Por Ivy Farias*
“Sem advogado não se faz justiça”. A frase estampada em adesivos distribuídos pela OAB/SP na década de 80, colado no caderno da minha mãe, ela própria estudante de Direito me marcou até hoje. Por que não advogadas?
Jan Koum, criador do Whatsapp, ficaria feliz se soubesse que seu invento serviu para bem mais do que falar com seu pai (a real motivação da criação do aplicativo). A partir de sua tecnologia, uma advogada começou a fazer justiça – não com suas próprias mãos, mas de mãos dadas com muitas.
Em 2015, Karina Kufa, presidenta do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (IPADE) criou um grupo chamado “Amigas do Eleitoral”, que, como o nome sugere era formado por operadoras de Direito Eleitoral de todo o país.
Foi assim que, entre um debate sobre uma jurisprudência aqui e uma interpretação acolá, este aglomerado de mulheres viu que, independente do posto (o grupo inclui de estagiárias a ministras), todas tínhamos algo em comum: o machismo de cada dia suprimia oportunidades profissionais. O machismo negava direitos às operadoras do Direito.
A gota d’agua foi quando vimos um congresso de Direito Constitucional formado só por homens. Aí nos indagamos: “E por um acaso não existe uma constitucionalista que possa falar?”.
Pois tem – e muitas. Em 15 minutos, lembramos nomes importantíssimos para o Direito Brasileiro. A partir daí, e da iniciativa que muito nos inspira #naotemconversa, passamos a questionar e pressionar organizadores de debates sem diversidade de gênero.
Mas não é só o Direito Constitucional ou Eleitoral. Todas as áreas do Direito preterem as mulheres em congressos, simpósios, seminários, livros acadêmicos, docência universitária, nos escritórios, nos concursos públicos.
E não porque não somos capazes: toda operadora ou operador do Direito consegue, em minutos, lembrar de amigas que atuam em outras áreas, de Ambiental a Tributário, passando por Direito Aéreo, Penal, Digital. Temos mulheres competentes em todas áreas, certamente.
Nós, fazendo esse exercício, em meia hora montamos uma lista que contava com mais de cem nomes de mulheres altamente capacitadas a falarem e a escreverem sobre suas áreas. Já contávamos com uma hashtag inicial, a #leiamulheresnodireito, que tinha por objetivo promover a adoção dos livros de autoras em universidades e seu uso em fundamentações jurídicas. Ao final dessa reflexão, nos demos conta que precisávamos lutar e nos organizar. Nascia um movimento que englobava essas ações e muito mais: o Mais Mulheres no Direito.
O Mais Mulheres no Direito quer empoderar as operadoras do Direito ao garantir espaço de fala inspirado em iniciativas globais como o HeForShe (ONU Mulheres), #naotemconversa, do coletivo Não Tem Conversa, e Entreviste Uma Mulher, da ONG Think Olga.
Além da lista de mulheres com notável saber jurídico, nós difundimos informação de qualidade sobre o Direito e apoiamos umas às outras ao articularmos parcerias para garantia da paridade de gênero. E, como um movimento includente, procuramos sempre garantir espaços de fala às operadoras indígenas, negras, portadoras de deficiência e da população LGBT, dentre outras minorias.
Um dos meus grandes orgulhos é ver como um aplicativo pode unir mulheres tão distintas e fisicamente tão distantes nessa luta por direitos e pelo Direito. No Acre, temos a Nazareth Araujo, vice-governadora do Estado. No Maranhão, a advogada Ezikelly Barros. Somos muitas na Capital Federal, a Gabriella Rollemberg, vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral do CFOAB, Daniela Teixeira, que é a vice-presidente da OAB/DF e a ministra do TSE, Luciana Lóssio. E, lá em Brasília, ainda temos a advogada Carla Britto, que lutou para fundar a Rede, e Cristiane Britto, também advogada, que recebeu uma medalha do Tribunal de Justiça do Direito Federal. Ainda no Planalto Central, Marilda Silveira, criadora do site Os Eleitoralistas, e Maria Claudia Bucchianer, presidenta do Instituto de Direito Eleitoral (DF).
No Rio Grande do Sul, a ex-presidente do TRE/RS, a Elaine Macedo é de nossas companheiras mais ativas. Já em Rondônia, temos a advogada Érika Gerhard. No Mato Grosso do Sul, a Nilmare Irala. No Ceará, Isabel Mota.
Isso, claro, sem contarmos as filhas de Esperança Garcia, escrava piauíense que aprendeu a ler e escrever e enviou uma carta para o governador demandando direitos. De Teresina, temos as irmãs Georgia (Eleitoral, Constitucional e Gênero) e Giovana Nunes (Direitos Humanos), bem como a Sub-Secretaria de Segurança Pública Eugênia Villa, que foi uma das responsáveis pelo enquadramento do crime de Castelo do Piauí, em que três meninas foram estupradas e arremessadas em um penhasco, como feminicídio antes mesmo da lei ser aprovada. A Vice-Governadora Margarete Coelho também contribui com nossas discussões.
Minas também está presente: Roberta Gresta, Polianna Santos, Ana Márcia Melo, Renata Roman, Lara Ferreira, Viviane Macedo. No Paraná, temos as professoras universitárias Ana Claudia Santano, Eneida Desiree Salgado e Carla Karpstein, que é a presidenta da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR.
Um grupo forte e coeso que também conta com a professora Vânia Aieta, no Rio de Janeiro, que, apesar de ser ensinar Constitucional, não se rogou ao usar seus conhecimentos de Direito Penal para defender uma aluna agredida em uma festa. São Paulo também não fica atrás, pois além da própria Karina, há a Professora de Direito Eleitoral da USP, Mônica Hermann e a Ex-Juíza Eleitoral na classe de juristas, Clarissa Campos Bernardo.
Do Oiapoque ao Chuí, temos mulheres labutando nos fóruns ou nas escolas como a advogada Renata Cezar – Renata garantiu aos secundaristas de Bauru (SP) direitos fundamentais ao assegurar que podiam acordar, dormir e ainda fazer lanche em uma escola ocupada no ano passado. São mulheres lutamos em um movimento horizontal e sólido de articulação que se fortalece a cada dia e cresce. Recebemos uma séria denúncia de assédio recentemente e não tínhamos nenhuma representante em Santa Catarina. Em pouco tempo, conseguimos encontrar uma mulher para fazer o devido acompanhamento jurídico.
Juntas conseguimos que vários colegas já aderissem ao #naotemconvers para garantir a participação das mulheres em painéis nos congressos eleitorais que pululam este ano (o de Direito Eleitoral da OAB/MG teve participação feminina graças às nossas pressões!). Nos eventos de São Paulo – o primeiro agora em maio e o segundo em junho – temos mulheres em todas as mesas.
E, claro, damos apoio umas às outras. Somos também uma rede de afeto – como todo movimento de mulheres. Uma das participantes, a Nazareth, foi ofendida enquanto jantava com sua família em um restaurante em Rio Branco (AC). Ass´dio, infelizmente, comum. Quando assumiu o cargo de Governadora, Margarete foi alvo de um colunista que disse que ela deveria cuidar do jardim do Palácio de Karnak ao invés de fazer seu trabalho. Nesta hora, é o grupo que nos acolhe e compreende os mais profundos sentimentos, pois todas compartilhamos essas dores.
Neste momento, somos agora 256 mulheres que, unidas, nos dedicamos para que a justiça, este substantivo feminino, de fato o seja. E não seja defendido apenas por homens. O fortalecimento do Estado Democrático de Direito e o compromisso incondicional com a democracia brasileira deve começar com a igualdade de gênero dentre os que trabalham por tal fortalecimento e garantem o cumprimento deste compromisso.
A OAB proclamou 2016 O Ano da Mulher Advogada. O Mais Mulheres no Direito quer mais. Todos os anos devem ser o ano da mulher advogada.
Faz-se necessário um novo adesivo: “É Com Mais Mulheres no Direito Que Se Faz Justiça”.
*Ivy Farias, 34 anos, é jornalista, estudante de Direito, feminista, defensora dos Direitos Humanos e dos Animais e uma das fundadoras do Movimento Mais Mulheres no Direito.
Acesso em: 04/05/2016
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Folha de São Paulo
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