O projeto que reduz o prazo de inelegibilidade, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última quarta-feira (21), tem pontos que promovem um aperfeiçoamento da legislação sobre o impedimento temporário da capacidade de disputar eleições, mas também outros prejudiciais e que podem gerar um nível de impunidade na área eleitoral. A análise é do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Horbach, professor de direito constitucional na Universidade de São Paulo (USP).
O projeto, de autoria da deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, recebeu parecer favorável do relator na CCJ, senador Weverton (PDT-MA). A aprovação ocorreu em votação simbólica, quando não há registro individual de votos. Ele será votado ainda no plenário, mas não há, por enquanto, uma data prevista para isso ocorrer.
Na sessão na Comissão de Constituição e Justiça, senadores, incluindo o próprio relator e o presidente, Davi Alcolumbre (União-AP), deram declarações defendendo o projeto. No X (antigo Twitter), o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) disse na quinta (22) ser contra a proposta e que, no plenário, atuará "para garantir ética e transparência nas eleições, assegurando que as inelegibilidades sejam aplicadas de forma justa e rigorosa".
O texto estabelece um período único de inelegibilidade, de oito anos, a partir da data da decisão que decretar a perda do mandato eletivo, da data da eleição na qual ocorreu a prática abusiva, da data da condenação por órgão colegiado ou da data da renúncia ao cargo eletivo, de acordo com o caso.
As novas regras seriam aplicadas imediatamente, inclusive em relação a condenações e fatos passados. Ou seja, até mesmo ex-mandatários que estão inelegíveis seriam alcançados por elas.
O texto acaba com a inelegibilidade por condenação criminal após o cumprimento da pena: atualmente, uma pessoa condenada por crime comum fica inelegível enquanto cumpre a pena e nos oito anos seguintes, mas o projeto antecipa o início da contagem dos oito anos para o momento da condenação.
Horbach avalia que, no caso de perda de mandato por renúncia ou cassação, em que, pelas regras atuais, a inelegibilidade da pessoa incide sobre as eleições que forem realizadas durante o período remanescente do mandato para o qual foi eleita e sobre os oito anos subsequentes a quando ele terminaria, a alteração promovida pelo projeto — de o indivíduo ficar inelegível por oito anos a partir da decisão que cassou o mandato ou do ato de renúncia — é "razoável".
Horbach argumenta que, conforme a regra atual, um senador que renunciar a seu mandato para evitar uma cassação, no primeiro ano do mandato, ficará inelegível por cerca de 15 anos, considerando que o mandato é de oito.
"Se a gente pensar que existem eleições a cada dois anos no Brasil, as eleições gerais e as municipais, isso é um prazo excessivo, é um número muito grande de eleições que a pessoa fica completamente alijada da vida pública".
Ele ressalta ainda que os direitos políticos, alvo da inelegibilidade, são direitos fundamentais.
"Todas as restrições a direitos fundamentais têm que ser as mais pontuais possível, precisam ser as mais restritas, para evitar uma iniquidade, para evitar uma injustiça".
Por outro lado, na avaliação do professor, são "deletérios" e "podem gerar um grau de impunidade na seara eleitoral" os pontos que alteram o prazo da inelegibilidade nos casos dos condenados em decisão definitiva ou de órgão judicial colegiado e de condenados à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa.
"Hoje, nesses dois casos, os oito anos contam a partir do cumprimento da pena. E, na redação, passará a ser oito anos a partir da decisão colegiada que determinar a condenação criminal ou a perda dos direitos políticos", explica Horbach.
"Nesse caso concreto, a inelegibilidade vai acabar sendo consumida pela própria pena que a pessoa vai cumprir, seja no âmbito criminal, seja no âmbito da improbidade administrativa. E aí, no fundo, a inelegibilidade fica esvaziada, ela se perde, ela deixa de ter qualquer peso no contexto eleitoral."
Abuso de poder e caso Bolsonaro
No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro da Defesae e ex-candidato a vice Walter Braga Netto por abuso de poder político e econômico.
O projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça diz que, nos casos de condenação, pela Justiça Eleitoral, por prática desses abusos, só haverá sanção de inelegibilidade quando houver comportamento grave apto a levar à cassação de registro, de diploma ou de mandato, exigência que não existe atualmente.
Horbach avalia que essa alteração é positiva também, por ir no sentido de um "tratamento mais justo para situações que não são de fato tão severas ou tão graves para o cenário político eleitoral", e diz ser equivocada a interpretação do trecho no sentido de que quem não ganhou a eleição e não perdeu o mandato, como Bolsonaro e Walter Braga Netto, não estaria inelegível.
"Não é o que está previsto na norma. Essa leitura de que quem perdeu a eleição nunca fica inelegível é uma leitura que não se retira do texto que foi aprovado pelo Senado", pontua.
"Na verdade, é uma descrição em tese de uma situação. Pessoas que foram condenadas por abuso de poder político e econômico, por atos graves, que levem ao indeferimento do registro, à cassação do diploma ou do mandato."
A advogada e cientista política Gabriela Rollemberg, especialista em direito eleitoral, avalia que esse trecho do projeto é delicado.
"Pela redação, gera algum tipo de dúvida sobre a incidência ou não de inelegibilidade de pessoas que não têm mandatos, que não têm registro e que são condenados à inelegibilidade com base no artigo 22 da Lei de Inelegibilidade", pontua.
Para a advogada, da forma como está escrito, a alteração poderia eventualmente beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
"A questão toda que vai se colocar é a compatibilidade da interpretação desse trecho com a Constituição e com o próprio sistema jurídico eleitoral, que permite que você tenha uma ação que prevê a possibilidade da decretação da inelegibilidade de forma específica, como foi o caso dele", pondera.
"Não faz sentido que você possa decretar uma inelegibilidade e tenha uma ação prevista exclusiva para isso que na prática não cumpra qualquer efeito. Então é necessário aí ter uma interpretação conforme a Constituição".
Rollemberg vê o projeto como positivo, porém, no trecho em que estabelece um período único de inelegibilidade.
"A gente sabe quantos anos pode levar um processo criminal para ter o trânsito em julgado. Você começar o cumprimento da pena e os oito anos se iniciarem depois desse cumprimento significa que uma pessoa poderia estar ficando inelegível por 20 ou 30 anos, quase que uma pena perpétua", ressalta.
"Então de fato a gente tem, a partir desse projeto, um equilíbrio em relação a situações como essa".
Para a advogada, o sistema de inelegibilidade no Brasil "ficou realmente muito restritivo" e é importante que se preserve o direito do cidadão se candidatar.
"Não faz sentido que a gente tenha essa restrição de uma forma desarrazoada, desproporcional, por um período de tempo que não é razoável."
Segundo ela, é necessário realmente equilibrar os prazos de inelegibilidade para que fiquem "mais razoáveis".