Conforme noticiado recentemente aqui no Migalhas (novo CPC gera intenso debate no Supremo, um ano depois de ser aprovado1), na sessão plenária de 7/4/16, o STF se colocou em uma situação embaraçosa.
Naquela sessão, dois advogados, cada um representando um dos polos da ação, tinham se inscrito para realizar sustentação oral. Até aí, nenhuma novidade. O problema é que se tratava de agravo regimental em um mandado de segurança que se encontrava na pauta de julgamento (MS 34.023)
O caso gerou muita discussão entre os Ministros, e foi a primeira vez que o tema chegou ao Plenário do STF, desde a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil.
Não obstante a indefinição da Corte sobre o tema – como será visto adiante – uma outra discussão semelhante veio à tona na Sessão Extraordinária do STF marcada para às 17h30 do dia 14.4.2016, em que seriam analisados diversas demandas relacionadas ao processo de impeachment da presidente da República.
Nesta Sessão, havia advogados inscritos para sustentar em outros dois Mandados de Segurança – MS 34.127 e MS 34.130 (no último deles, quem falaria seria o Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo).
Ao apregoar o primeiro deles, o il. Min. Presidente da Corte colocou em votação, em questão de ordem, se caberia a sustentação oral nesse caso, em que seria apreciada, direto pelo Plenário, a medida liminar pleiteada.
Essa controvérsia surgiu pela novidade trazida no art. 937, VI, § 3º, do NCPC, com a seguinte redação:
Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:
(...)
VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;
(...)
3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga.
A norma é explícita ao permitir a realização de sustentação oral pelas partes, além das hipóteses que usualmente os Tribunais já previam – Apelações, Mandados de Segurança, Reclamação, Recursos Ordinários, Especiais e Extraordinários, etc. – também para os agravos internos (ou regimentais) interpostos contra a decisão monocrática denegatória de ação rescisória, mandado de segurança ou reclamação.
Todavia, apesar da clareza solar da norma, os ministros do STF demonstraram aparente surpresa com a situação, e travaram intensa discussão nas duas oportunidades.
Na sessão de 7/4/16, alguns dos Ministros chegaram a se posicionar pela impossibilidade de que fosse permitida a sustentação oral em agravo regimental, apesar da clareza da norma.
Na sessão de 14/4/16, foi dado um veredicto: não cabe sustentação oral em Mandado de Segurança quando o Colegiado aprecia a medida liminar, e não o mérito da impetração.
O debate no Plenário do STF impressiona, por diversos motivos.
Começando pela última Sessão (14.4.2016), causou perplexidade a primeira intervenção do il. Min. Celso de Mello, que inicialmente afirmava a impossibilidade da sustentação em Mandado de Segurança, sob a alegação que esta só caberia caso houvesse agravo regimental
Em que pese as sempre brilhantes lições do Decano da Corte, em todos os seus votos – verdadeiras aulas –,o Novo CPC é explícito: cabe sustentação nos feitos originários dos Tribunais.
Percebendo o possível lapso de Sua Excelência, os Ministros iniciaram os debates e esclareceram a questão. O il. Min. Presidente Ricardo Lewandowski retificou: não caberia a sustentação oral apenas porque em exame a medida liminar, e não o mérito do Mandado de Segurança, ou seja, caso examinado o mérito, não haveria óbice ao uso da palavra pelos advogados. Menos Mal.
Apesar de no primeiro processo examinado naquela Sessão – MS 34.127 – os advogados não terem se manifestado, com a preclusão da matéria, no segundo processo – MS 34.130 – o Advogado-Geral da União interviu e, em questão de ordem, pleiteou a realização de sustentação oral.
Sustentou o Dr. José Eduardo Cardozo que, em que pese a decisão imediatamente anterior (negando o uso da palavra, porque em exame a liminar), a Corte deveria ponderar sobre a excepcionalidade do caso.
Defendeu que caso não houvesse sustentação oral no exame da liminar, possivelmente não seria viável tal procedimento no julgamento de mérito, ante a possibilidade de perda de objeto da impetração, que versava o processo de impeachment na Câmara dos Deputado, a ser votado no dia 17 seguinte.
Apesar da oportuna intervenção, e do Min. Fachin ter se manifestado pela possibilidade de ouvir os advogados, a decisão foi a mesma: inviável a sustentação oral quando em exame apenas a medida liminar, e não o mérito da impetração.
Em que pese discordarmos da posição do STF, temos que respeitá-la. E respeitamos porque: a) houve uma decisão sobre o tema (pois na Sessão anterior, muito se discutiu e nada se decidiu, como será demonstrado adiante); e b) a justificativa para negar a sustentação tem alguma lógica.
Todavia, mesmo respeitando a decisão da Suprema Corte, não podemos deixar de criticá-la, sempre com as mais respeitosas vênias.
A crítica se baseia na excepcionalidade da situação apresentada, em que se examina a medida liminar diretamente pelo Colegiado, e não monocraticamente pelo Relator.
Afinal, não apenas é usual que o Relator examine as liminares, como está expressamente previsto no art. 932, II, do NCPC:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
Ora, se cabe ao Relator decidir a liminar, é excepcional o fato do Tribunal levar diretamente ao Colegiado o exame da medida. E se é excepcional, que se excepcione também o art. 937, possibilitando a sustentação oral também nesses casos.
Afinal, nunca é demais pecar pelo excesso de ampla defesa. Facultar a defesa oral não traz qualquer prejuízo, quer às partes, quer ao bom funcionamento da Corte, como será visto adiante.
Por isso, importante que essa discussão seja retomada, com os advogados lutando pelo seu direito de sustentarem oralmente no excepcional caso de exame de liminar diretamente pelo Colegiado.
Por outro lado, o caso anterior – sustentação oral em agravo regimental em Mandado de Segurança, Ação Rescisória e Reclamação – examinado pelo STF em 7/4/16, é ainda mais delicado.
Primeiro, porque o STF chegou a afirmar que não houve a oportunidade de refletir e debater sobre a questão ali versada.
Ora, sempre com o devido respeito, não podemos esquecer que o Novo CPC foi publicado em 17/3/15, com uma vacatio legis de um ano. Mesmo assim, a questão só foi discutida agora, com o Código em pleno vigor, apesar do Tribunal ter disposto de todo esse lapso temporal para debater e se adequar à novidade.
Em segundo lugar, também impressiona o argumento levantado pelo il. Min. Luiz Fux na Sessão do dia 7/4/16, no que foi acompanhado pelo il. Min. Roberto Barroso, ambos contrários à sustentação oral em agravo regimental.
Segundo Sua Excelência, a razão para obstar a sustentação residira no fato de que o agravo regimental, naquele caso, foi interposto antes da vigência do NCPC. Assim, segundo afirmou, o regime jurídico aplicável ao caso era o do CPC/73, que não previa tal hipótese. O il. Min. Barroso concordou com tal posição, alegando que não há direito subjetivo do advogado.
Sempre com as mais respeitosas vênias ao posicionamento dos il. Ministros, tal entendimento desconsidera a distinção entre a interposição de recurso e o julgamento, no que tange ao aspecto temporal de aplicação da norma.
De fato, não se nega que a norma processual, ao entrar em vigor, tem aplicação imediata, inclusive para os processos em curso. Assim, apesar de iniciado o processo em momento anterior, os atos seguintes à sua vigência se submetem ao novo regramento.
Da mesma forma, devem ser mantidos válidos os atos anteriores, praticados sob a égide da norma pretérita. Esse ponto foi salientado pelo il. Min. Marco Aurélio durante o debate no STF, e tem amparo na ampla e majoritária jurisprudência de nossos Tribunais, e se funda no art. 14 do NCPC.
Dispõe o referido artigo que “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Não podemos confundir o regime jurídico da interposição do recurso com aquele que regula seu julgamento, na hipótese em que a nova legislação que altera o processo entra em vigor nesse interregno, exatamente como ocorreu naquele caso.
Como bem salientou o il. Min. Teori Zavascki ao pedir a palavra durante aquele debate – no que foi acompanhado pelo decano e vice-decano da Corte, os il. Min. Celso de Mello e Marco Aurélio –, uma coisa é o regramento para o manejo do recurso, em que se aplicam as normas vigentes na época de sua interposição, e outra coisa é a possibilidade de sustentação oral, que faz parte do procedimento de julgamento.
Afinal, quando se trata de julgamento, se aplicam as normas vigentes quando do seu início, visto ser este outro instituto processual completamente distinto da interposição do recurso.
Assim, como naquele caso o julgamento se iniciou com o NCPC em pleno vigor, está subsumido ao seu regramento. E se a nova legislação prevê a sustentação oral em agravo regimental no Mandado de Segurança, não se pode adotar procedimento diverso, sob a alegação de que o recurso foi interposto anteriormente.
No final das contas, o STF, infelizmente, não chegou a uma solução.
Como houve o indicativo de adiamento daquele julgamento para que a Corte pudesse refletir sobre a novidade – apesar de prevista há mais de um ano –, o advogado do impetrante desistiu da sustentação oral, no que foi acompanhado pelo patrono da parte adversa.
Uma pena que, pela desistência do advogado, nós perdemos a primeira oportunidade de lutar no STF por uma conquista do NCPC para a Advocacia: a hipótese de defesa oral no agravo interno em Mandado de Segurança, Ação Rescisória e na Reclamação.
Não se nega que a preocupação dos Ministros – e de todos os Tribunais – é legítima, pois diz respeito à sobrecarga de processos que assola o Poder Judiciário.
Com efeito, em uma primeira análise, a impressão é de que essa nova novidade pode delongar, ainda mais, as Sessões de julgamento, prejudicando a razoável duração do processo.
Em que pese serem outros os reais motivos para a morosidade do Poder Judiciário – tema para uma discussão a parte –, quanto ao caso em tela, defendemos que há de se respeitar o direito posto.
O NCPC é indene de dúvidas: cabe sustentação oral no julgamento de agravo regimental em Ação Rescisória, Mandado de Segurança e Reclamação. E ponto final. Não há ressalvas, não há condição, não há qualquer limitação prevista.
A legítima preocupação dos Ministros, por mais relevante que seja, não pode revogar o Novo Código de Processo Civil, ou negar sua aplicação. Nesse ponto específico, não há interpretação diversa que possa se sobrepor à literalidade do art. 937, VI, § 3º, do NCPC.
Ora, se o temor é de que as Sessões fiquem ainda mais longas, mesmo as sustentações orais durando meros 15 minutos, outras soluções devem ser buscadas para otimizar o ofício judicante.
Afinal, o uso da palavra pelos advogados representa a mais pura expressão da ampla defesa. A sustentação oral na tribuna traduz materialmente o papel do advogado na busca incansável pela justiça ao seu cliente.
Da mesma forma que é essencial que os Ministros profiram oralmente seus votos nas Sessões, se utilizando da oratória pelo tempo que for necessário, também é essencial que os advogados tenham a oportunidade de exercer esse direito, que pertence ao jurisdicionado, mesmo que por um curto tempo.
A prerrogativa da sustentação oral pelos advogados decorre do próprio Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), do Código de Processo Civil e, em última análise, da razão de ser da garantia constitucional da ampla defesa.
Dessa forma, a Advocacia não pode concordar com a supressão dessa prerrogativa profissional e direito fundamental do seu constituinte. Não se pode negar a aplicação da norma vigente, por qualquer razão meta-jurídica que se pretenda dar, sob pena de se obstar o tão sensível exercício ao direito de defesa.
Se a norma está vigente, que seja ela aplicada. Negar sua aplicação, ainda mais pela mais alta Corte do país, jamais! É como sempre alerta o il. Min. Marco Aurélio: “paga-se um preço por viver em um Estado Democrático de Direito. E esse preço é módico. É o respeito ao direito posto”.
Em suma, definiu o STF que não cabe sustentação oral em Mandado de Segurança, quando analisada a liminar diretamente pelo Plenário. E não definiu o cabimento de sustentação oral em agravo regimental nos feitos originários, sinalizando, todavia, que também indeferirá a defesa oral nesses casos.
Em ambas as situações, andou mal o STF. Cabe à advocacia se posicionar, sob pena de vermos subtraída prerrogativa profissional fundamental para garantia da ampla defesa do cidadão.
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1 Novo CPC gera intenso debate no Supremo, um ano depois de ser aprovado.
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*Carolina Petrarca, Gabriela Rollemberg e Rafael Lobato são sócios do escritório Gabriela Rolemberg Advocacia.
Acesso em: 22/04/2016
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