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Presidencialismo de coalizão exige cláusula de desempenho para o Congresso

terça-feira, 07 de junho de 2016
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Sérgio Antônio Ferreira Victor

O termo presidencialismo de coalizão foi utilizado pela primeira vez durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88 em um texto do cientista político Sergio Henrique Abranches (ABRANCHES, 1988, p. 5 a 34). Ao cunhar a expressão, ele procurou mostrar que a Constituição Brasileira de 1988 trazia novidades que poderiam gerar uma democracia praticamente ingovernável.

Para o autor, o presidencialismo, modelo no qual a eleição do governo ou do presidente da República se daria de forma dissociada da eleição para o Parlamento, faz com que o presidente da República não seja detentor de uma maioria no Congresso Nacional ou que o partido que venha a eleger o presidente não eleja uma maioria no Legislativo.

Tudo isso aliado ao sistema eleitoral proporcional de listas abertas geraria ainda mais problemas, porque nosso sistema proporcional levaria à proliferação de partidos políticos. O que Sérgio Abranches estava a dizer é que o sistema proporcional de listas abertas para eleição da Câmara dos Deputados geraria um Congresso Nacional habitado por uma miríade de partidos políticos. Tais partidos, em geral, seriam frágeis ou débeis eleitoralmente, possivelmente com presidente também não muito forte por não ser detentor de maioria para governar.

Eis a razão por que o diagnóstico de Abranches – ainda à época da Constituinte de 88 – era aquele de uma democracia ingovernável, ou de difícil estabelecimento de governo.

Lamentavelmente e com raras as exceções, o debate sobre sistema de governo no Brasil, após o plebiscito de 1993, ficou bastante esvaziado, pelo menos no meio jurídico, mas teve continuidade entre os cientistas políticos, os quais, em grande número, rebateram os argumentos de Abranches.

A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, os cientistas políticos passaram a fazer uma leitura sobre o funcionamento do sistema baseada em dados estatísticos por eles recolhidos – o que aqui convém chamar de revisão empírica do funcionamento do presidencialismo de coalizão – e chegaram à conclusão de que, apesar do diagnóstico catastrófico de Sérgio Abranches, nosso modelo funcionava.

Contrariando as projeções de Abranches, os cientistas políticos brasileiros, capitaneados por Fernando Limongi, Argelina Figueiredo e outros, chegaram à conclusão no sentido de que os governos FHC e Lula foram eficientes, atingindo taxas de sucesso relativamente altas. O que significa dizer que as iniciativas legislativas e, portanto, de implementação de políticas públicas, tanto no governo de Fernando Henrique quanto no de Lula, foram aprovadas no Congresso Nacional.

Chegaram a números muito otimistas – cerca de setenta a oitenta por cento – de aprovação no Congresso Nacional das medidas legislativas apresentadas pelos governantes.

Dentro da visão desses cientistas políticos, o Brasil foi governado durante todos esses quatro mandatos com taxas de sucesso próximas às dos parlamentarismos europeus. Para esses autores, a teoria política diz que um sistema de governo funciona, de forma geral, adequada e eficientemente, quando o sistema eleitoral gera parlamentares cuja atuação seja nacional e que possibilite apoio ao governo.

Sustentam, por exemplo, que mesmo em países como a Inglaterra, em que há um sistema majoritário com eleições por distritos, os debates nos distritos, em função de haver partidos políticos muito bem definidos, refletem um debate nacional entre os partidos políticos, de modo que mesmo o voto distrital não impede que os candidatos e parlamentares revelem em seus debates locais o ambiente político nacional.

O fato é que para Sérgio Abranches isso seria muito difícil em um país como o Brasil, que adota o sistema proporcional de listas abertas, o que levaria a uma enorme fragmentação partidária.

No entanto, cientistas políticos que fizeram uma revisão empírica do funcionamento do modelo, não comungaram desse pessimismo. Afirmaram haver meios de nacionalizar a atuação parlamentar no sistema de presidencialismo de coalizão.

Essa visão otimista considera que o sistema eleitoral proporcional de listas abertas dificulta que parlamentares alcancem uma atuação nacional. Normalmente, eles atuam visando à reeleição e, para isso, agradam o eleitorado para que possam continuar com chances de se reelegerem.

O que acontece nesse sistema de listas abertas é que o parlamentar, raramente, conseguirá sozinho bater o quociente eleitoral. Significa dizer que um parlamentar com votos recebidos de eleitorado especifico não conseguirá votos suficientes para se eleger e as listas abertas é que lhe possibilitariam transferências de votos de outros candidatos do mesmo partido político ou, no caso do Brasil, da mesma coligação eleitoral a que ele pertença.

Cerca de noventa por cento dos parlamentares eleitos não conhecem com exatidão seus eleitores, não sabem exatamente com quais votos foram eleitos porque recebem votos emprestados de outros candidatos do mesmo partido ou de outros candidatos da mesma coligação eleitoral – que pode englobar uma série de partidos. Assim, a atuação parlamentar tende a ser aquela em que buscam conhecer ou construir o seu eleitorado durante o mandato e, para isto, precisam associar-se ao prestígio presidencial. Aqui está a primeira hipótese de nacionalização da atuação parlamentar: a associação do parlamentar ao prestígio presidencial.

Os parlamentares tendem a se colocar ao lado do Presidente da República – já que ele é a única figura política eleita nacionalmente no presidencialismo.

O parlamentar, cada um em seu reduto eleitoral, procura acompanhar o Presidente em suas aparições públicas. Essas exposições, aliadas a inaugurações de obras em seu reduto eleitoral, por exemplo, é que constroem, edificam e fortalecem o eleitorado daquela determinada região.

Segundo os cientistas políticos, isso é uma nacionalização da atuação porque o presidente exige em troca dessa associação que os parlamentares aprovem, no Congresso Nacional, sua agenda de governo. Eis aqui, portanto, o Congresso Nacional como colaborador do governo na aprovação da agenda governamental. Dessa forma, aquele Congresso habitado por uma miríade de partidos passa a colaborar para aprovação da agenda presidencial.

Além dessa possibilidade de nacionalização, existe a liberação de emendas parlamentares ao orçamento – apontada por muitos cientistas políticos como importante no sistema de governo brasileiro. É interessante que os parlamentares façam suas emendas ao orçamento e que o Presidente da República negocie com eles, ou com os partidos políticos, a liberação ou a execução dessas emendas orçamentárias.

Esse processo de negociação permite que o presidente, em contrapartida à execução de emendas orçamentárias, exija a fidelidade do parlamentar, muito importante nesse sentido de possibilitar que o presidente governe ou que o Congresso Nacional aprove as medidas do Presidente da República.

Dentro dessa revisão empírica do funcionamento do presidencialismo brasileiro, o Presidente da República detém o poder de agenda, pois ele diz o que, quando e de que modo deve ser feito. O Presidente mantém, no presidencialismo de coalizão, este poder de agenda com base na intensa atividade legislativa do poder executivo, como detentor de iniciativas legislativas privativas e por meio da edição de medidas provisórias. Com isso, ele consegue um primeiro fator de controle da agenda política no sistema de governo.

Cabe lembrar que os cientistas políticos fazem um diagnóstico otimista do modelo brasileiro, tendo como base a Emenda Constitucional 32, de 2001, que trazia em seu bojo uma sistemática de trancamento da pauta do Congresso Nacional a partir da edição de medidas provisórias não votadas pela casa legislativa no prazo de 45 dias. Assim, com uma sucessão de medidas provisórias editadas por parte dos presidentes, em especial Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, ficava fácil controlar a pauta do Congresso Nacional, que se tornava refém da votação das medidas provisórias editadas. O presidente mantinha, dessa forma, o controle da agenda do Congresso Nacional.

Outro fator relevante desse modelo é a formação do gabinete de ministros. Contrariamente ao presidencialismo americano, o presidencialismo brasileiro prevê ou possibilita que os Ministros de Estado do Poder Executivo sejam provenientes do Parlamento. Isso representa a comunicabilidade entre os poderes, de modo que os principais ministros são parlamentares indicados pelos partidos da base governista.

Além disso, há uma sistemática regimental nas casas do Congresso Nacional que é a previsão de lideranças dos partidos, do governo, da minoria, da oposição etc. Essa sistemática de líderes partidários ou de blocos parlamentares de apoio ao governo, que são vistos pelos cientistas políticos como representantes do governo dentro do Congresso, permite que o Presidente da República negocie com os líderes partidários – o que diminui sobremaneira os custos da negociação política.

A formação de gabinetes com a comunicabilidade entre membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo, ao lado da edição de medidas provisórias com possibilidade de trancamento de pauta ou que confira ao Presidente da República poder sobre a pauta do Congresso Nacional foram fatores relevantes para o otimismo desses cientistas políticos quanto ao funcionamento adequado do presidencialismo de coalizão brasileiro

Algumas críticas, no entanto, podem ser feitas ao modelo, bem como se pode afirmar que modificações relevantes estão enfraquecendo as bases do presidencialismo de coalizão.

Foi aprovada recentemente no Brasil uma emenda constitucional, a de número 86, de 2015, que torna as emendas dos parlamentares ao orçamento obrigatórias ao Poder Executivo. Além de muito recente e de possuir uma série de regramentos, ainda não se sabe como funcionará e qual será seu impacto na relação parlamentares-governo. Pode-se prever, no entanto, que o poder de barganha do Presidente da República na execução das emendas parlamentares ao orçamento tende a acabar ou a diminuir muito, por serem obrigatórias ao Poder Executivo, no todo ou em parte. Nesse contexto, um dos pilares do presidencialismo de coalizão, que seria a barganha por meio da liberação ou da execução de emendas orçamentárias de parlamentares, tende a ruir.

Outro importante pilar de sustentação do presidencialismo de coalizão é o poder de agenda detido pelo Presidente da República em razão de sua atividade legislativa, em especial por meio da edição de medidas provisórias. Este também sofreu considerável prejuízo porque, em meados de 2009, no finalzinho do governo Lula, o então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, propôs à Casa uma nova interpretação do instituto da Medida Provisória na Constituição, que fosse capaz de liberar a pauta do Congresso Nacional.

Essa interpretação acabou, na prática, com a sistemática de trancamento da pauta do Congresso Nacional a partir da edição de medidas provisórias pelo Presidente da República.

A interpretação do presidente da Câmara foi impugnada pelos líderes de oposição por meio de um mandado de segurança, cujo julgamento, no Supremo Tribunal Federal, ainda não terminou. A maioria dos votos proferidos até o momento acompanhou o relator, ministro Celso de Mello, conferindo apoio à interpretação dada pro Michel Temer, no sentido do destrancamento da pauta. Isto libera o Congresso e faz com que o Presidente da República perca outra influente forma de controle da agenda do parlamento.

A liberação da pauta do Congresso Nacional à votação de proposições legislativas de interesse do próprio Congresso permitiria o ressurgimento de uma agenda legislativa do Parlamento, dissociada da agenda do Planalto. Essa interpretação, veiculada pelo então presidente da Câmara dos Deputados, jogou por terra outro pilar do presidencialismo de coalizão: o poder sobre a agenda do Congresso Nacional.

Certo é que a partir daí houve uma diminuição sensível no número de edição de medidas provisórias. No governo da presidente afastada Dilma Rousseff isto se revelou perceptível.

Questões de caráter subjetivo, relacionadas à Presidente Dilma, levaram à certeza de que ela não trabalhava bem os outros elementos essenciais ao funcionamento do presidencialismo de coalizão, tais como a cooperação à nacionalização da atuação dos parlamentares e a capacidade de mantê-los como aliados políticos – realizando aquele processo de associação do prestígio presidencial às atividades parlamentares. Também não se trabalhava bem no governo Dilma os elementos de negociação com as lideranças partidárias no Congresso Nacional, o que elevava os custos de manutenção da coalizão de governo.

Isso tudo associado permite que se avance no diagnóstico e que se afirme que alguns dos pilares do nosso sistema de governo, essenciais para o sucesso dos governos Fernando Henrique e Lula, já não existem formalmente, e não se fizeram presentes durante o Governo Dilma Rousseff. Além disso, o presidencialismo de coalizão depende de certo grau de entendimento dele mesmo para que o presidente consiga atuar nas brechas que o modelo impõe.

Diante do exposto, pode-se dizer que o contradiagnóstico otimista dos cientistas políticos no sentido de que o presidencialismo de coalizão brasileiro funcionava adequadamente não parece correto. Pode-se dizer que funcionou razoavelmente bem em termos de taxas de sucesso porque os governos FHC e Lula conseguiram governar, mas a custos bem elevados.

Desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva houve um estímulo à proliferação de partidos políticos. Temos, hoje, cerca de 30 com representação no Congresso. De modo geral, essa proliferação impede que os eleitores, mesmo os mais esclarecidos, consiga visualizar a relação entre governo e oposição. Essa miríade de partidos políticos impede a visualização da dicotomia essencial à democracia e que possibilita a competição partidária razoavelmente inteligível pelo eleitor.

O fato é que se o Brasil mantiver o presidencialismo como sistema de governo, faz-se necessária a aprovação de alguma fórmula de cláusula de barreira ou de desempenho para que se diminua sensivelmente o número de partidos e para que se volte a ter alguma nitidez sobre a relação governo/oposição.

Para finalizar, lembro que se deve ter em mira a ideia de que, para o Brasil, melhor seria inverter a equação democrática. Ou seja, não elegermos um Presidente que se coloque, depois de eleito, à caça de uma maioria parlamentar, mas evoluirmos para um parlamentarismo de verdade, de modo que o governo resulte da maioria parlamentar oriunda das urnas.

Acesso em: 06/06/2016
Leia notícia completa em:
Consultor Jurídico
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