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TSE já cassou candidaturas em 17 estados por fraude à cota de gênero nas eleições

quarta-feira, 20 de março de 2024
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Apesar de as mulheres serem maioria na população brasileira, correspondendo a 51,5% do total de pessoas conforme o Censo 2022, o número de candidaturas femininas representaram um percentual bem menor que o dos homens nas últimas eleições. E o que os dados da Justiça Eleitoral apontam é que ainda há muitos casos de desrespeito a um dos instrumentos criados para estimular essa participação feminina nos pleitos: a cota de gênero.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou pelo menos 73 ações sobre fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 e 2022, e, delas, 72 resultaram em punição — cassação de candidatura/mandato em todas e declaração de inelegibilidade de candidata envolvida em candidatura fictícia em parte delas.

As ações dizem respeito a casos de 17 estados e, segundo o TSE, são as julgadas sobre fraude à cota de gênero em sessões presenciais do plenário em 2022, 2023 e 2024 (até 4 de março).

Há processos sobre o tema julgados no plenário virtual no período, mas a Corte informou à reportagem não dispor ainda do levantamento de quantas foram.

Em sessão virtual encerrada em 29 de março, por exemplo, o plenário reconheceu fraude à cota praticada nas eleições de 2020 em 14 municípios de seis estados: Caxias, Lago do Junco e Miranda do Norte, no Maranhão; Jaguaré, Guarapari e Mimoso do Sul, no Espírito Santo; Abaetetuba, São Caetano de Odivelas e Igarapé-Miri, no Pará; Goiânia e Hidrolândia, em Goiás; Bonito e Condado, em Pernambuco; e Catas Altas da Noruega, em Minas Gerais.

Os crimes foram cometidos por vários partidos que lançaram candidaturas femininas fictícias para concorrer ao cargo de vereador. Ao reconhecer a fraude, o TSE confirmou a cassação dos registros e dos diplomas das candidatas e candidatos a vereador vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) das siglas nos respectivos municípios, e a anulação dos votos recebidos pelas legendas, com os devidos recálculos dos quocientes eleitoral e partidário.

Há ainda processos sobre fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 e 2022 que não foram, pelo menos por enquanto, julgados pelo plenário Tribunal Superior Eleitoral, mas já tiveram o julgamento realizado pelo plenário de algum dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).

O TRE de Goiás, por exemplo, disse à reportagem que julgou seis ações. Todas resultaram em punições. Em um dos casos, envolvendo o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em Goânia, foi declarada a nulidade dos votos recebidos pela chapa, ocorreu a cassação dos candidatos eleitos e determinação de recontagem dos votos e recálculos do quociente partidário e eleitoral. Houve recurso ao TSE posteriormente.

O TRE do Pará informou ter julgado 72, sendo 63 referentes às eleições municipais de 2020 e nove das eleições gerais de 2022. Dentre o total, 21 resultaram em aplicação de sanção (cassação de candidatura). O tribunal informou ainda o número de processos sobre fraude à cota de gênero recebidos por ele e ainda não julgados: dez.

Tabela processos Pará

O TRE do Piauí julgou 25. Todos referentes às eleições de 2020. Apenas dois culminaram em punições. Em um destes, que também aparece no levantamento do TSE, o TRE concluiu que a fraude à cota de gênero não ficou comprovada, mas houve recurso ao Tribunal Superior Eleitoral e este entendeu que o crime ocorreu e determinou a realização de novas eleições em Gilbués.

No outro que resultou em punição, o TRE-PI cassou os registros dos candidatos investigados e declarou nulos os votos destinados a eles, além de declarar a inelegibilidade, pelo prazo de oito anos, dos candidatos investigados. Há uma terceira ação que o TRE declarou improcedente, mas ainda está aguardando julgamento no TSE.

O TRE do Rio Grande do Norte informou ter julgado sete processos em que houve condenação de cassação de vereadores por fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2020. Foram seis vereadores cassados em Martins, um em Macau, um em Currais Novos e três em Mossoró. Nos processos de Macau, Currais Novos e Mossoró, houve ainda declaração de inelegibilidade. O TRE-RN julgou também um processo por fraude à cota de gênero no pleito de 2020 em que decidiu pela cassação de uma vereadora suplente.

Tabela processos RN

"Não existem, em tramitação neste Tribunal, processos que versem sobre fraude em cota de gênero que estejam pendentes de julgamento, sejam das eleições 2020 ou de 2022", ressaltou o TRE.

O plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul julgou três ações, todas referentes às eleições de 2020. Em todas, reconheceu o crime e confirmou punições.

O TRE de São Paulo julgou 148 processos referentes ao pleito de 2020 e quatro relativos ao de 2022. Em relação aos das eleições municipais, houve a cassação de 26 vereadores, entre outras punições. Dentre as das eleições gerais, apenas um processo foi julgado procedente, mas não ocorreu cassação de mandato. Há no tribunal ainda um processo sobre fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 pendente de julgamento no plenário e nove do pleito de 2022.

O TRE de Sergipe informou que, entre 2021 e 2024, foi reconhecida a prática de fraude à cota de gênero em 11 processos do estado, todos com determinação da anulação da votação obtida pelo partido no pleito proporcional, com a retotalização dos votos, cassação do mandato das candidaturas vinculadas ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da sigla e reconhecimento de inelegibilidade.

As fraudes aconteceram em oito municípios, envolvendo sete partidos, nas eleições de 2020: Canindé de São Francisco (PSB e PT); Nossa Senhora do Socorro (PSB, Avante e PP), Rosário do Catete (PT), Aracaju (Avante e PSC), Santo Amaro das Brotas (PP), Porto da Folha (PT), Monte Alegre (Podemos) e Indiaroba (Cidadania). No total, 16 vereadores e vereadoras eleitos foram cassados.

O TRE do Rio de Janeiro informou que recebeu 102 ações com o tema fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 e uma em relação ao pleito de 2022. Entretanto, não especificou quantas foram julgadas pelo plenário. O TRE do Distrito Federal disse que não há nenhuma ação tramitando sobre esse tema no âmbito do tribunal. Os demais não enviaram qualquer dado.

Regra

A Lei das Eleições (9.504/1997) estabelece que cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo nas eleições para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras Municipais.

A regra passou a ser obrigatória em 2009. O texto original da Lei das Eleições previa somente a reserva de vagas para a participação das mulheres.

Importância

Para a advogada e cientista política Gabriela Rollemberg, especialista em direito eleitoral e fundadora do Quero Você Eleita (laboratório de inovação política para potencializar a atuação de lideranças femininas nos espaços de poder), "sem dúvida" a cota de gênero é um instrumento importante para a promoção da equidade de gênero na política. Ela ressalta que houve avanços relevantes desde a implementação da cota e que eles poderiam ter sido ainda maiores se ela fosse obrigatória desde o início.

"A partir do momento que passou a ser obrigatória, a gente teve um crescimento [no número de candidaturas femininas] mais razoável, mas ainda com muito desvio, os partidos deixaram muitas vezes de cumprir, sem que houvesse uma penalidade efetiva", pontua.

De acordo com Gabriela, a "grande virada de chave disso tudo foi a visão do TSE que entendeu que quando você não cumpre esse percentual mínimo de candidaturas, isso configura uma fraude e pode levar à cassação da chapa". A partir daí, pontua, houve a cassação de diversas chapas proporcionais, com a punição alcançando todos que foram eleitos a partir da fraude. Assim, atualmente, os partidos são "muito mais cautelosos" na formação delas.

Segundo a especialista, o primeiro caso concreto em que o TSE decidiu pela cassação de uma chapa por fraude à cota foi da eleição de 2016, em Valença (PI). Em 2019, ao julgar o caso, a Corte Eleitoral estabeleceu que a comprovação da fraude afeta toda a coligação ou partido por meio da anulação dos votos recebidos pela legenda envolvida, e resulta na cassação do Drap e dos diplomas e registros vinculados a eles.

Mulheres na política

Gabriela Rollemberg reforça ser importante um número maior de mulheres participando na política. "Nós somos mais da metade da população, mais da metade do eleitorado, mais da metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, e temos muitos problemas no nosso país em relação à questão das mulheres", argumenta.

Em 2023, o Brasil registrou a maior quantidade de casos de feminicídios em nove anos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 1.463 mulheres assassinadas, o equivalente a uma morte a cada seis horas. Ao menos oito mulheres foram vítimas de violência de gênero a cada 24 horas no ano passado. Ao todo, foram registradas 3.181 vítimas, representando um aumento de mais de 22% em relação a 2022.

Segundo a pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023, 47% das brasileiras indicaram ter sofrido assédio sexual – o equivalente a 30 milhões de pessoas.

Conforme a advogada e cientista política, por sofrerem na pele problemas como esses, as mulheres certamente sabem as melhores soluções.

Ela defende que o país poderia ter uma cota de gênero com percentual de 50% para mulheres, tendo em vista que são mais da metade da população.

"Mais importante do que a cota de candidaturas é de fato a cota de cadeiras, para que a gente possa garantir avanços. Porque com todas as ações afirmativas que a gente mencionou, ainda temos apenas 18% na Câmara dos Deputados, por exemplo, enquanto representamos 52% do eleitorado", acrescenta.

Gabriela critica também atuação das siglas na procura de mulheres para cumprir com a cota de gênero. "Os partidos políticos vão atrás delas só muito próximo da eleição. Aí fica difícil de construir candidaturas e candidaturas competitivas. O que eu costumo dizer é que no geral os partidos não querem mulheres eleitas, eles querem candidatas", salienta.

"E a gente não quer mais isso, a gente quer fazer com que essas candidaturas sejam competitivas, sejam eficientes, sejam candidaturas que se convertam em mandato".

Ainda de acordo com a advogada, é preciso melhorar a distribuição de recursos para candidaturas femininas.

"A gente tem dinheiro. A forma que esse dinheiro é distribuído nos partidos ainda se dá de modo muito concentrado em dirigentes homens que fazem valer ali muitas vezes apenas as suas preferências, não necessariamente uma distribuição que tenha como objetivo eleger o maior número de mulheres".

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