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Parâmetros para o Poder Judiciário intervir em políticas públicas são insuficientes

quinta-feira, 20 de julho de 2023
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Por Sérgio Rodas

Os parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal para o Poder Judiciário intervir em políticas públicas ajudam a aumentar o controle sobre decisões abusivas de magistrados sobre assuntos que cabem a gestores estatais. Porém, a corte atuou de forma ativista ao estabelecer bases para o futuro. E não tratou de um ponto essencial: a Justiça só pode impor medidas que possam ser universalizadas e não gerem gastos indevidos ao erário, tudo isso de acordo com analistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

O caso teve origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no intuito de obrigar a prefeitura da capital fluminense a aparelhar um hospital municipal e contratar pessoal para o corpo técnico. O pedido foi negado em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça do Rio determinou o preenchimento de cargos, com nomeação e posse dos profissionais aprovados em concurso, além da correção de outras irregularidades apontadas em um relatório do Conselho Regional de Medicina. Em seguida, a prefeitura alegou ao Supremo que a competência para tomar tais medidas é exclusiva do Executivo, com necessidade de autorização orçamentária.

Seguindo o voto do ministro Luís Roberto Barroso, o STF aprovou a seguinte tese de repercussão geral:

1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes. 2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado; 3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP)".

No caso concreto, Barroso entendeu que as providências determinadas pelo TJ-RJ não estavam alinhadas com os parâmetros de sua tese. Isso porque o tribunal estadual não se limitou a indicar a finalidade e interferiu "fortemente no mérito administrativo". Por isso, o ministro votou por anular o acórdão e determinar o retorno dos autos à origem, para novo exame.

Sem universalização
A decisão do Supremo tem o ponto positivo de buscar fixar balizas para a intervenção do Judiciário em políticas públicas. No entanto, a corte extrapolou seu papel, no entendimento do jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá.

"Como sempre, o STF ignora a diferença entre ativismo e judicialização. Ativismo é sempre prejudicial à democracia. Ativismo é behavioristico, pois o tribunal se substitui ao legislador. Judicialização é contingencial. Obedecidos alguns pressupostos, vistos em cada caso, pode ser feito. Qualquer Suprema Corte ou tribunal constitucional faz isso", sustentou Streck.

"O que é inadequado é fixar bases para o futuro como se o STF fosse o legislador ou o próprio Poder Executivo. Judiciário não decide para o futuro; quem faz isso são o Legislativo e o Executivo. De novo: é contingencial a intervenção do Judiciário. O que o STF fez foi transformar a exceção em uma regra. Nem o legislador iria tão longe", continuou o jurista.

Segundo ele, o Judiciário só pode intervir em políticas públicas quando houver um direito subjetivamente exigível; a decisão puder ser universalizada (ou seja, concedida em favor da qualquer pessoa); e se for possível transferir recursos das demais pessoas para fazer a felicidade de algumas sem ferir a isonomia e a igualdade. Se qualquer desses critérios for contrariado, a Justiça estará atuando de forma ativista, afirmou Streck.

"Qualquer decisão que não possa ser universalizada e que imponha transferência de recursos indevidamente é inadequada, isto é, inconstitucional. Tribunais devem decidir por princípio, não devem decidir por políticas. Não é sua função melhorar a vida da sociedade ou piorar. Tribunal não combate crime, não deve fazer políticas públicas. Só na exceção pode judicializar — quando estiverem sob risco direitos fundamentais que não podem ser atendidos por outro modo."

Parâmetros compreensíveis
O Brasil tem um elevado grau de judicialização. Dessa maneira, é compreensível que o STF tenha procurado fixar alguns parâmetros para a intervenção judicial em políticas públicas, de acordo com o professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm. "Em outros países, como na Europa continental e na América do Norte, esse nível de intervencionismo seria considerado exagerado, recomendando maior autocontenção judicial".

O controle de políticas públicas feito por juízes, sem critérios claros, nem uniformes, é normalizado no Brasil, mas gera disfunções problemáticas, destaca Binenbojm. São elas: assimetrias no tratamento de indivíduos e grupos por decisões orientadas por critérios distintos; perda de eficiência, como a decorrente do atraso na implementação de políticas, insegurança jurídica em projetos do setor público e perda de economia de escala; e problemas de legitimidade decorrentes da secundarização da política e das escolhas democráticas, substituídas por preferências dos agentes de controle.

"Então, penso que o STF deve procurar balizar o controle judicial da gestão pública, evitando que o país tenha 'gestores' sem conhecimento da realidade, sem expertise e sem legitimidade para a tomada de decisões públicas", ressalta o professor da Uerj.

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Marcelo Figueiredo lembra que, até 30 anos atrás, era "praticamente impossível" defender que o Judiciário interferisse em políticas públicas. "De fato, em um Estado de Direito, compete genericamente ao Legislativo criar o Direito, ao Executivo, governar, implementar os princípios e normas criados pelo Legislador e ao Judiciário, simplesmente julgar os conflitos individuais e coletivos, em caráter definitivo."

Com a Constituição de 1988, uma carta detalhista e analítica, abriu-se espaço para o Judiciário, ao julgar a inconstitucionalidade das leis, também julgar inconstitucionais políticas públicas que se encontram desenhadas no texto constitucional, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, de acordo com Figueiredo.

"Evidentemente, ao realizar esse tipo de julgamento, sem muito critério, no mais das vezes o Judiciário acaba por interferir diretamente no âmbito exclusivo de competências de outro poder, especialmente do Executivo, ainda que com alguns cuidados. Esse último julgamento do STF, de um lado, foi um avanço porque procura estabelecer critérios mais seguros para que não haja esse tipo de indesejada invasão. Mas, do outro lado, parece-me que ainda é um parâmetro insuficiente para evitar que novos julgamentos invadam a competência dos demais poderes, especialmente do Executivo."

Boas e más intervenções
Nos últimos tempos, o Supremo acertou ao intervir em políticas públicas, na visão de Lenio Streck, quando mandou o governo federal apresentar plano nacional de imunização contra a Covid-19 — inclusive com as ordens de preferência dentro dos grupos prioritários — e autorizou estados e municípios a importar e distribuir vacinas.

Outra decisão correta do STF, conforme Streck, foi a de que o ensino domiciliar não está previsto na Constituição Federal e depende de lei específica para ser permitido no Brasil.

Por outro lado, de acordo com o jurista, o Supremo errou ao permitir o cancelamento de decisões definitivas (transitadas em julgado) a partir da mudança de entendimento da corte em questões tributárias. Isso porque a tese não será usada em todos os demais casos. Ele também diz que o STF agiu de maneira ativista ao declarar o estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.

De forma geral, o Judiciário interfere indevidamente em políticas públicas, segundo Marcelo Figueiredo, ao determinar a construção ou duplicação de rodovias; ao ordenar a importação de medicamentos experimentais, fora da lista do SUS; ao impor a construção de creches ou postos, inclusive sem previsão orçamentária; e ao suspender leis aprovadas com larga maioria no Legislativo, sem qualquer indicação de vício de inconstitucionalidade.

Um exemplo dessa última forma de atuação, conforme o professor da PUC-SP, foi a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, agora aposentado do STF, de suspender restrições a nomeações para a direção de estatais.

"Há casos de intervenção judicial adequada quando o Judiciário viabiliza o rompimento da inércia e do descaso de autoridades públicas, estimulando a adoção de soluções pela própria administração de acordo com seus limites orçamentários e possibilidades de recursos humanos e materiais. As intervenções judiciais que impõem soluções de forma unilateral, não dialógica, carregam em si o risco real de não serem cumpridas, desmoralizando o sistema. A virtude costuma estar no meio, isto é, na busca por soluções ponderadas e realistas", avalia Binenbojm.

Clique aqui para ler o voto do ministro Luís Roberto Barroso
RE 684.612

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