Por Vânia Aieta: Professora adjunta de Direito Eleitoral da UERJ, advogada especializada em Direito Eleitoral, presidente da ESDEL (Escola Superior de Direito Eleitoral), membro da ABARDES e do IBRADE.
Desde o Direito Romano, o ius honorum, ou seja, o direito de ser candidato ou o direito de ser votado, não era conferido a qualquer pessoa, pois só poderia ser exercido por aqueles que apresentavam condições específicas para gozarem desse status.
A Constituição Brasileira estabeleceu em seu artigo 14, § 3º, as condições que devem ser preenchidas por todas as pessoas que tenham intenção de serem candidatas em eleições.
As condições constitucionais para o registro de candidaturas são denominadas de CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE. Fazem parte do rol de exigibilidades as constantes no artigo 14 da Carta Magna assim como as advindas de duas outras leis complementares. A primeira, publicada em 1990, chamada de Estatuto das Inelegibilidades, a Lei Complementar 64/90 e a segunda, a tão controvertida Lei da Ficha Limpa, a Lei Complementar 135/2010, que acresceu uma série de outras exigências ao universo das condições constitucionais para o registro de candidaturas.
Mas além das condições de elegibilidade impostas pela Constituição Brasileira e leis complementares supracitadas, existem outras exigibilidades, estas infraconstitucionais, de caráter mais formal e burocrático, que residem na topografia do artigo 11 da Lei das Eleições, a Lei 9504/97. Essas condições recebem o nome de CONDIÇÕES DE REGISTRABILIDADE.
Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, desde que respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade, registrabilidade e de incompatibilidade, de modo a não ensejar qualquer das causas de inelegibilidade (Código Eleitoral, art. 3º, LC nº 64/90, art. 1º e Resolução TSE nº 23.455/2015, art. 11).
Desse modo, aos que desejam se candidatar, torna-se necessário o atendimento tanto das exigibilidades constitucionais como das infraconstitucionais, constantes, por exemplo, no atendimento aos requisitos da nacionalidade brasileira, exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação, idade mínima para o cargo almejado. Por sua vez, as leis complementares trouxeram um universo bem amplo de possibilidades que geram o impedimento ao registro de candidaturas, situação que foi agravada com a edição da LC 135/10 que alargou demasiadamente as hipóteses ensejadoras de negativa ao registro de candidaturas.
A maioria das impugnações de candidaturas oriundas da LC 135/10 refere-se à prestação de contas de exercício de cargos ou funções públicas que foram rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente. Outros critérios para se definir a inelegibilidade são os casos de condenação, em decisão transitada em julgado ou de órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral; compra de voto; doação, arrecadação ou gastos ilícitos de recursos de campanha; conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma; aqueles que tenham contra si representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou dada por órgão colegiado, em processo sobre abuso de poder econômico ou político; os cidadãos condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, pelos crimes de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; contra a economia popular, a fé, a administração e o patrimônio públicos; por crimes eleitorais, para os quais a lei estipule pena privativa de liberdade.
Um ponto que também resulta em indeferimento de registro de candidatura é o fato de serem inelegíveis, desde a condenação ou o trânsito em julgado, aqueles que tiveram os direitos políticos suspensos por ato doloso de improbidade administrativa que tenha resultado em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Do mesmo modo, ser excluído do exercício da profissão, por decisão do órgão profissional, em decorrência de infração ético-profissional, salvo se o ato for anulado ou suspenso pela Justiça. No mesmo universo de atingidos, os condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por desfazerem ou simularem desfazer vínculo conjugal ou de união estável com fins de evitarem justamente a incidência de uma causa de inelegibilidade.
Fazendo parte ainda das hipóteses ensejadoras pode-se apontar o Presidente da República, governador, prefeito, senador, deputado federal, deputado estadual ou distrital e vereador que renunciar a seu mandato para fugir de eventual cassação; os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, condenados por beneficiarem a si ou a outros pelo abuso do poder econômico ou político; pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas como ilegais; cidadãos demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário e magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por causa de sanção, ou nos casos que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar.
O processo de registro de candidaturas é complexo e constitui um misto de administrativo e jurisdicional, “formando-se linearmente, entre requerente e magistrado eleitoral, sem que haja angulação, ou seja, sem a existência da tríade autor, juiz, réu”, para parafrasearmos o eminente jurista Adriano Soares da Costa. Esse processo inicia-se com o pedido de registro, gerado e processado pelo sistema de informática do TSE, denominado CANDex e deve ser acompanhado do DRAP (Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários) e do RRC (Requerimento de Registro de Candidaturas) que são os formulários principais da Justiça Eleitoral para esse mister. O pedido de registro deflagra a instauração do processo de registro de candidatura que se bifurca em duas partes. A primeira é materializada no DRAP que propicia a análise da regularidade da agremiação e dos atos por ela praticados. Por sua vez, o RRC, conjunto de requerimentos de registro de candidaturas refere-se especificamente aos filiados lançados no certame eleitoral pela agremiação, mas como cada pedido de registro possui numeração própria, cada processo terá análise própria.
As inovações trazidas com a Lei 13.165/2015
Entre as principais inovações trazidas em sede de registro de candidatura encontramos a data das convenções, a quantidade de candidatos, idade mínima dos candidatos, prazo de entrada em cartório com o pedido de registro e o prazo de envio de relação dos candidatos ao TSE.
Quanto à data das convenções, a redação original da Lei 9.504/97 estabelecia anteriormente, no artigo 8º, o período de 10 a 30 de junho, o que posteriormente foi alterado, com a minirreforma eleitoral de 2013, para 12 a 30 de junho (o que não chegou a ser aplicada), pois com a Lei 13.165/15 alterou-se o artigo 8º da Lei das Eleições para estabelecer o intervalo de tempo entre 20 de julho a 5 de agosto. Sobre o mesmo tema, deu-se ainda nova redação ao artigo 93,§ 2º do Código Eleitoral, fazendo com que as convenções sejam realizadas no máximo até o dia 5 de agosto, encerrando-se o intervalo de tempo de outrora que estabelecia 10 dias entre as convenções e o registro das candidaturas.
Em relação à quantidade de candidatos, a redação original do artigo 10 da Lei das Eleições 9.504/97 estabelecia que cada coligação poderia preencher até o dobro do número de vagas oferecidas (200%) e cada agremiação indicava 150% do número de vagas, com exceção do artigo 10, § 2º que previa que nos lugares da federação brasileira em que o número de deputados para a Câmara não excedesse 20, cada partido poderia registrar candidatos a deputado federal e estadual até o dobro das vagas e, na existência de coligação, de até mais 150%.
Com a nova redação do artigo 10 da Lei 9.504/97 cada partido ou coligação podem registrar candidatos até 150% do número de vagas, salvo nas unidades da federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder o número de 12(doze), nas quais cada partido ou coligação poderá registrar candidatos até 200% do número de vagas oferecidas. Por sua vez, nos municípios até cem mil eleitores, cada coligação poderá agora registrar 200% do número de vagas oferecidas, sendo 30% o número mínimo e 70% o número máximo para cada sexo.
Na redação original do artigo 11 da Lei 9.504/97, o registro era solicitado até o dia 5 de
julho às 19 horas, fazendo o § 2º a previsão da data da posse para aferição da idade mínima dos candidatos.
Hodiernamente, com o advento da minirreforma, o artigo 11 da Lei das Eleições estabelece que os partidos solicitarão o pedido de registro de candidatura até às 19 horas do dia 15 de agosto.
Quanto à idade mínima para os candidatos, a Constituição da República estabelece no artigo 14, § 3º, inciso V, a normatividade a ser atendida e o paradigma para a aferição da idade mínima dos candidatos passa a ser o dia da data-limite para o pedido de registro de candidatura, ou seja, o dia 15 de agosto do ano da eleição. Do mesmo modo, deu-se nova alteração do artigo 93 do código Eleitoral para também estabelecer que o prazo de entrada em cartório ou na Secretaria do Tribunal para o pedido de registro de candidaturas será impreterivelmente às 19 horas do dia 15 de agosto.
Em relação ao envio da relação dos candidatos ao TSE para o julgamento dos registros de candidatura, antes da reforma o artigo 16 da Lei das Eleições previa o envio dos processos em 45 dias antes da data das eleições. Ao revés, com a Reforma de 2015, o artigo 16 passou a receber nova redação e o prazo passou para 20 dias antes da data das eleições, pois até essa data, todos os pedidos de registro, inclusive os impugnados e os respectivos recursos devem estar julgados pelas instâncias ordinárias da Justiça Eleitoral.
Quando desatendidas as condições de elegibilidade e registrabilidade teremos a possibilidade do ajuizamento de uma AIRC (Ação de Impugnação do Registro de Candidatura), regulamentada nos artigos 3º e seguintes da Lei Complementar 64/90, um importante instrumento para afastarmos do processo eleitoral os candidatos que não preenchem os requisitos necessários ou que incide em qualquer das hipóteses de inelegibilidades e incompatibilidades, tendo por objetivo impedir o deferimento do registro.
A legitimidade ativa para a propositura é do Ministério Público que em regra tem legitimidade para propor a ação (artigo 3º da Lei 9.504/97), qualquer candidato ainda que sub judice, partidos políticos e coligações que concorram na circunscrição eleitoral.
Desse modo, EXCLUIU o legislador o eleitor desse rol de legitimados, sendo o eleitor PARTE ILEGÍTIMA para propor a AIRC.
Contudo, causando sérios desacertos à condução serena das eleições, estimulando cizânias provocadas por “politicagem” sem alicerce jurídico, instituiu o TSE procedimento nas resoluções de registro há várias eleições, SEQUER se exigindo que a dita “notícia” seja subscrita por advogado, o que ajudaria sensivelmente a necessária triagem que deveria ser feita para que pudéssemos evitar a protocolização de falaciosas denúncias , muitas vezes com o escopo de causar desacerto eleitoral. Certamente, chega a ser menos nociva tal possibilidade em comparação com os “disque-denúncia” dos tribunais que por muitas vezes permitem as denúncias anônimas em arrepio do artigo 5º, inciso IV da Constituição da República.
Na realidade, a permissão da autuação da petição da “notícia” já é lesão sensível ao rol normativo de legitimados. Além disso, o legislador constituinte conferiu à União – e não ao TSE – COMPETÊNCIA PRIVATIVA para legislar em matéria processual e eleitoral, conforme normatividade inserta no artigo 23, inciso I, da CRFB/88.
A situação tem se tornado a cada eleição mais alarmante, pois malgrado as “boas intenções” do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral em fomentar a cidadania e a participação política, essa ferramenta, inconstitucional, pois o argumento da “ponderação de princípios” vai depender do “cardápio principiológico do intérprete”, tem se revelado um horror em nível prático, pois serve tão somente para a protocolização de toda sorte de denúncias persecutórias sem alicerce plausível, lesando a segurança jurídica e um dos princípios cardeais do Direito Eleitoral que é a celeridade. Afinal, o eleitor comum não está tecnicamente apto para fazer a necessária análise prévia mínima do que deva ser verdadeiramente objeto de real denúncia.
Ajuizando toda sorte de loucuras, ocupa desnecessariamente o Poder Judiciário e o Ministério Público, obrigando ainda o advogado a responder “denúncias circenses”, despidas de fundamento jurídico, que são por vezes maldosamente divulgadas pelos meios de comunicação de forma a destruir carreiras com a veiculação de acusações infundadas antes mesmo de sequer passarem pelo contraditório.
Oxalá possamos em breve nos livrar dessa ferramenta populista que só cria distúrbios no processo eleitoral, servindo de esteio para laranjas contratados por adversários para gerar constrangimento.
Acesso em: 08/07/2016
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