Fonte: Conjur
Em julgamento feito nesta quinta-feira (27/4), o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a interpretação que relativizaria o uso de elementos como votação mínima e poucos gastos de campanha como indícios da prática de fraude à cota de gênero nas eleições. Para a corte, esses fatores sempre indicam a ocorrência do ilícito.
No TSE, o relator, ministro Sérgio Banhos, identificou que os elementos configuradores da fraude estão todos presentes: votação diminuta, ausência de campanha em redes sociais, despesas eleitorais reduzidas e inexistência de propaganda impressa.
Embasado pela ampla jurisprudência sobre o tema, ele deu provimento ao recurso para cassar a chapa completa. No entanto, uma parte do colegiado divergiu por entender que os elementos configuradores da fraude não são tão óbvios assim.
As acusadas pela fraude gastaram R$ 300 e R$ 200 em suas campanhas. Uma obteve nove votos e a outra, apenas dois. Mas nenhuma delas zerou. Além disso, outros candidatos tiveram gastos parecidos no processo eleitoral: alguns se elegeram com menos de R$ 200.
Para o ministro Horbach, isso mostra que os gastos delas não foram irrisórios. "Há elementos que me colocam em dúvida quanto à fraude", afirmou. O ministro Nunes Marques opinou que houve uma "tentativa republicana de cumprimento da norma eleitoral na busca por pessoas do gênero feminino que se dispusessem a se candidatar".
Ele defendeu que a Justiça Eleitoral tenha empatia com essas candidatas que, muitas vezes, são abandonadas pelo próprio partido. "Não é fácil para uma mulher do povo, simples, se candidatar e ter nove votos numa cidade dessas."
O ministro Raul Araújo se incorporou à divergência ao entender que os elementos dos autos indicam que não necessariamente ocorreu a fraude à cota de gênero.
Nó firme
Essa relativização não sensibilizou a maioria e ainda gerou críticas. A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator e destacou que, se alguém recebeu 400 votos numa eleição municipal, outra pessoa que tenha recebido apenas nove pode ser considerada de votação ínfima, o que basta para sugerir a ocorrência de fraude.
O objetivo da cota de gênero, destacou ela, não é gerar empatia, mas condições para que as mulheres vençam sua sub-representação histórica na política. "Não interessa uma sociedade na qual alguns são tão frágeis que, coitadinhos, se o partido os abandonar eles ficam sem obter voto."
O ministro Benedito Gonçalves também acompanhou o relator. E, ao desempatar a votação, o ministro Alexandre de Moraes classificou a fraude no caso julgado como "descarada" porque "não há nenhum indicativo da seriedade das candidaturas"
"Sabemos que em qualquer cidade tem aquela mulher que é conhecida e tem potencial eleitoral. Só que não são essas que os partidos procuram. Eles buscam as que não querem fazer campanha, exatamente para poder eleger os homens. Essa é a fraude: a procura de candidatas que não tenham chance, para perpetuar as candidaturas masculinas."
O ministro afirmou ainda que seria um recado muito ruim se a Justiça Eleitoral permitisse a relativização do entendimento construído sobre o cumprimento da cota de gênero, inclusive de olho nas eleições de 2024. "É muito perigosa essa questão do afrouxamento da fiscalização."
Esclarecimento
Em manifestação durante o julgamento, o ministro Nunes Marques aproveitou para contextualizar sua fala e indicar que a empatia em relação às candidatas deve partir do Judiciário, não dos partidos políticos. Ele defendeu o aparelhamento da Justiça para dar armas para que as mulheres tenham condições iguais no processo político.
"É diferente a situação da mulher que participou de um movimento estudantil, que é uma líder comunitária, de alguém que, por questões econômicas e sociais, é desprovida de um discernimento politico. Essa candidata precisa de um apoio maior do partido. E quando o diretório vira as costas a todos indistintamente, alguns são mais prejudicados."
AREspe 0600392-82.2020.6.06.0075