Fonte: Conjur
Com base nas alterações promovidas pelo pacote "anticrime" (Lei 13.964/2019) na legislação sobre o tema, o ministro Alexandre de Moraes propôs ao Tribunal Superior Eleitoral uma mudança jurisprudencial para passar a considerar ilícitas as obtidas por meio de gravação ambiental clandestina.
A discussão foi levantada em caso de uma vereadora de Santa Inês (PR) eleita em 2016 e cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral paranaense por compra de votos, com aplicação de multa.
A condenação foi decorrente de gravação ambiental na qual promete a eleitores pagamento em dinheiro, concessão de remédios e auxílio na obtenção do benefício de aposentadoria.
A vereadora recorreu ao TSE para afastar a multa ao defender a ilegalidade do uso da gravação ambiental, mas o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, julgou o apelo inadmissível de forma monocrática. Na ocasião, aplicou entendimento pacífico do TSE.
Desde 2019, o tribunal julga que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea, feita por um dos interlocutores da conversa registrada e que não haja induzimento ao ilícito.
Para Barroso, o TRE-PR avaliou esses elementos e entendeu pela licitude, conclusão que não pode ser alterada pelo TSE por conta da Súmula 24, que impede reanálise de provas e fatos.
Ao receber o caso como agravo de instrumento, o ministro Alexandre de Moraes propôs a mudança jurisprudencial. O próprio Barroso pediu vista antecipada.
Moraes apontou que o pacote "anticrime" inseriu o artigo 8-A na Lei 9.296, que regulamenta a interceptação de comunicações, definindo que a captação ambiental deve ser feita por autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial.
O parágrafo 4º da norma ainda diz que a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser usada em matéria de defesa, desde demonstrada a integridade da gravação.
"Sempre defendi que a gravação ambiental em âmbito privado deveria ser prova ilícita, salvo se utilizada para a defesa. Há o perigo de incentivar essa prática. Aqui, a gravação foi realizada dentro de residência. Era ambiente privado onde a privacidade e a intimidade, direitos fundamentais, prevalecem", defendeu o relator.
O tema é controverso e, especificamente quanto ao âmbito eleitoral, ainda será julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2017, a corte reconheceu repercussão geral sobre a necessidade de autorização judicial para tornar uma gravação ambiental apta a instruir ação de impugnação de mandato eletivo (Aime).
Segundo o ministro Alexandre, o pacote anticrime definiu o que a jurisprudência do STF sempre oscilou: gravação ambiental sem conhecimento do atingido e sem determinação das autoridades, só em matéria de defesa no âmbito de processo criminal.
"A lei mais benéfica se aplica a situação anteriores não consolidadas", disse. "E caso concreto, única prova que ensejou manutenção da multa foi a gravação feita dentro de uma residência por um dos interlocutores", acrescentou.
A alteração legislativa foi abordada em texto publicado pela ConJur pelo colunista Lênio Streck, em parceria com os criminalistas Marcelo Augusto Rodrigues de Lemos e Igor Suassuna Vasconcelos, em que defendem que, de forma absolutamente clara, a resposta adequada tendo vista a Constituição é justamente a impossibilidade de uso da gravação clandestina para incriminar outrem — inclusive em casos de colaboração premiada.
0000293-64.2016.6.16.0095