Fonte: Conjur
Com o advento da nova Lei de Licitações e Contratos é de se esperar o fim da distorção verificada nas licitações até hoje rotuladas como sendo de menor preço, mas que exigem desconto, além do mais grave, que são os editais com dois critérios simultâneos de julgamento: menor preço "OU" maior desconto.
Sim, aberrações jurídicas dessa natureza ainda existem nos editais de licitações.
Para essa análise, é importante lembrar que o artigo 45, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93 estabeleceu o tipo de licitação de menor preço e, dentro disso, muitos editais buscando desconto colocavam a seguinte expressão: "menor preço, consistente no maior desconto".
Essa a forma conhecida de se adaptar a pretensão de desconto em determinados objetos.
Mas tal imperfeição começará a ser corrigida, uma vez que o artigo 33 da Lei nº 14.133/2021, de forma expressa, separa em seu inciso I o julgamento de propostas de acordo com o critério de menor preço, enquanto em seu inciso II o julgamento pelo critério de maior desconto.
Finalmente, as duas situações estão bem distintas dentro do texto legal.
Isso é importante para que não mais se banalize as situações que levam editais de pregões até a incentivar a fraude tributária, sob a descuidada alegação de economicidade, como se tem em certos editais de agenciamento de viagens, que não atentam para a legislação específica.
Na "onda" de que "outros estão fazendo" e sem estudo da legislação, alguns editais rotulam na cláusula de preço que a agência de viagens deve ofertar sua taxa por transação (exemplo, valor por emissão de um bilhete) ou, se preferir, no mesmo pregão, pode prometer ofertar desconto na tarifa de concessão do transporte aéreo, receita que tributariamente e contabilmente não lhe pertence.
Em respeito aos artigos 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e 3º da Lei 8.666/93, isonomia de comparação de propostas pressupõe que as elas tenham a mesma base de custos e formação de preços, o que não ocorre nesses editais nulos, que misturam um caminho para alguns licitantes ofertarem preço próprio, enquanto outros podem prometer ofertar desconto sobre receita contábil e tributária de terceiros, no caso, de companhias aéreas.
Não pode existir critério objetivo, em respeito aos artigos 3º e 40 da Lei 8.666/93, se o edital tem dois critérios ou duas regras de jogo: ofertar preço de serviço próprio ou ofertar promessa de fraudar a base de cálculo de impostos de terceiras empresas, sob rótulo de desconto.
A propósito, a Instrução Normativa nº 1234/2012, da Receita Federal, estabelece o seguinte:
"Art. 12...
(...)
§ 10. A base de cálculo da retenção a que se refere o caput, relativamente às aquisições de passagens aéreas e rodoviárias, é o valor bruto das passagens utilizadas, constantes do bilhete emitido pelas agências de viagens, nominal ao servidor, e não poderá ser diferente do valor de venda no balcão pelas empresas de transporte aéreo ou rodoviário, para o mesmo trecho e período, não sendo admitidas às agências de viagens efetuarem deduções ou acréscimos a qualquer título. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1540, de 05 de janeiro de 2015)."
Portanto, se o valor da tarifa não pode ser alterado por agência de viagens, pregão com aquele duplo critério de menor preço de agenciamento coexistindo com um segundo critério de maior desconto na tarifa da companhia aérea é ilícito.
Não podem uns licitantes caminharem para uma linha de preço e outros em sentido contrário, de desconto em valores de terceiros, pois não existe partida de jogo com duas regras ao mesmo tempo, além do que, essa segunda situação mencionada acima implica em fraude tributária.
Esse exemplo é emblemático, mas ilustra o quanto será importante, com a Lei 14.133/2021, tratar o critério de menor preço sendo apenas menor preço e o desconto para outras situações, não coexistindo ambos em um mesmo edital.
Haverá longo trabalho pela frente, pois com o advento da nova lei os objetos que admitem desconto precisam ser reavaliados, até para se acabar com a banalização e as conhecidas alegações de que taxas de administração negativas nas propostas são permitidas (que preços negativos são descontos). Ora isso é subjetivismo e sem aferição objetiva e comprovada de dados e informações, o que não se admite em licitações.
O novo cenário que coloca a licitação por maior desconto em rumo próprio vai exigir uma revisão de conceitos, caso a caso, objeto a objeto.
Se essa é a primeira vez que a lei trata de modo independente o preço e o desconto, um fator de problema passa a ser superado, mas é essencial lembrar que nem sempre será possível adotar o critério de desconto, porque isso depende da especificidade de certos objetos e sua tributação.