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Nova norma do TSE proíbe divulgação de fatos “sabidamente inverídicos” sobre urnas

segunda-feira, 25 de julho de 2022
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Gazeta do Povo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou em 14 de dezembro do ano passado uma resolução que diz ser “vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinja a integridade do processo eleitoral”. Essa norma é uma novidade em relação a eleições anteriores, e valerá durante as eleições de 2022.

O mesmo dispositivo diz que essa proibição se aplica a conteúdo considerado falso ligado à “votação, apuração e totalização de votos”. Se isso ocorrer, diz o texto, um juiz eleitoral deverá, a requerimento do Ministério Público, “determinar a cessação do ilícito” – o que, na prática, implica na remoção daquele conteúdo na internet ou nas redes sociais.

A regra está contida no artigo 9º-A da Resolução 23.671/2021, que trata da propaganda eleitoral nas eleições deste ano. Ela foi proposta pelo atual presidente da Corte, Edson Fachin, e aprovada por unanimidade no plenário do TSE, composto por outros seis ministros.

A resolução ainda diz que, após a retirada do material do ar, ainda caberá apuração de “responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação”. Ou seja, o responsável poderá ser processado criminalmente e ainda responder por ilícitos eleitorais que, no caso de políticos, podem levar à cassação do mandato.

A resolução não define de forma mais detalhada o que são “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” relacionados à votação eletrônica. Segundo advogados ouvidos pela reportagem, isso deverá ser definido melhor pela própria Justiça Eleitoral no tratamento individual de casos particulares que chegarem aos juízes e tribunais.

O precedente já existe. Em outubro de 2021, o TSE cassou o deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (União Brasil) porque, durante uma transmissão ao vivo pelo Facebook, no dia da eleição de 2018 e pouco antes do fim da votação, ele disse que algumas urnas eletrônicas no Paraná estavam fraudadas e impediam o voto em Jair Bolsonaro, então candidato a presidente. Por 6 votos a 1, o ministros do TSE condenaram Francischini por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. O vídeo foi retirado do ar, ele perdeu o mandato e está inelegível por oito anos.

O advogado e professor de direito eleitoral Marcelo Weick, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), prevê que a Justiça Eleitoral deverá aplicar essas mesmas sanções em casos de “desinformação chapada, evidente, aquela que você olha e vê que é mentira”.

Segundo ele, a Justiça Eleitoral já está habituada a aferir e punir a emissão de notícias sabidamente inverídicas relacionadas a candidatos, mas ainda não relativas às urnas. “Essa possibilidade de começar a tolher manifestações com desinformação contra o sistema eleitoral de fato é uma inovação. A gente não tem precedentes antes do caso Francischini, por ataque não a adversário, mas ao sistema eleitoral”, diz.

Ainda segundo Weick, a remoção de conteúdo contra as urnas eletrônicas poderá ocorrer ainda antes do período oficial de campanha, que começa em 16 de agosto. Uma ordem do tipo, por exemplo, foi determinada recentemente pelo ministro do TSE Alexandre de Moraes. Mas, nesse caso, se tratava de postagens que relacionavam o PT ao PCC, ou seja, contra um partido. Na decisão, ele também enquadrou o conteúdo como “sabidamente inverídico”.

Norma do TSE ainda não está na lei eleitoral
As novas regras do TSE, relativas a conteúdos falsos relacionados ao sistema de votação, ainda não estão explícitas na legislação eleitoral. Elas chegaram a ser discutidas e aprovadas no ano passado pelos deputados no âmbito do projeto que cria um novo Código Eleitoral. Mas a proposta ainda não virou lei, pois precisa ser aprovada pelo Senado e depois sancionada pelo presidente da República.

O Código Eleitoral atualmente em vigor, que relaciona crimes que podem ser cometidos em eleições, prevê punição para o ato de “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.

Essa conduta foi criminalizada numa lei aprovada no ano passado pelo Congresso. Trata-se do novo artigo 323 do Código Eleitoral, que prevê punição de dois meses a um ano de detenção, com possibilidade de aumento da pena até a metade, caso a divulgação ocorra por meio da imprensa, rádio, televisão, internet, redes sociais ou transmissão ao vivo.

O texto, porém, fala sobre a divulgação de conteúdo falso contra candidatos e partidos, não contra o sistema de votação. Os advogados consultados pela reportagem, no entanto, consideram que o crime também poderá ser imputado a quem divulga ou compartilha conteúdos falsos sobre as urnas na internet. “Essa regra traz uma mudança significativa no cenário eleitoral, porque prevê a punição de eleitores que divulguem informações sabidamente falsas contra candidatos, partidos, ou que influenciem nas eleições”, diz Rodrigo Pedreira, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep).

Quanto à punição eleitoral de inelegibilidade por oito anos e/ou perda do mandato (essa última sanção poderia ser aplicada a um político eleito) por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, como também prevê a resolução do TSE, Pedreira diz que ainda existe uma divergência doutrinária sobre a caracterização desses ilícitos.

“Alguns entendem que a divulgação não precisaria alcançar muitas pessoas nem implicar claramente um desequilíbrio da disputa. Por si só, ela poderia ser considerada grave pelas imputações inverídicas à Justiça Eleitoral. Foi o que ocorreu no caso do Fernando Francischini, que apontou fraude nas urnas nos últimos minutos da eleição de 2018, durante uma transmissão ao vivo. O TSE entendeu que, mesmo num tempo curto, houve influência no processo eleitoral e aquela informação era grave em si para caracterizar abuso”, diz.

Limitação também pode atingir eleitores
A mesma resolução do TSE também limita a disseminação de conteúdo falso sobre as urnas por parte de eleitores. O parágrafo 1.º do artigo 27 tem a seguinte redação: “A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

Na prática, o TSE diz que é possível restringir não só manifestações de eleitores na internet que ofendam políticos, partidos e alianças, mas também que divulguem “fatos sabidamente inverídicos” relacionados à votação eletrônica, como diz o artigo 9º-A.

Rodrigo Pedreira diz que a remoção do conteúdo é uma medida que pode ser tomada de forma rápida. Segundo o advogado, basta que a publicação chegue ao conhecimento do juiz eleitoral, seja por meio do aplicativo de fiscalização oficial (Pardal, usado por qualquer eleitor), por comunicação dos partidos ou do Ministério Público. “A Justiça Eleitoral tem o poder de polícia quanto à propaganda irregular. Se o juiz tiver conhecimento dela, ele mesmo pode, a partir de um ato administrativo, determinar a suspensão”, diz o advogado.

Para Rodrigo Pedreira e Marcelo Weick, o texto da resolução possibilita que, assim como os políticos, eleitores também sejam punidos por crime eleitoral e, eventualmente, inelegibilidade, caso se prove que foram responsáveis pela divulgação ou compartilhamento dos “fatos sabidamente inverídicos” relativos ao sistema de votação.

“Mas entendo que o objetivo não é atuar no varejo, mas contra o eleitor que propaga desinformação sobre as urnas de forma massiva, que tem número de seguidores considerável, e que está trabalhando para interferir no processo eleitoral. A Justiça Eleitoral, para mim, não vai ficar atrás da ‘tia do WhatsApp’. Se não, entra num terreno complicado do cerceamento da liberdade de manifestação do pensamento. E ainda vai enxugar gelo, não vai conseguir se tornar censora de 200 milhões de brasileiros”, diz Weick.

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