Fonte: Conjur
A distribuição das cadeiras decorrentes de sobras eleitorais nas eleições proporcionais deve ser feita entre todas os partidos que tenham obtido voto. Limitar o direito a essas vagas apenas às legendas que alcançaram 80% do quociente eleitoral fere a letra e o espírito da Constituição Federal.
Essa foi a proposta apresentada pelo ministro Ricardo Lewandowski, relator de três ações diretas de inconstitucionalidade que começaram a ser julgadas no Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (7/4). O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
As ações foram ajuizadas por partidos políticos para questionar o inciso III do artigo 109 do Código Eleitoral, que foi alterado pela Lei 14.211/2021. Elas sustentam que a regra limita o pluralismo político, fere a lógica do sistema representativo e desvirtua o modelo vigente no país.
Lewandowski, que é relator do caso e se aposenta na terça-feira (11/4), propôs dar interpretação conforme a Constituição a essa norma do Código Eleitoral, de maneira a permitir que todas as legendas e seus candidatos participem da distribuição das cadeiras remanescentes, independentemente de partidos e postulantes terem alcançado a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral, respectivamente.
Isso porque o princípio da anualidade eleitoral indica que as decisões que, no curso do processo eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos nas eleições posteriores.
Como funciona hoje
A distribuição das vagas nas eleições proporcionais começa pelo cálculo do quociente eleitoral: divide-se o número de votos válidos apurados na eleição pela quantidade de vagas a serem preenchidas. Se o resultado for número incompleto, deve-se desprezar a fração.
Na sequência, calcula-se o quociente partidário: divide-se o número do quociente eleitoral pelo número de votos válidos dados a cada legenda. Mais uma vez, nesse resultado despreza-se a fração. Esse número corresponde à quantidade de vagas a que a legenda terá direito.
Preencherão essas vagas os candidatos de cada legenda que tenham recebido votos em número igual ou superior a 10% do quociente eleitoral. Encerrada essa fase, parte-se para a distribuição das sobras — as vagas que não foram preenchidas pelo critério inicial.
Assim, essas cadeiras serão distribuídas por média: divide-se o número de votos válidos atribuído a cada partido pelo número de lugares por eles obtido, acrescentando-se 1. O partido que tiver a maior média preenche o primeiro lugar e assim por diante.
Para ter direito a essa sobra, o artigo 109, parágrafo 2º do Código Eleitoral exige que o partido tenha obtido ao menos 80% do quociente eleitoral e, o candidato, ao menos 20% do mesmo quociente. Essa foi a regra atacada nas ações julgadas pelo STF.
Por que mudar?
Segundo Ricardo Lewadowski, limitar a distribuição das sobras nas eleições proporcionais fere um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: o pluralismo político. O risco, aqui, é de desempoderar e até extinguir legendas menores.
Isso traria impactos graves em questões diversas como o que o ministro define como “desafio do rejuvenescimento dos quadros partidários” e até na criação de crises de representatividade que podem desaguar em severas instabilidades institucionais.
“Toda e qualquer norma que tenha por escopo restringir a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, viola os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito”, afirmou o relator.
Outro ponto observado por ele é o fato de que a regra que limita a distribuição de sobras abre a brecha para beneficiar candidatos que com votações consideravelmente distintas em relação aos seus adversários na urna.
Isso aconteceria no caso de um candidato com muitos votos e que, portanto, bateu a marca de 20% do quociente eleitoral, mas cujo partido teve desempenho pífio com outros concorrentes. Se essa legenda não alcançou 80% do quociente, esse candidato ficaria sem a vaga.
A cadeira que sobrou, por outro lado, poderia ficar com alguém que teve muito menos voto, que mal tenha alcançado os 20% exigidos pela lei, mas cujo partido tenha passado os 80% do quociente eleitoral.
“Considero, no ponto, ser inaceitável que o Supremo Tribunal Federal chancele interpretação da norma que permita tamanho desprezo ao voto, mormente em favor de candidato com baixíssima representatividade e, conforme os critérios empregados na segunda fase, pertence à agremiação já favorecida pela atual forma de cálculo”, afirmou o ministro.
Clique aqui para ler o voto de Ricardo Lewandowski
ADI 7.228
ADI 7.263
ADI 7.325