Por Roberta Maia Gresta
Doutoranda em Direito Político (UFMG) e Mestre em Direito Processual (PUC Minas). Professora de graduação e de pós-graduação. Assessora de Juiz Membro da Corte Eleitoral do TRE/MG. Instrutora da EJE/MG. Membro-fundadora da ABRADEP
Nas últimas semanas, a discussão sobre o impeachment da presidente da República tem, compreensivelmente, monopolizado a discussão sobre o futuro da chefia do Executivo Nacional. Após a admissibilidade do processo pela Câmara dos Deputados, ocorrida no dia 17/04/2016, o Brasil vive a expectativa do prosseguimento da tramitação daquele perante o Senado Federal. O momento é contundente: conforme estabelecido pelo STF[1], é a decisão do Senado a favor da instauração do impeachment que tem o condão de gerar o afastamento de Dilma Rousseff de suas funções e a consequente assunção destas pelo vice-presidente Michel Temer.
Nesse cenário, haveria razão para voltar os olhos para as quatro ações que, em trâmite perante o TSE[2], destinam-se a apurar supostos ilícitos eleitorais praticados em favor dos candidatos eleitos no pleito presidencial de 2014?
A resposta é positiva. As ações eleitorais conservam papel decisivo para a definição do quadro político nacional – e isso quer venha a instauração do impeachment a ser rejeitada, quer venha a ser acolhida.
A principal razão para isso é que, enquanto o impeachment de Dilma constitui a mais promissora via de possibilidade para um governo Temer, nas ações eleitorais, conforme posição até hoje prevalecente no TSE[3], o mandato do atual Vice-Presidente encontra-se sujeito aos mesmos riscos que o da presidente. Tal ocorre porque, nas ações eleitorais, apura-se se a campanha vitoriosa foi indevidamente beneficiada por práticas espúrias, que violem as normas destinadas a assegurar a legitimidade das eleições, a liberdade de voto e a isonomia entre os concorrentes. A possibilidade de cassação independe de haverem, Dilma e/ou Temer, contribuído diretamente para as práticas ilícitas – importa é que os votos angariados beneficiam simultaneamente os componentes da chapa.
Não me deterei, aqui, sobre os fatos tratados nas ações eleitorais, mas sobre os desdobramentos de sua tramitação e de seu julgamento.
Se a instauração do impeachment for recusada pelo Senado, fácil perceber que, ao menos até nova discussão sobre outras denúncias apresentadas à Câmara dos Deputados, as ações em trâmite perante o TSE passam a ser a única via de extinção antecipada dos atuais mandatos da presidente e do vice-presidente.
Mas, uma vez que não há qualquer óbice a que o impeachment e as ações eleitorais tramitem simultaneamente, pode-se, desde logo, divisar as seguintes hipóteses, caso autorizada a instauração do impeachment pelo Senado:
1) No curso do processo de impeachment: Dilma será afastada de suas funções, mas tanto ela, que apesar de afastada conserva ainda o cargo, quanto Temer continuarão a ter seus diplomas/mandatos passíveis de cassação pelo TSE;
2) Caso Dilma venha a ser condenada no processo de impeachment antes do julgamento das ações eleitorais: extingue-se o mandato da presidente, o que acarreta, para fins de cassação de diploma/mandato[4], a perda de interesse no prosseguimento das ações eleitorais contra ela. Conserva-se a possibilidade da cassação do diploma/mandato de Temer pelo TSE.
Da cassação de diploma ou mandato decorre a anulação dos votos obtidos pela chapa. A invalidação dos votos encontra amparo nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral e tem por fundamento a ideia de que, em um procedimento que se pretende legitimador da composição de governos e parlamentos, não podem ser aproveitados votos que, outorgados sob influência de meios ilícitos de convencimento do eleitorado, consubstanciam o desvirtuamento da vontade popular.
Diante do claro de titularidade deixado pela cassação dos eleitos e pela anulação dos votos respectivos, inevitável indagar: quem assumiria os cargos?
Há uma distinção entre a anulação dos votos, decorrente da cassação proferida pela Justiça Eleitoral, e outras situações, como a renúncia, a morte e o impeachment, que podem deixar cargos eletivos sem titular. A anulação dos votos torna insubsistente a própria eleição e, por conseguinte, aqueles atos que são consequência lógica do resultado apurado: proclamação dos eleitos, diplomação e posse[5]. Já a extinção do mandato por causas não eleitorais ampara-se em “eventos ocorridos durante o exercício [daquele], após, portanto, regular diplomação do candidato eleito pela Justiça Eleitoral e investidura perante o órgão competente”[6].
Haveria alguma diferença prática entre as situações?
Até 2015, José Jairo Gomes defendia que a distinção entre causas eleitorais e não eleitorais de extinção do mandato permitia harmonizar o art. 81 da Constituição de 1988 com o art. 224 do Código Eleitoral. O primeiro desses dispositivos impõe a convocação de nova eleição em caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República, enquanto o segundo limita aquela convocação à situação em que obtidos pelos eleitos mais de 50% dos votos. Para Gomes, enquanto a regra da Constituição seria adstrita às causas não eleitorais de extinção do mandato, a regra do Código Eleitoral seria aplicável às causas eleitorais.
O autor explicava, outrora, que a expressão “vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República”, com a qual se inicia a redação do dispositivo constitucional, indicaria que este somente se aplica a situações em que tenha havido regular preenchimento dos cargos, precedido de votação e diplomação válidas. Assim, não haveria colisão entre a previsão constitucional de convocação obrigatória de novas eleições em caso de vagarem os cargos de presidente e vice-presidente e a possibilidade, extraída do dispositivo do Código Eleitoral, de que a eleição fosse aproveitada, a despeito da anulação dos votos dos eleitos, se estes não tivessem logrado mais de 50% dos votos originariamente válidos[7].
O entendimento do autor foi firmado antes do advento da Lei 13.165/2015, e se compatibilizava com longeva linha jurisprudencial no sentido de que, contrario sensu ao disposto pelo art. 224, se os eleitos para a chefia do Executivo, cassados, tivessem obtido 50% ou menos dos votos, a chapa que tivesse ficado na segunda posição na eleição seria convocada a assumir os cargos. A tese central era, portanto, de que o dispositivo do Código Eleitoral, por regular momento diverso daquele tratado na Constituição, poderia, sem vício de inconstitucionalidade, prever uma situação em que uma eleição viciada poderia ser aproveitada.
A partir da edição de 2016 da obra de José Jairo Gomes, a defesa dessa tese não se faz mais presente, o que decorre, provavelmente, do fato de que o §4º do art. 224 do Código Eleitoral, inserido pela Lei 13.165/2015, passa a fazer menção expressa à “vacância” associada às causas eleitorais de extinção do mandato. Mas, fosse apenas isso, a menção inserida pela nova lei poderia, talvez, indicar um uso atécnico do termo “vacância”. Por isso, cabe apontar razões outras para afirmar que o art. 81 da CR/88 jamais pretendeu excluir de seu âmbito as causas eleitorais de extinção do mandato.
A principal razão é a dificuldade de acomodar, sistemicamente, dois direcionamentos antagônicos acerca da legitimidade democrática do exercício dos mandatos. De um lado, a Constituição não transige quanto à exigência de nova eleição para suprir a dupla vacância, o que significa a impossibilidade de que uma segunda posição obtida em eleição plenamente válida possa franquear o acesso aos cargos em casos como renúncia, morte e impeachment. De outro, o Código Eleitoral toleraria aproveitar o resultado de uma eleição sabidamente viciada para permitir o exercício dos mandatos pelos segundos colocados. Dado o papel legitimante do momento de formação da vontade popular, como justificar essa tolerância, contrastante com a opção expressa da Constituição?
Certamente, é mais apropriado reconhecer que há uma diretriz constitucional que recusa a possibilidade de que o acaso leve à ocupação de cargos eletivos por candidatos vencidos. Essa diretriz tanto preserva a soberania popular quanto previne que candidatos derrotados forcem situações artificiais para levar à perda do cargo dos eleitos a fim de acender a tais cargos por vias transversas. Essa interpretação parece juridicamente mais consistente do que considerar, sem qualquer outro elemento corroborante, que a Constituição tenha pretendido restringir o conceito de “vacância” a causas não eleitorais de extinção do mandato.
O §1º do art. 81 da CR/88, por sua vez, trata da modalidade de eleição a ser adotada para suprir a dupla vacância dos cargos de presidente e vice-presidente. Segundo dispõe, a eleição seria direta somente em caso de cassação ocorrida nos dois primeiros anos do mandato e seria indireta (realizada pelo Congresso Nacional) se nos dois anos finais do mandato.
Constata-se a suficiência normativa da regra do art. 81, caput e §1º, da CR/88 para regular, integralmente, toda a matéria relativa à suplementação dos mandatos de presidente e vice-presidente. É dizer: no caso brasileiro, a Constituição quis definir que, extintos antes de seu termo final ambos os mandatos do Executivo Nacional, serão convocadas novas eleições, reservada a modalidade indireta para a vacância no segundo biênio do mandato.
A tese que aqui se defende passa a contar, a partir de 2016, com a substanciosa adesão de José Jairo Gomes, já que o autor agora afirma que “o art. 81, §1º, da Constituição não aponta qualquer causa de vacância dos cargos de titular e vice”, de modo que “não se vislumbra óbice à sua incidência nos domínios eleitorais […]” [8].
A opção constitucional pela eleição indireta a partir da metade final do mandato é objeto de críticas acerca da restrição da soberania popular. Contudo, não é bastante para negar legitimidade à estipulação constitucional dessa regra. Conforme ideia básica sustentada por Robert Alexy: regras devem prevalecer sobre princípios de mesma hierarquia, a menos que se demonstre, no caso concreto, argumentos relevantes em contrário[9].
Se a regra constitucional não pode ter sua eficácia recusada por força de princípio constitucional, com mais razão não o poderá ter em decorrência de regra legal que, a pretexto de prestigiar a soberania popular, venha a lhe ser colidente. É sob essa premissa que devem ser examinadas duas inovações que a mais recente de nossas “minirreformas eleitorais”, a Lei 13.165/2015, trouxe sobre a extinção de mandato por causas eleitorais, ao introduzir dois parágrafos no art. 224 do Código Eleitoral[10]:
1ª) O §3º estipula que a convocação de nova eleição passa a ser a regra sempre que o candidato eleito no pleito majoritário tiver seu diploma ou mandato cassado por decisão da Justiça Eleitoral. Assim, pela nova sistemática, fica definitivamente eliminada a possibilidade de o segundo colocado vir a assumir o cargo vago. Por isso, a novidade deve ser plenamente celebrada, por alinhar a lei eleitoral com a diretriz constitucional de prestígio à função legitimante das eleições.
2ª) o §4º estabelece que em caso de cassação dos mandatos dos eleitos, a eleição será indireta somente “se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato”, prevalecendo a modalidade direta no restante do período. A previsão não excepciona a eleição presidencial, o que sugere sua aplicação à extinção de mandato por causa eleitoral no Poder Executivo de qualquer das esferas (nacional, estadual e municipal). A novidade é problemática, pois desconsidera a existência de regra constitucional que prevê a eleição indireta para presidente da República já a partir do início do segundo biênio do mandato.
E como essas regras podem repercutir no cenário político atual?
A resposta é sujeita a variáveis, e aqui se procurará apresentar uma breve conjectura a respeito delas.
A primeira grande questão diz respeito a definir se as novidades introduzidas pela Lei 13.165/2015 alteram o processo eleitoral. Isso porque, segundo o art. 16 da Constituição de 1988, a lei que alterar o processo eleitoral, embora entrando em vigor na data de sua publicação, somente se aplica a eleições realizadas após um ano dessa vigência. Desse modo, tratando-se a última minirreforma de lei publicada em 29/09/2015, eventuais alterações do processo eleitoral não poderiam repercutir sobre as eleições de 2014.
Mas o que é o processo eleitoral? Esse conceito – verdadeira esfinge do Direito Eleitoral – permanece desafiando a todos que atuam na área com seu mote “decifra-me ou devoro-te”. O enfrentamento da questão tem sido casuístico, ocorrendo no momento em que o STF ou o TSE são demandados a fixar se determinada lei eleitoral se aplicará a determinado pleito. Há oscilações na jurisprudência, mas, após o julgamento que concluiu pela inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010[11], a jurisprudência tem-se inclinado para adotar uma compreensão ampla de processo eleitoral, que abrange deste o atendimento do primeiro requisito para a candidatura (fixação do domicílio eleitoral, um ano antes do pleito) até a diplomação[12].
Em decisão monocrática, o ministro Dias Toffoli sinalizou no sentido da inaplicabilidade da inovação ora tratada a caso de extinção de mandato anterior ao pleito de 2016, O argumento é que “a nova disposição normativa trazida pelo § 3º do art. 224 do Código Eleitoral constitui clara alteração do processo eleitoral, não podendo ser aplicada, portanto, ao caso em apreço por força do princípio da anualidade, insculpido no art. 16 da CF”[13]. Deve-se, porém, registrar que, na decisão referida, o argumento transcrito figurou apenas como obter dictum, uma vez que por motivo outro já fora afastada a pretensão do requerente. Além disso, diante de eventual cassação da chapa Dilma/Temer pelo TSE, caberá ao Tribunal, e não isoladamente à relatora dos feitos, pronunciar-se sobre a questão.
Ainda assim, a posição externada por Toffoli mostra ser possível que o TSE conclua que as regras anteriores à Lei 13.165/2015 devem se aplicar às ações eleitorais contra a chapa Dilma/Temer. Se assim for, pode o tribunal ser provocado a, enfim, examinar a inconstitucionalidade da convocação de segundo colocado em eleição presidencial, em face do art. 81, §1º da CR/88.
Admitida a constitucionalidade daquela convocação, abre-se a possibilidade para que Aécio Neves e Aloysio Nunes, segundos colocados na eleição presidencial de 2014, venham a ocupar as cadeiras de presidente e vice-presidente. Essa pretensão encontraria respaldo em precedentes que estipulam que, mesmo havendo segundo turno, a anulação de votos deve considerar o resultado do primeiro turno[14]. Uma vez que a chapa Dilma/Temer obteve 41,59% dos votos válidos no primeiro turno[15], a chapa Aécio/Nunes, com 33,55% da votação poderia vir a ser chamada a ocupar os cargos.
Se, porém, for reconhecida a inconstitucionalidade de convocação do segundo colocado, deverá ser realizada nova eleição. Mas em qual modalidade?
Até a publicação da Lei 13.165/2015, não havia na legislação infraconstitucional norma que tratasse da modalidade de eleição a ser realizada em caso de cassação de diploma/mandato. Diante disso, a jurisprudência orientou-se no sentido de que Constituições Estaduais e Leis Orgânicas poderiam tratar do modo de preenchimento das vagas do Poder Executivo respectivo, mas, para o caso de extinção do mandato presidencial, seria aplicável o art. 81, §1º, da CR/88[16]. Desse modo, a eleição para presidente e vice-presidente seria direta somente em caso de cassação ocorrida nos dois primeiros anos do mandato e seria indireta (realizada pelo Congresso Nacional) se nos dois anos finais do mandato.
Com amparo nos argumentos expostos, esse entendimento quanto às eleições presidenciais suplementares é o adequado ao sistema constitucional vigente. Assim, caso os mandatos de Dilma e Temer venham a ser extintos antes de seu termo programado, gerando a dupla vacância – quer por causa eleitoral, quer por causa não eleitoral – deverá ser convocada nova eleição, nos termos do art. 81, caput e §1º, da CR/88.
Isso leva a uma derradeira reflexão: pode o §4º do art. 224 do Código Eleitoral se pretender aplicável ao caso, ainda que considerada atendida a anualidade da Lei 13.165/2015? A resposta é negativa.
A linha exposta nesse ensaio confere tranquilidade para apontar que, embora possível admitir que a cassação de governadores e prefeitos possa atrair a incidência desse dispositivo, é inconstitucional aplica-lo à cassação de mandato presidencial. Não se questiona que a modalidade direta de eleição confere maior legitimidade democrática à formação do governo nacional. No entanto, diante da clara opção constitucional por definir eleições indiretas a partir do início do segundo biênio, a alteração dessa regra somente poderia ser feita por via de Emenda Constitucional. Sem que se tenha alterado o texto constitucional, impossível estender o prazo de convocação de eleições diretas até a véspera do último semestre dos mandatos.
Desse modo, acertado afirmar que, a partir de 2017, qualquer causa de dupla vacância do Executivo nacional ensejará a convocação de eleição na modalidade indireta.
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[1] A decisão foi proferida em 17/12/2015, no julgamento da Medida Cautelar na ADPF 378, quando entenderam os Ministros, por maioria, que “ao Senado compete, privativamente, processar e julgar o Presidente (art. 52, I), locução que abrange a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara.” (STF. Medida Cautelar em ADPF 378. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Luiz Roberto Barroso. Acórdão publicado em 8 mar. 2016, DJE n. 43. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp. Acesso em: 24 abr. 2016.)
[2] Essas ações são: as Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs) 1547-81 e 1943-58, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) 7-61 e a Representação por captação ou gasto ilícito de recurso (RP) 8-46. Todas tramitam perante a Relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, após decisão do Ministro Dias Toffoli, então Presidente do TSE, que determinou a reunião dos feitos em função da coincidência, ainda que parcial, dos fatos versados nas citadas ações (http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Fevereiro/processos-contra-dilma-e-temer-seguem-sob-a-mesma-relatoria). A condenação por práticas ilícitas tais como aquelas em apuração nas citadas ações eleitorais contra a chapa Dilma/Temer produz, como primeiro efeito, a cassação dos diplomas (se em Representação ou AIJE) ou do mandato (se em sede de AIME) dos eleitos. Embora nominalmente distintos, esses efeitos traduzem a perda dos cargos de Presidente e Vice-Presidente pelos eleitos.
[3] Esse entendimento vem sendo, há anos, adotado pacificamente na Justiça Eleitoral. Contudo, conforme recentemente noticiado na imprensa (confira, a respeito: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1760075-para-ministros-do-tse-e-dificil-separar-contas-eleitorais-de-dilma-e-temer.shtml), a defesa de Temer nas ações eleitorais vem engendrando tese contrária, no sentido de que deve incidir uma “separação de responsabilidade” entre as contas de campanha da Presidente e do Vice. A estratégia se destinaria a eximir Temer de penalização caso comprovada a injeção de recursos ilícitos nas contas de Dilma, de modo a permitir que aquele pudesse continuar a ocupar o cargo ainda que esta fosse condenada pelo TSE e tivesse cassado seu diploma/mandato. O que a nova tese não se preocupa em explicar é de que modo poderia o Vice-Presidente ter seu mandato legitimado com respaldo em votos outorgados à titular da chapa – votos estes que, em função de sua contaminação por práticas ilícitas, serão necessariamente anulados, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral. A inadequação da pretensão de Temer à sistemática das ações eleitorais foi exposta com propriedade em artigo de autoria da prof. Silvana Batini, publicado no Jota (http://jota.uol.com.br/dilma-e-temer-no-tse-unidos-para-sempre).
[4] Duas das ações eleitorais em curso (as AIJEs 1547-81 e 1943-58) poderiam prosseguir contra Dilma Rousseff, ainda que venha esta a perder o cargo no bojo do impeachment, uma vez que comportam a aplicação de sanção de inelegibilidade, com fundamento no art. 22, XIV da Lei Complementar 64/90. Mas essa questão não será aprofundada no presente artigo, que tem por finalidade refletir sobre os impactos das citadas ações especificamente sobre os mandatos em curso.
[5] É o que José Jairo Gomes denomina efeito expansivo da anulação: “[…] os atos posteriores que estejam causalmente ligados ao invalidado são atingidos. Assim, a invalidação da votação em determinado pleito majoritário implica a insubsistência da diplomação e dos mandatos dos eleitos.”(GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 844.).
[6] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral, 12. ed., p. 842.
[7] É o que se consta da 11ª edição da obra: GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 692.
[8] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral, 12. ed., p. 850.
[9] “The requirement to take seriously the decisions made in constitutional rights provisions, that is, the text of the Constitution […] is only one part of the postulate of the binding nature of the Constitution […] because both the rules enacted in constitutional provisions and the principles enacted are constitutional norms. This raises the issue of the relative status of the two levels. And the answer can only be that from the perspective of the binding nature of the Constitution, the level of rules takes precedence. […] So decisions made [by the constitution makers] at the level of rules take precedence over other alternative decisions which the level of principles merely makes possible. Of course, […] the relation of precedence between the two levels is not strict. Rather, the rule of precedence is that the level of rules takes precedence over the level of principles unless the reasons for taking a decision contrary to that which has been made at the level of rules are so strong that they override the principle of commitment to the text of the Constitution.” (Alexy, Robert. A Theory of Constitutional Rights. Translated by Julian Rivers. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 83-84.)
[10] Há ainda uma terceira inovação, extraída do §3º do art. 224 do Código Eleitoral: o novo pleito somente ocorrerá após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Essa regra deve ser compreendida ao lado do §2º do art. 257 do Código Eleitoral – outra novidade da Lei 13.165/2015 que passa a prever a atribuição de efeito suspensivo ao recurso eleitoral de índole ordinária interposto em face da decisão que concluir pela cassação dos eleitos. “Recurso ordinário” é aquele que permite ao órgão revisor examinar em profundidade a matéria fática. Como pode ser cabível, após o julgamento desse recurso, outros, de índole extraordinária, cria-se um interregno de duração indefinida, entre a efetivação da perda do mandato (após julgado o recurso ordinário) e a realização das novas eleições (após o esgotamento de todos os recursos possíveis), no qual o cargo eletivo deverá ser exercido interinamente pelo Presidente do Órgão Legislativo da esfera respectiva.
[11] STF. RE: 633703/MG, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011.
[12] Cf. CTA 1000-75 do TSE, consolidando entendimento do STF fixado no RE 633.703/MG.
[13] TSE – PET: 526-36.2015.6.000000, Relator: Min. José Antônio Dias Toffoli, Data de Julgamento: 30/11/2015, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico – 04/12/2015 – Tomo 230 – Página 162/165.
[14] Cf. o debate dessa tese nos Recursos Contra a Expedição de Diploma 671, 698, 701, 703, todos do TSE.
[15]Resultados disponíveis em : http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014-resultado
[16] Diz-se “em tese” porque o precedente não foi fixado em ação eleitoral voltada para a cassação de ocupantes da Chefia do Executivo Nacional. O entendimento é extraído, contrario sensu, da reiterada jurisprudência que consolidou não ser o art. 81, §1º da CR/88 de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas, de modo que, silentes estas quanto à modalidade de realização das novas eleições, deveriam estas ser sempre diretas, independentemente do biênio em que verificada a dupla vacância (Cf. no TSE: MS n. 162058 e, mais recentemente, MS 234-51.2015)