, reafirmou a vedação ao nepotismo mesmo no caso de recondução.
Durante a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, os ministros adotaram as sessões de julgamento por videoconferência, com presença no Plenário físico apenas do presidente. Grande exemplo foi a posse do ministro Roberto Barroso como presidente do tribunal em cerimônia virtual, que contou com a participação online de diversas autoridades.
A corte editou a Resolução 23.615/2020, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários com objetivo de prevenir o contágio pelo coronavírus e garantir o acesso à justiça.