Um dos pontos centrais do financiamento das campanhas eleitorais é, sem sombra de dúvidas, a questão da fiscalização e de controle externo das finanças dos partidos e candidatos. É com fundamento nesta perspectiva que as últimas e constantes “minirreformas” eleitorais aprovadas vêm se centrando no aperfeiçoamento do sistema de prestação de contas. Também são inegáveis os esforços empreendidos da Justiça Eleitoral neste sentido, na busca desta transparência tão almejada.
Uma das novidades neste assunto foi introduzida na legislação eleitoral pela Lei 13.165/15, que inseriu o parágrafo 9° no art. 28 da Lei 9.504/97 dispondo sobre um procedimento simplificado de prestação de contas. É conhecido o fato de que grande parte das candidaturas – notadamente nas eleições municipais – presta contas com base em valores baixos, pouco expressivos. Isto se torna muito relevante quando se considera o universo de contas que a Justiça Eleitoral deve verificar e julgar. Otimizar o procedimento a partir da desburocratização de contas que respondem por campanhas mais modestas era, de fato, uma providência que se impunha.
Assim, coube ao Tribunal Superior Eleitoral regulamentar este sistema simplificado na Resolução n° 23.463/15, dedicando os arts. 57 a 62 para fixar seus critérios e o rito a ser adotado.
Há diversos pontos que poderiam ser comentados sobre esta nova modalidade de prestação de contas, que nas eleições de 2016 será a regra, e não a exceção. Afinal, houve, realmente, uma desburocratização deste procedimento? Os resultados serão mais eficientes, atendendo à necessidade de rapidez na verificação dos dados e os exíguos prazos legais?
Segundo o texto inserido pela Lei 13.165/15 na Lei 9.504/97, art. 28, §9°, “A Justiça Eleitoral adotará sistema simplificado de prestação de contas para candidatos que apresentarem movimentação financeira correspondente a, no máximo, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), atualizados monetariamente, a cada eleição, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou por índice que o substituir.”
Já no parágrafo 10, a norma dispõe que este sistema deverá conter, ao menos: (i) a identificação das doações recebidas, com os nomes, o CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores recebidos; (ii) a identificação das despesas realizadas, com os nomes e o CPF ou CNPJ dos fornecedores de material e dos prestadores dos serviços realizados; (iii) o registro das eventuais sobras ou dívidas de campanha. Ainda, a lei estabelece que, nas eleições para Prefeito e Vereador de Municípios com menos de cinquenta mil eleitores, a prestação de contas será feita sempre pelo sistema simplificado.
Não há dúvidas que a iniciativa é elogiável, considerando o alto número de prestações de contas de pequeno valor e, por vezes, com nenhuma movimentação financeira. A desburocratização é uma providência que sempre colabora para a maior eficiência na tarefa de fiscalização, permitindo que se empregue maior atenção aos casos mais complexos.
Além disso, a própria lei deixou espaço ao Tribunal Superior Eleitoral para regulamentar este sistema. Assim, a Resolução 23.463/15 tratou detalhadamente do processo de prestação de contas, a partir do art. 57, mas é a partir do seu parágrafo 2° que efetivamente o assunto é regulamentado, pois aqui se define o que se entenderá por movimentação financeira, para fins do cálculo acima exposto. Esta movimentação consiste no total das despesas contratadas e registradas na prestação de contas, não mencionando as receitas.
Já o art. 58 da Resolução determina expressamente que a prestação de contas simplificada atenderá a um procedimento informatizado, sendo utilizado o SPCE – Sistema de Prestação de Contas Eleitorais. Todas as informações necessárias deverão ser transmitidas à Justiça Eleitoral por este canal, que também terá que contar com quatro documentos: (i) extratos da conta bancária aberta em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para o fluxo de recursos do Fundo Partidário, quando for o caso, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira; (ii) comprovantes de recolhimento (depósitos/transferências) à respectiva direção partidária das sobras financeiras de campanha; (iii) declaração firmada pela direção partidária comprovando o recebimento das sobras de campanha constituídas por bens e/ou materiais permanentes, quando houver; e (iv) instrumento de mandato para constituição de advogado para a prestação de contas.[1] Neste ponto, nota-se a tentativa de desburocratizar o processo, amenizando a quantidade de comprovantes, bem como a manutenção da natureza jurisdicional da prestação de contas, já que a capacidade postulatória continua sendo necessária. Foi, por outro lado, dispensada a obrigatoriedade de assinatura de um profissional de contabilidade previamente à apresentação das contas, como ocorre no procedimento comum, o que não quer dizer que um profissional contábil não seja recomendável.
Ainda, no parágrafo 5° do art. 59 consta outra obrigação documental: a apresentação de comprovantes dos recursos oriundos do Fundo Partidário, caso tenham sido utilizados. Entende-se que, em nome de uma melhor técnica legislativa, esta disposição deveria inserir-se no mesmo artigo referente aos documentos obrigatórios, o art. 59, caputda Resolução, favorecendo uma compreensão mais clara das disposições legais pelos candidatos mais leigos.
No que tange ao recebimento e processamento, a prestação de contas simplificada seguirá o disposto nos arts. 50 e 51 da Resolução, que dispõem sobre a forma como as prestações de contas comuns são recepcionadas e conduzidas. É a partir daqui que se percebe a opção da Justiça Eleitoral por manter praticamente os mesmos critérios utilizados para o procedimento comum, uma vez que somente a apresentação da prestação de contas já obriga aos candidatos enfrentar a burocracia exigida. Esperava-se que o sistema simplificado fosse algo mais simples e de maior compreensão por qualquer pessoa que desejasse manejá-lo.
Concluída a análise técnica, e na hipótese de apresentação de impugnação sobre as contas apresentadas, bem como identificada alguma irregularidade, o prestador de contas será intimado para se manifestar no prazo de três dias, sendo oportunizada a juntada de documentos. Com ou sem esta manifestação, o Ministério Público Eleitoral poderá apresentar um parecer no prazo de quarenta e oito horas. Esta análise técnica se centrará na detecção de: (i) recursos recebidos direta ou indiretamente desde fontes vedadas; (ii) recursos recebidos de origem não identificada; (iii) de descumprimento do limite de gastos; (iv) de omissão de receitas e gastos eleitorais; (v) bem como na não identificação de doadores originários, nos casos de aportes recebidos de outros prestadores de contas. Ainda, na hipótese de utilização de recursos do Fundo Partidário, haverá também a verificação dos comprovantes da correta destinação destes valores.
Logo, segundo o art. 61 da Resolução, não havendo impugnação das contas e não identificada qualquer irregularidade técnica, juntamente com um parecer favorável do Ministério Público Eleitoral, não serão determinadas diligências. Do contrário, o Juiz Eleitoral examinará as razões alegadas e decidirá sobre a regularidade das contas. Caso não seja possível esta decisão, ele converterá o procedimento em ordinário (em uma analogia entre este e o rito sumário previstos no Direito Processual), determinando a intimação do prestador de contas para a apresentação de novo dossier retificador. Esta decisão tem natureza interlocutória, é irrecorrível de imediato, não preclui e pode ser objeto de análise preliminar em recurso contra a decisão final da prestação de contas, na hipótese de haver recurso.
Aqui se pode apontar o fato de que tanto as contas comuns quanto as simplificadas se submetem ao mesmo “estilo” de verificação de dados, compondo, provavelmente, o mesmo rito, porém descrito de forma distinta. A essência do procedimento, em si, não foi desburocratizada, mas foi moldada a partir de uma roupagem nova, que na prática pode significar o mesmo período de tempo para a sua verificação, a mesma complexidade para a preparação do dossier, excetuando a diminuição dos documentos iniciais, a desnecessidade de contador e a sua eventual realização por via exclusivamente informatizada.
Mesmo quando o legislador introduziu na Lei 9.504/97 um sistema mais simples de cumprir a obrigação de prestar contas, ele não buscou reduzir a sua importância ou amenizar a sua rigidez em nome de uma eficiência que somente visasse uma verificação formal destes dados. A concepção de que o ato de prestar contas das finanças movimentadas durante a campanha eleitoral é importante para a democracia não se alterou. Contudo, cabe também à Justiça Eleitoral, ao menos, tentar interpretar e captar a intenção da letra da lei, adequando-a a uma realidade possível.
Além disso, segundo as regras contidas para a prestação de contas simplificada, candidatos de cerca de 5.153 municípios brasileiros[2]deverão utilizar este procedimento nas eleições de 2016. Trata-se de um número bastante representativo do universo de contas apresentadas.
Entende-se que o processamento destas prestações de contas mais simples deve ser repensado. Com base na Resolução 23.463/15, a Justiça Eleitoral dispôs sobre um procedimento a ser seguido, deixando em aberto a possibilidade de “converter o feito para o rito ordinário”, nos termos do art. 62. Assim, a partir da letra da norma, pode-se deduzir que há um rito ordinário – utilizado para a prestação de contas comuns – e outro análogo ao sumário, embora não adote esta nomenclatura.
Se esta for a intenção da Justiça Eleitoral, poder-se-ia analisar o procedimento simplificado sob a perspectiva do Direito Processual comum, ou seja, assumindo-o como o representante do rito sumário. Este tipo de procedimento responde a um desenvolvimento mais ágil, com atos mais concentrados e mais imediatos. Segundo o art. 275, incisos I e II, do já revogado Código de Processo Civil, o procedimento sumário é aquele utilizado nos casos descritos neste dispositivo em razão ao valor da causa ou em razão da matéria.[3] Na situação presente, a prestação simplificada de contas também depende do valor das contas, bem como do tipo de eleições a que se refere e do número de eleitores.
Na lógica do Código de Processo Civil aprovado em 2015 e atualmente em vigor, há a dispensa de advogado para causas de até 20 salários mínimos,[4] há a simplificação de atos praticados em audiência, não há intervenção de terceiros, entre outras informalidades que caracterizam os processos nos Juizados Especiais e que deixam visíveis suas diferenças com o rito ordinário. Se for aplicada a analogia, a prestação de contas simplificada em nada se assemelha a um rito sumário. Ao contrário, o único sinal de sumariedade deste rito adotado pela Justiça Eleitoral ocorre em dois pontos, no da supressão da fase de diligências (que também ocorre na prestação de contas comum), e no volume de informações que é enviado para análise, a partir da lista mais reduzida de documentos necessários. Excetuando estes dois momentos, os procedimentos de prestação de contas comum e simplificado são praticamente os mesmos, ainda que o art. 58 da Resolução 23.463 do TSE disponha que a análise das contas simplificadas será informatizada, levando a crer que não haverá verificação manual pelos analistas da Justiça Eleitoral.
Muito ainda poderia ser comentado, mas que extrapolaria as dimensões deste artigo. O fato é que, se há realmente a intenção de simplificar este processamento de prestações de contas de pequena monta e atender à pretensão do legislador, deverá haver diferenças concretas entre estes procedimentos. Caso contrário, será algo meramente formal.[5]
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[1] São quatro dos oito documentos obrigatórios para a apresentação de uma prestação de contas comum.
[2] Do total de 5.571. Cálculo realizado a partir dos dados constantes na Resolução n° 23.459/15, disponível em: < http://chimera.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2015/RES234592015.html> Acesso em 29 mar. 2016.
[3] Já no novo Código de Processo Civil (2015), este procedimento não existe mais, passando os feitos constantes no anterior art. 275, II para a competência dos Juizados Especiais Cíveis.
[4] Em 2016, o valor do salário mínimo está em 880 reais. Se multiplicado por 20, perfaz 17.600 reais, quase o mesmo valor disposto para a prestação de contas simplificada.
[5] Embora exista previsão normativa para a regulamentação do sistema simplificado de prestação de contas, podem surgir dúvidas sobre a competência da Justiça Eleitoral para criar um verdadeiro rito sumário, o que não se ignora nesta análise, mas que não será aqui abordado.