Fonte: Migalhas
Com efeito, em artigo anterior, esclarecemos que a divulgação de informações falsas ou ofensivas em desfavor de titulares de cargos políticos, bem como candidatos e pré-candidatos a cargos eletivos que pudessem afetar a sua honra, poderia ser tipificada como crime de calúnia, difamação ou injúria, previstos nos artigos 324 a 326 do Código Eleitoral (lei 4.737/65), caso fosse praticada durante a propaganda eleitoral, ou com fins de propaganda, ainda que de forma extemporânea, já que neste caso haveria ofensa, primordialmente, ao bem jurídico público da democracia nacional.
O principal ponto capaz de atrair a competência da Justiça Eleitoral, para processamento e julgamento desse tipo de crime dizia respeito ao fato de que tais ofensas seriam utilizadas para desacreditar os eleitores do ofendido, abalando a isonomia entre parlamentares candidatos ou pré-candidatos na disputa eleitoral, tal como vem entendendo o TSE.
Nesse sentido, vale frisar que os crimes praticados contra a honra de parlamentares candidatos ou pré-candidatos na disputa eleitoral, desde que estivessem inseridos em contexto indissociável da disputa eleitoral, não atrairiam, via de regra, a competência da Justiça Comum para processamento e julgamento, já que, neste último caso, haveria ofensa, única e exclusiva, à honra objetiva ou subjetiva da pessoa, sendo, portanto, privado o bem jurídico tutelado.
E, nesse contexto, é preciso tecer alguns comentários acerca do recentíssimo acórdão proferido pela 3ª seção do STJ, que nos autos do Conflito de Competência 174107 - SP, analisou a questão e definiu que a competência para processamento e julgamento dos supostos crimes praticados contra a honra de um pré-candidato ao cargo de prefeito em São Paulo seria da Justiça Comum.
No caso concreto, o presidente do Partido Democrático Trabalhista e outras pessoas administradoras de um grupo mantido na rede social do Facebook, veicularam ofensas em perfis, em programa gravado e em páginas nas redes sociais em desfavor do pré-candidato, "chamando-o de 'sujeito burro, preguiçoso, mentiroso, oportunista, imbecil, caricato e patético', 'bunda mole, fascista, frangões', além de 'ter interesse na verba de R$ 1,8 milhão da Prefeitura'."
No entanto, o STJ entendeu que não seria competência da Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes supostamente praticados em desfavor do pré-candidato porque as ofensas teriam sido proferidas em período anterior ao da propaganda eleitoral, quando ainda não havia definição sobre os candidatos que concorreriam ao cargo de prefeito naquela Cidade.
Nas palavras do ministro Relator, João Otávio de Noronha, para atrair a competência da justiça especializada, seria necessário proteger não apenas a honra subjetiva da vítima, "mas também à garantia de espaço ético para a veiculação das propostas dos candidatos, com o impedimento ao desvirtuamento da propaganda eleitoral", o que, no seu entender, não seria o caso dos autos.
Contudo, é preciso notar que o TSE tem entendido de forma divergente, indicando que a divulgação de fatos que levem o eleitor a não votar em determinada pessoa, ainda que provável candidato, caracteriza propaganda eleitoral antecipada negativa, sendo, portanto, competência da justiça especializada para processamento e julgamento da questão (TSE, REspe 20.073/MS, de relatoria do ministro Fernando Neves).
Desse modo, considerando que no caso concreto julgado pelo STJ foram proferidas ofensas decorrentes, inclusive, do presidente de um partido político em face de um pré-candidato a cargo eletivo, indicando que ele supostamente teria "interesse na verba de R$ 1,8 milhão da Prefeitura", ousamos divergir, quanto a este ponto, acerca da competência fixada para processamento e julgamento de tais supostos crimes.
Isso porque, diversos possíveis eleitores certamente foram alcançados pela divulgação da referida ofensa nas redes sociais, de modo que ao menos, inconscientemente, podem vincular a pessoa do pré-candidato a alguém inidôneo que teria algum suposto interesse escuso em verbas públicas, na forma do alegado.
E, dessa forma, não é irrazoável supor que tal alegação possui efeito potencialmente negativo sobre a cognição desses possíveis eleitores quanto à pessoa do pré-candidato, influenciando o (pré)conceito formado quanto ao mesmo, e consequentemente, na escolha do candidato quando do sufrágio nacional, hipótese, portanto, de propaganda eleitoral extemporânea negativa, o que atrairia a competência da Justiça Eleitoral para processamento e julgamento, justamente na esteira do Tribunal Superior Eleitoral ora mencionado.
E, em assim sendo, é importante destacar que há entendimento pacífico do STF, nos moldes do decidido nos autos do Inquérito 4435, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, no sentido de que os crimes comuns praticados em conexão a crimes eleitorais também serão julgados perante a justiça especializada diante da atração da competência, até mesmo em razão do disposto no art. 35, II, da lei 4.737/65 (Código Eleitoral).
Desse modo, as demais ofensas praticadas contra o pré-candidato no caso concreto ora discutido ('sujeito burro, preguiçoso, mentiroso, oportunista, imbecil, caricato e patético', 'bunda mole, fascista, frangões') por mais que se tratem, aparentemente, de crimes comuns contra a honra do pré-candidato, por terem sido proferidas no mesmo contexto de propaganda eleitoral extemporânea negativa, tem-se que, a princípio, a competência da justiça especializada estaria atraída para seu processamento e julgamento.
O que se pode ver, na prática, é que existe divergência de entendimento entre o TSE e o STJ, quanto à competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral, envolvendo ofensas praticadas em período pré-eleitoral, quando ainda não estão definidos os candidatos que participarão do sufrágio.
Mas, por outro lado, ambos os Tribunais Superiores são uníssonos quanto ao requisito obrigatório para atração da competência da justiça especializada, para processamento e julgamento de ofensas assacadas contra parlamentares candidatos ou pré-candidatos, qual seja, ser praticada durante a propaganda eleitoral, ou com fins de propaganda, não havendo qualquer inovação jurisprudencial quanto a esse ponto.
Atualizado em: 17/3/2021 12:47
Isabela Klein
Advogada, membro da Comissão de Políticas Criminal e Penitenciária da OAB/RJ;Pós-Graduada em Direito Público Latu Sensu pela Universidade Cândido Mendes - UCAM/RJ.
Paulo Klein
Advogado, sócio-fundador do escritório Klein & Giusto. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Ecnômico Europeu e IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de Coimbra.