Fonte: Conjur
O vice-governador que preside conselhos deliberativos de autarquias estaduais não precisa se desvincular desses postos seis meses antes das eleições para concorrer a cargos públicos.
Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral manteve Eliane Aquino (PT-SE) elegível. Ela foi eleita suplente de deputado federal nas eleições de 2022. A decisão foi tomada por maioria apertada de 4 votos a 3, em julgamento encerrado nesta quinta-feira (9/2).
O caso de Eliane é bastante específico, mas reforça a conduta do TSE de interpretar as causas de inelegibilidade de forma restritiva, sem ampliações fora da letra da lei. O resultado também é importante porque preserva o quociente eleitoral do partido e suas vagas na Câmara dos Deputados.
Para o advogado José Rollemberg Leite Neto, do Eduardo Ferrão Advogados Associados, que defendeu Eliane Aquino, a decisão enfatizou a segurança jurídica.
“A desincompatilização de presidentes de conselhos deliberativos de autarquias não é prevista expressamente pela Lei de Inelegibilidades. Seria necessária uma interpretação elástica dos preceitos para justificar esse dever de afastamento. A decisão prestigiou a elegibilidade e a interpretação restritiva das regras que limitam direitos fundamentais eleitorais”.
Inelegibilidade em pauta
O processo discute a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso II, alínea "a", número 9, da Lei Complementar 64/1990. A regra diz que estão inelegíveis para os cargos de presidente e vice da República os que, até seis meses antes da votação, não se afastaram definitivamente das funções de presidente, diretor ou superintendente de autarquia. O artigo 1º, incisos V e VI, estendem essa inelegibilidade aos que concorrem ao Senado e à Câmara dos Deputados.
Eliane Aquino estaria sujeita a essa norma porque cumpria mandato de vice-governadora do Sergipe. Por determinação de lei estadual, isso a tornou automaticamente a presidente dos conselhos deliberativos de diversas autarquias estaduais, cargos dos quais ela não se afastou durante a corrida eleitoral.
Para o Tribunal Regional Eleitoral do Sergipe, isso a tornou inelegível. Monocraticamente, o ministro Sérgio Banhos, relator, deu provimento ao recurso para afastar a inelegibilidade, deferindo o registro da candidatura da vice-governadora.
Interpretação restritiva
O Plenário do TSE se debruçou sobre o recurso interposto contra a decisão monocrática. A maioria de votos se formou por não conhecer do pedido, graças a óbices processuais. Mesmo assim, todos os votos enfrentaram o mérito da controvérsia.
Para o ministro Banhos, Eliane Aquino não poderia estar inelegível porque a lei eleitoral não prevê especificamente o caso de membros de conselhos deliberativos de autarquias. Assim, não caberia ao Poder Judiciário fazer essa ampliação interpretativa.
"As normas limitadoras da capacidade eleitoral passiva devem ser objeto de interpretação restritiva", concordou o ministro Carlos Horbach, que retomou o julgamento com voto-vista nesta quinta. Também votaram nessa linha os ministros Ricardo Lewandowski e Benedito Gonçalves.
Especificidade do caso
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Alexandre de Moraes, acompanhado pelo ministro Raul Araújo e pela ministra Cármen Lúcia. Para eles, Eliane Aquino deve ser considerada inelegível pelo impacto que a função exercida nas autarquias ofereceu à sua candidatura.
Os conselhos deliberativos presididos por ela, por força de lei, não se limitavam a orientar e fiscalizar, mas podiam administrar recursos. Na Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), por exemplo, ela poderia definir a celebração de convênios. E no Detran, deliberar sobre contratos.
"Isso influencia nas eleições? Quem já atuou no Executivo sabe que o que mais influencia nas eleições são os convênios assinados com prefeitos", afirmou o ministro Alexandre. Em sua opinião, essa especificidade dá aos cargos ocupadas pela vice-governadora um potencial eleitoral gigantesco.
O ministro Lewandowski entendeu a preocupação, mas ressaltou que exercer tais cargos não foi uma escolha da vice-governadora. "Não foi ato de vontade, ela simplesmente foi levada ao posto por força de lei estadual", pontuou ele.
"Concordo", disse o ministro Alexandre. "Mas, assim como durante os seis meses antes da eleição ela não poderia assumir governo do estado, por vedação legal, ela deveria ter se licenciado desses cargos no mesmo período", acrescentou ele.
Ao votar com a divergência, a ministra Cármen Lúcia afirmou que a inelegibilidade respeitaria o espírito da lei. "O que busca a lei? Impedir que haja esse conflito, essa confusão de interesses de um candidato com o que ele pode dispor, colocando em outras condições em relação aos demais candidatos", explicou ela.
RO 0600674-55.2022.6.25.0000