Artigos

Por Antônio Veloso Peleja Júnior: Data da diplomação é prazo final para a representação por propaganda irregular

sexta-feira, 05 de junho de 2020
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Tema intrincado na seara eleitoral é o prazo final para a propositura da representação por propaganda irregular. O entendimento tradicional é o de que ele ocorre no dia das eleições. O escopo do presente artigo é demonstrar a necessidade de modificação desse entendimento, bem como enquadrar a técnica adequada.

O Direito Eleitoral não ficou imune ao Código de Processo Civil de 2015, cujas disposições aplicam-se ao campo especializado (artigo 15, CPC). A norma geral processual incorporou temas hauridos da common law, que são objeto de análise pelo julgador: distinguishing e overruling (artigo 489, § 1º, VI, CPC).

Em ambos os casos há um cotejamento entre o precedente possivelmente aplicável ao caso e a hipótese sob julgamento — raciocínio de caso para caso —, sendo que, no primeiro (distinguishing), o precedente não será aplicável, apesar de o caso concreto, aparentemente, adequar sua razão de decidir ao precedente, em razão de particularidades inatas que o diferenciam. A segunda hipótese (overruling) versa sobre a superação do entendimento contido no precedente, que pode se dar quando a regra estabelecida torna-se impraticável, houver o desenvolvimento do direito ou o raciocínio subjacente ao precedente estiver desatualizado ou mostrar-se inconsistente com os valores atualmente compartilhados na sociedade [1].

Pois bem. O direito à propaganda eleitoral é essencial ao candidato para se tornar visto e divulgar sua plataforma eleitoral. Contudo, quando ultrapassa os limites disciplinados pelas normas eleitorais, torna-se irregular.

É da praxis jurisprudencial que o prazo final para o ajuizamento da representação cujo objeto é a propaganda irregular é a data das eleições. Por todos, a esse respeito, o REspe — Recurso Especial Eleitoral nº 060336443[2], segundo o qual "o prazo final para a propositura de representação, por propaganda eleitoral extemporânea ou irregular, é a data da eleição", que invoca como paradigma o REspe 1850-78, relatora ministra Rosa Weber, DJE de 16.5.2017. Acórdãos originários que sustentam esse entendimento são os Recursos Especiais Eleitorais nº 25.935/SC e nº 28.066, sendo que este último dispõe:

"Com efeito, esta nossa Casa de Justiça — no julgamento do REspe n° 25.935/SC, relator acórdão ministro Cezar Peluso — assentou que a representação fundada no artigo 73 da Lei n° 9.504/97 é de ser ajuizada até a data das eleições, sob pena de não ser conhecida, por falta de interesse de agir. Ora, se se afasta o conhecimento das representações manejadas após as eleições e que tratam de condutas vedadas — que podem desaguar em cassação do registro ou do diploma —, com maior razão não se deve conhecer das representações fundadas em propaganda eleitoral supostamente irregular, quando intentadas após as eleições, porque, aqui, a procedência do pedido acarreta — no máximo — a aplicação de multa" [3].

Apesar do entendimento consolidado da Corte Superior Eleitoral, a situação deve ser revista.

Não há prazo legal fixado para o termo final do ajuizamento da representação por propaganda irregular e, por isso, a jurisprudência do TSE alinhou-se ao mesmo prazo fixado para a representação por condutas vedadas, que era até a data das eleições. Contudo, a Lei 12.034/2009 modificou a situação e fixou a diplomação dos eleitos como termo final para o ajuizamento de ações dessa natureza (artigo 73, § 12, Lei 9.504/97), intelecção aplicável, ainda, ao prazo para a ação de captação ilícita de sufrágio, que também foi modificado (artigo 41-A, § 3º, Lei 9.504/97).

Se o paradigma modificou-se, é evidente que o prazo para o ajuizamento da propaganda irregular deve ser dilatado. Em termos práticos, isso se justifica porque, em conduta realizada próxima ou na data das eleições, não há tempo hábil para o ajuizamento da ação, o que se traduz em um salvo conduto para a prática de irregularidades. Subsome-se que esse foi o móvel do legislador, em uma análise histórica.

É preciso verificar se a não aplicação do julgado se dá pela superação (overrruling), caso em que deverá ser levada a efeito pelo Tribunal Superior Eleitoral, prolator do precedente, ou se pela técnica da distinção (distinguishing), situação na qual pode ser operada pelo julgador do caso concreto ao fazer o cotejamento entre ambos os julgados.

As razões argumentativas oferecidas por ambas as espécies são igualmente sedutoras e, necessariamente, a corte superior, em razão da mutação da norma, terá de reverter o posicionamento jurídico, salvo se invocar a política judiciária para sustentar o status quo.

Em que pese a proximidade de ambas as técnicas, não se trata, estritamente, de overruling, mas, sim, de distinção, o que possibilita a não aplicação do precedente, após realizar-se a referida técnica, pondo-o em confronto com o caso sob julgamento.

O manejo da técnica da distinção justifica-se porque o juiz deverá verificar se a nova hipótese possui especificidades que demandam um tratamento diferenciado [4]. São várias as hipóteses de distinção, dentre as quais, "o enfrentamento na nova causa de algum argumento que poderia ter sido, mas não foi examinado pela corte vinculante, e que implica o afastamento parcial de suas conclusões" [5].

Defende-se que o caso versa sobre distinção decorrente de precedente produzido per incuriam (por negligência, por falta de cautela), caso que se encontra na linha fronteiriça com a superação de entendimento, conforme lecionam Marcelo Alves Dias de Souza e Patrícia Perrone Campos:

"...Não tendo a corte vinculante cogitado de algum elemento que deveria ter sido examinado (como, por exemplo, a existência de uma lei ou sua revogação) e, tendo, em razão disso, formulado uma regra muito ampla, seria possível às cortes vinculadas promover a distinção. Esta ocorreria porque a regra teria sido formulada de forma muito abrangente e entraria em atrito com outras normas" [6].

A situação doutrinária exposta enquadra-se ao caso em estudo, concluindo-se que se está na seara da distinção, em razão de a lei que validava a aplicação do precedente ter sido revogada e outra alterado o entendimento, elastecendo o prazo anteriormente fixado [7].

Por isso, até que o TSE modifique o seu precedente, poderão os operadores do Direito ajuizar ação por propaganda irregular até a data da diplomação, uma vez que a técnica da distinção poderá ser manejada pelos tribunais e juízes ordinários para deixar de aplicá-lo, porque a corte superior, no precedente em tela e nos outros que se lhe seguiram, deixou de examinar a alteração da lei e formulado uma regra muito ampla.

Por essas razões, defende-se que o dies ad quem para o ajuizamento da propaganda eleitoral é a data da diplomação, por coerência, lógica e prática interpretativa, porque a modificação legal (Lei 12.034/09) em relação às representações por condutas vedadas e a captação ilícita de sufrágio estendeu o prazo, devendo-se a mesma intelecção aplicar-se à representação por propaganda irregular, na esteira do que já foi decidido pelo TSE ao estabelecer o elo entre as referidas ações.

 

[1] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª edição, 2015 p. 1246.

[2] RESPE nº 060336443 – Goiânia-GO, Acórdão de 13/3/2020, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 72, Data 15/04/2020.

[3] Relator Min. Ayres Britto, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 14/03/2008, p. 7-8.

[4] PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. Direito Eleitoral, aspectos processuais, ações e recursos, 6ª edição, 2020, Curitiba-PR, p. 363-364, no prelo.

[5] MELLO. Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Ed. Renovar, Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 204.

[6] MELLO. Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Ed. Renovar, Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 204. Acerca do tema conferir: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 146-147.

[7] PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. Direito Eleitoral, aspectos processuais, ações e recursos, 6ª edição, 2020, Curitiba-PR, p. 363-364, no prelo.

Antônio Veloso Peleja Júnior é ex-juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso, doutor pela PUC-SP, mestre pela UERJ e autor de obras jurídicas na seara eleitoral.

Categoria(s): 
Tag(s):
, , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

#GRAinforma

Notícias relacionados

qui, 05 de julho de 2018

Os novos critérios de nomeação de dirigentes de estatais: muito além da questão técnica

O sociólogo alemão Max Weber definiu patrimonialismo como a gestão do Estado incapaz de diferenciar as esferas pública e privada. […]
Ler mais...
qua, 21 de março de 2018

PEN vai ao STF contra lei que pode dificultar eleição de minorias no Legislativo

Por Fernando Martines O Partido Ecológico Nacional questionou no Supremo Tribunal Federal regra para eleições proporcionais imposta na reforma eleitoral de 2015, por […]
Ler mais...
qua, 21 de fevereiro de 2018

TSE discute o que fazer com eleição ganha por um voto, mas com voto fraudado

Por Pedro Canário O Tribunal Superior Eleitoral começou a julgar nesta quinta-feira (29/6) a importância de um voto para o […]
Ler mais...
ter, 28 de março de 2023

Artigo — Anistia para quem precisa: o combinado não pode sair caro

Fonte: Correio Braziliense Gabriela Rollemberg - Advogada e cientista política, cofundadora da Quero Você Eleita Adriana Vasconcelos - Jornalista, consultora […]
Ler mais...
cross linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram