Notícias

Prescrição nas ações reparatórias por dano concorrencial (parte 2)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Continuação da parte 1.

coluna passada abordou os fatos envolvidos na decisão tomada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.971.316[1], de que "em ação indenizatória que se origina de alegado ilícito concorrencial, uma vez verificada inexistência de decisão do Cade sobre a formação de cartel, o prazo prescricional é de três anos — artigo 206, § 3º, V, CC/2002 — e o termo inicial para sua contagem é a data da ciência do fato danoso".[2] Antes de problematizá-la, é necessário endereçar o panorama legislativo.

Até então, as regras do Código Civil (CC) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC) eram aplicadas, subsidiariamente, para tratar da prescrição nas ações reparatórias de dano concorrencial (ARDCs), em especial o artigo 206, §3º, inciso V, e o artigo 189, do CC, para as relações cíveis, e o artigo 27, do CDC, para as relações consumeristas.

Importante ressalvar que, quanto ao termo inicial da prescrição, há duas principais teorias: a teoria objetiva (ou teoria da violação), pela qual "ocorrida a violação, surge a pretensão e, independentemente de outros fatores subjetivos, pode ela ser atingida pela prescrição", e a teoria subjetiva (ou teoria da realização), que enxerga "a prescrição como sanção à inércia do autor, [pressupondo] que este deva estar ciente da violação de seu direito e que também identifique a figura do causador da lesão". O artigo 189 do CC é exemplo da primeira; o artigo 27 do CDC, da segunda[3].

Mas mesmo a objetividade estatuída pelo artigo 189 já vinha sendo elastecida em certos contextos e situações de aparente injustiça: a jurisprudência, "segundo critério de razoabilidade, tem se afastado dos critérios objetivos para aplicar a teoria subjetiva notadamente quando a lesão tem feições extracontratuais específicas, como no caso de danos ambientais, danos que se manifestam ao longo do tempo (...)"[4].

O mesmo ocorreu no Direito Antitruste. Diante das suas particularidades, notadamente porque "é possível que o prejudicado não saiba quando foi cometida a violação ao direito, nem quem cometeu o ilícito, bem como só venha a ter conhecimento da própria existência do ilícito cometido anos depois"[5] — em especial em se tratando de práticas espúrias e sigilosas, como o cartel[6] —, desenvolveu-se o entendimento de que nas ações ajuizadas na esteira de uma decisão condenatória da autoridade concorrencial[7], a prescrição fluiria da ciência da lesão e de sua extensão, presumidamente ocorrida com a publicação da decisão final do Cade[8] (teoria subjetiva), e não exatamente da violação do direito (teoria objetiva).

Com a recentíssima inclusão do artigo 46-A à Lei 12.529/2011 (LDC) pela Lei 14.470/2022, a LDC passou a contar com regime jurídico próprio para a prescrição nas ARDCs: prazo prescricional de cinco anos; e ciência do ilícito — presumida com o julgamento final do Cade — como seu termo inicial[9]. A Lei, todavia, não estava vigente quando da decisão pelo STJ.

Finalizada essa breve digressão[10], indaga-se: a conclusão adotada no julgamento do REsp 1.971.316 foi correta?

Relembre-se: a Corte consignou estar prescrita a pretensão reparatória de produtor rural em face de empresa supostamente envolvida no "cartel do suco de laranja" com base nos seguintes fundamentos: i) quanto ao prazo prescricional aplicável, consignou que seria o trienal, das pretensões reparatórias por ilícito extracontratual, posto que a demanda não seria baseada em descumprimento contratual; ii) no que concerne ao dies a quo, assinalou que a contagem da prescrição começaria com a ciência da vítima em relação à conduta que afirma ser ilícita (coincidente com a celebração dos contratos), tendo em conta a inexistência de decisão condenatória do Cade reconhecendo o cartel e a ausência de confissão da empresa no TCC[11]. O Tribunal concluiu, então, que o produtor rural teria ciência do ilícito desde a celebração dos contratos, em 2001 e 2003, não podendo mais pleitear reparação por supostos preços cartelizados.

Sobre o primeiro ponto, a decisão andou em linha com a jurisprudência e a doutrina que vinha se consolidando em torno do posicionamento dogmático das ARDCs no domínio da responsabilidade civil extracontratual (ou aquiliana)[12]. Acertou, assim, ao aplicar o prazo trienal do inciso V, §3º, artigo 206, CC, por estar em voga relação cível, não consumerista.

Já com relação ao segundo ponto — dies a quo da prescrição — a decisão parece não ter sido a mais adequada.

A decisão transparece que se as empresas investigadas no "cartel do suco de laranja" houvessem sido condenadas pelo Cade, a prescrição teria fluído somente a partir da decisão condenatória. Como isso não ocorreu — e a decisão foi extintiva em razão do cumprimento do TCC —, o Tribunal entendeu que esse entendimento não se aplicaria.

Com efeito, é impossível às vítimas anteciparem o resultado de um inquérito ou processo administrativo. Dessa forma, se a teoria subjetiva do dies a quo considera a prescrição como uma sanção à inércia da parte —  conforme ressaltado —, não se pode considerar inerte a parte que aguarda o desfecho no Cade antes de exercer sua pretensão. E esse entendimento é válido tanto para um caso findo em condenação como em outro resultado — como a extinção pelo cumprimento do TCC. A previsão expressa do caput do artigo 46-A, de que a prescrição não corre durante o curso do inquérito ou do processo administrativo, vem para corroborar essa leitura[13].

Pode-se, é verdade, discordar da premissa de que nas ARDCs a prescrição teria como termo inicial a ciência do lesado — e aqui a discussão seria outra —, mas uma vez adotado posicionamento em linha com a teoria subjetiva, não é coerente distinguir o dies a quo da prescrição em razão da natureza da decisão extintiva proferida pelo Cade, seja ela condenatória ou extintiva pelo cumprimento de TCC.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II—Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[1]STJ, REsp 1.971.316, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 25/10/2022.

[2]STJ, Informativo n. 756, de 14 de novembro de 2022.

[3]CORREIA, Atalá. Prescrição: entre passado e futuro. São Paulo: Almedina, 2021, ebook.

[4]CORREIA, Atalá. Prescrição... cit.

[5]SANTOS, Marcelo Rivera. Ação privada de ressarcimento civil derivada de conduta anticoncorrencial: do termo inicial da prescrição. Revista de Defesa da Concorrência, v. 3, n. 1, p. 133-160, mai.-2015, p. 12.

[6]MAGGI, Bruno Oliveira. Cartel: responsabilidade civil concorrencial. São Paulo: RT, 2021. p. 201.

[7] São as chamadas ações follow on (ou de seguimento), em oposições às chamadas ações stand alone, que buscam, por si só, e independentemente do inquérito ou processo administrativo desenvolvido perante a autoridade concorrencial, o reconhecimento da infração da ordem econômica e as reparações daí a avindas (CARAVACA, Alfonso-Luis Calvo; SUDEROW, Julia. El efecto vinculante de las resoluciones de las autoridades nacionales de competência em la aplicación del derecho antitruste. Cadernos de Derecho Transnacional, v. 7, n. 2, p. 114-157, out. 2015).

[8]Ilustrativos desse entendimento: “A prescrição trienal não tem início antes do término do processo administrativo perante o CADE ou o trânsito em julgado da ação penal instaurada contra os administradores ou empregados responsáveis para a apuração dos fatos, em conformidade com o art. 200 do Código Civil, pois somente a certeza dos fatos obriga o prejudicado a agir em juízo, não antes, para evitar-se ações infundadas – (...)” (TJSP, Apelação Cível 1076386-55.2017.8.26.0100, Rel. Des. Alcides Leopoldo, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 10/02/2022, Dje 11/02/2022); “Termo inicial do prazo prescricional que corresponde à data da decisão final do Cade - princípio da "actio nata" – ação não prescrita – extinção do processo não cabível” (TJSP, Agravo de Instrumento 2103903-90.2018.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Eurico, 33ª Câmara de Direito Privado, j. 18/02/2019; Dje 21/02/2019). A propósito: MAGGI, Bruno Oliveira. Cartel... cit.

[9]“Art. 46-A. Quando a ação de indenização por perdas e danos originar-se do direito previsto no art. 47 desta Lei, não correrá a prescrição durante o curso do inquérito ou do processo administrativo no âmbito do Cade; § 1º Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados pelas infrações à ordem econômica previstas no art. 36 desta Lei, iniciando-se sua contagem a partir da ciência inequívoca do ilícito;§ 2º Considera-se ocorrida a ciência inequívoca do ilícito por ocasião da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo Cade.”

[10]Evidentemente, a questão precisa ser mais aprofundada, especialmente diante da nova Lei, o que foge do escopo deste texto.

[11]STJ, Informativo n. 756, de 14 de novembro de 2022.

[12]SANTOS, Marcelo Rivera. Ação privada de ressarcimento civil derivada de conduta anticoncorrencial... cit.

[13]Mas a norma pode ser questionada em termos lógicos: se a ciência inequívoca estipulada pelo §1º ocorre com a publicação da decisão final do Cade (§2º), de que adianta deduzir a não-fluência do prazo prescricional se ele ainda nem começou? (GRINBERG, Mauro; CORDÃO, Catarina Lobo. A prescrição da ação de recuperação de dano concorrencial. Jota, 18/11/2018).

Categoria(s): 

#GRAinforma

Notícias relacionados

seg, 07 de fevereiro de 2022

Prefeito de Casimiro de Abreu é multado por divulgar pesquisa irregular na campanha eleitoral

Fonte: TRE RJ Por unanimidade, o Colegiado do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) manteve, na sessão desta […]
Ler mais...
sex, 29 de novembro de 2013

TSE multa deputado federal por propaganda antecipada voltada para eleições de 2010

Por maioria de votos (4x3), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aplicou, na sessão desta quinta-feira (28), multa de R$ 10 […]
Ler mais...
sáb, 28 de fevereiro de 2015

Partidos devem ficar atentos às novas regras para prestação de contas

O presidente do TRE, desembargador Geraldo Augusto, enviou na última semana ofícios para os diretórios regionais de partidos políticos alertando […]
Ler mais...
sex, 13 de julho de 2018

Não existe direito de conceder entrevista, diz juíza, sobre campanha de Lula

Não há previsão constitucional ou legal que embase direito de presos a conceder de entrevistas ou participar de debates eleitorais. Com esse entendimento, […]
Ler mais...
cross linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram