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Projeto de lei pode abrir margem para anular inelegibilidade de Bolsonaro

terça-feira, 03 de setembro de 2024
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, caso seja sancionado na sua versão atual, abrirá margem para uma revisão da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo advogados especializados em Direito Eleitoral ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Essa avaliação, no entanto, não é unânime.

 

 

Entre outras mudanças na legislação eleitoral, o texto prevê que a alínea “d” do artigo 1º da Lei Complementar 64/1.990, que estabelece a inelegibilidade de pessoas condenadas por abuso de poder político — caso do ex-presidente —, passará a exigir a ocorrência de “comportamentos graves aptos a implicar a cassação”. É aí que mora a controvérsia, uma vez que Bolsonaro não foi cassado.

A proposta foi aprovada na Câmara no ano passado e ganhou recentemente urgência para tramitar no Plenário do Senado.

Bolsonaro elegível?

A redação atual da LC 64/90 reconhece como inelegível, na alínea sujeita a mudança, quem tenha contra si uma “representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados” e nos oito anos seguintes.

A inelegibilidade imposta a Bolsonaro encontra amparo nesse dispositivo. Condenado por abuso de poder político e dos meios de comunicação nas eleições de 2022, ele está impedido de aparecer nas urnas até 2030.

Com a sanção do PLP, no entanto, a mesma alínea passaria a prever como inelegíveis as pessoas condenadas “por comportamentos graves aptos a implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos, pela prática de abuso do poder econômico ou político”.

Na decisão do Tribunal Superior Eleitoral que tornou Bolsonaro inelegível, o ministro Benedito Gonçalves, acompanhado por unanimidade pelos pares, destacou que não seria aplicada a “cassação do registro de candidatura dos investigados, exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita”.

Para Márlon Reis, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, a redação atual do PLP 192/23 abrirá uma margem clara para Bolsonaro solicitar a reconquista da elegibilidade, uma vez que o ex-presidente não foi cassado.

“No julgamento que o afetou, o acórdão focou exclusivamente na configuração do abuso de poder, uma vez que não se tratava de uma ação capaz de gerar a cassação de diplomas ou mandatos. Com a nova redação, o argumento de que a inelegibilidade só deve incidir quando houver efetiva cassação poderia ser explorado pela defesa, visando a reverter a situação de inelegibilidade”, afirmou Reis, para quem a derrota eleitoral não pode servir como anistia.

Gabriela Rollemberg, advogada, cientista política e cofundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), concorda com o colega. E ela defende que o texto do projeto conflita com o inciso XIV do artigo 22 da LC 64/1.990, que prevê a decretação de inelegibilidade, além da cassação do registro ou diploma, do candidato beneficiado por abuso de poder.

“Nesse ponto, acredito que a redação não está adequada ao processo constitucional eleitoral, considerando o sistema eleitoral em si, que não pode ser analisado em tiras, mas de uma forma sistêmica”, comentou a advogada. Ela reforça a ideia de que o novo texto (desde que aprovado como está) abrirá espaço para o questionamento da inelegibilidade de Bolsonaro: “Gera um constrangimento, tendo em vista que é uma decisão da Justiça Eleitoral, e não faz sentido que ela não surta efeitos”.

Já Fernando Neisser, também confudador da Abradep e professor de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas, entende que o texto não afetaria a condição do ex-presidente, uma vez que o voto do ministro Benedito deixou claro que se trata de um caso de cassação, que só não se consumou porque Bolsonaro não foi reeleito.

“Aqui a mudança é para tratar de situações em que a pessoa tenha respondido por abuso e conduta vedada, e a corte tenha entendido que o fato não era tão grave para cassar e só tenha aplicado a multa da conduta vedada. E, nesse caso, de fato, não faz sentido imaginar que aquilo deva deixar inelegível se não foi grave nem para cassar um registro de candidatura. Então, me parece que só se corrigiu um defeito (na lei).”

Arthur Rollo também acredita que a proposta legislativa não abre margem para a contestação da condição de inelegível de Bolsonaro, uma vez que a gravidade do caso do ex-presidente se mantém.

“Hoje a única pena do artigo 22 é a cassação. Não cabe multa. Se é grave, cassa. Se não é, se julga improcedente. Essa mudança, na prática, já acontece nos julgamentos. O ideal seria modificar para permitir a multa nos casos menos graves, porque, às vezes, não cabe cassação, mas caberia multa. Hoje, nesses casos, não há pena alguma.”

Um outro ponto do projeto de lei complementar foi elogiado pela maioria dos eleitoralistas ouvidos pela ConJur: aquele que corrige um desequilíbrio na contagem do prazo de inelegibilidade.

A norma hoje prevê, para senadores, deputados, vereadores, governadores e prefeitos cassados, que eles são considerados inelegíveis “para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura”. Com o novo texto, a punição duraria apenas “nos oito anos subsequentes à data da decisão que decretar a perda do cargo eletivo”.

“É uma mudança isonômica. A ideia é tratar com prazos de oito anos todas as situações. Se tivéssemos a situação de um senador que renunciou em um primeiro ano de mandato, ele ficaria inelegível por sete anos, que é o tempo até o término daquele mandato, e por mais oito. Então ficaria 15 anos inelegível”, argumentou Neisser, para quem não é possível tratar a medida como imoral ou errada apenas por eventualmente reduzir esse período fora das urnas.

“Às vezes, a mesma conduta traz hoje a implicação da inelegibilidade por prazos muitos diferentes, e o texto agora tentar trazer alguma isonomia, equilíbrio e proporcionalidade”, disse Gabriela Rollemberg.

“Ficar oito anos fora da política já é uma pena bastante grave e, repito, suficiente”, comentou Rollo.

Retrocesso na Ficha Limpa

Márlon Reis, porém, entende que essas mudanças seriam um retrocesso para a moralização do processo eleitoral e para o combate à corrupção, objetivos que, segundo ele, nortearam a Lei da Ficha Limpa.

“No caso de senadores, por exemplo, se alguém for cassado logo no início do mandato, praticamente não haverá inelegibilidade, já que o novo prazo seria contado a partir da data da decisão, o que esvazia completamente a sanção originalmente prevista. O mesmo ocorre com condenados criminalmente: a adoção da fórmula proposta pelo projeto de lei implicaria, na maioria dos casos, na ausência completa de inelegibilidade, criando uma situação ainda pior do que a que existia antes da aprovação da Lei da Ficha Limpa”, argumentou o advogado.
Essa mudança poderá favorecer, entre outros nomes, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que é pai da autora do PLP 192/23,  a deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ).

O ex-parlamentar foi cassado em 2016. Pela contagem atual do prazo de inelegibilidade, ele continuará fora das urnas até 2026. Caso seja aprovado o PLP em sua versão atual, inclusive com a previsão de surtir efeito sobre condenações e fatos anteriores à sua sanção, Cunha estaria inelegível apenas até este ano de 2024 e, portanto, poderia concorrer no próximo pleito.

Em 2022, Eduardo Cunha chegou a se lançar candidato a deputado estadual em São Paulo após obter uma sentença favorável do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para suspender a resolução da Câmara que cassou seu mandato. Contudo, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, anulou a decisão ainda naquele ano.
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