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Por: Pedro Henrique Rezende – Caixa dois eleitoral e corrupção: A tipificação autônoma do caixa dois eleitoral é medida eficaz no combate ao financiamento político por meio da corrupção?

segunda-feira, 05 de dezembro de 2016
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Pedro Henrique Rezende[1]

O recente debate público sobre criminalização e anistia do caixa dois eleitoral tem acirrado os ânimos políticos, já inflamados desde o início da “Operação Lava Jato”. O Ministério Público Federal tem ferozmente defendido, numa forte campanha publicitária, as “Dez Medidas Contra a Corrupção”, dentre as quais está prevista a tipificação, como crime, da contabilização paralela, em caixa dois, àquela que deve ser prestada à Justiça Eleitoral por partidos políticos e candidatos a cargos eletivos.O MPF também tem encampado a restrição do foro privilegiado por prerrogativa de função. De outro lado, a oposição acusa a base governista de tentar barrar a “Lava Jato”, mediante a aprovação de um pacote legislativo, do qual consta a proibição da homologação de acordo de colaboração premiada firmado por colaboradores presos, novas possibilidades de punição de magistrados e de membros do Ministério Público por crimes de responsabilidade (nova lei de abuso de autoridade), a anistia do caixa dois eleitoral, dentre outras medidas legais consideradas ofensivas ao combate à corrupção[2].

O impacto político negativo das proposições legislativas da base governista foi tamanho que, no último domingo de novembro (dia 27), o Presidente Michel Temer anunciou, em resposta ao clamor social, um “ajustamento institucional” com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a fim de impedir a tramitação, no Congresso Nacional, de qualquer medida que concedesse anistia a políticos que, em eleições passadas, tenham praticado caixa dois. A tentativa de abafar a crise política e satisfazer a ‘opinião popular’ é clara. Todavia, o debate sobre a criminalização do caixa dois eleitoral deve continuar.

A criminalização do caixa dois prevista no PL n. 4850, de 2016, em trâmite perante a Câmara dos Deputados, é uma das “Dez Medidas Contra a Corrupção”de iniciativa do Ministério Público Federal, pela qual se pretendia, inicialmente, a alteração da Lei das Eleições para a cominação de pena de reclusão, de dois a cinco anos, para as condutas de “manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral” (Art. 32-A). Incorreriam nas mesmas penas “os candidatos e os gestores e administradores dos comitês financeiros dos partidos políticos e das coligações” (§ 1º). Seria ainda majorada a pena “de um terço a dois terços, no caso de algum agente público ou político concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa” (§ 2º).

As justificativas apresentadas pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados para a criminalização do caixa dois eleitoral são, em síntese, a sua “grande repercussão nas disputas eleitorais” e a “insuficiência das sanções extrapenais” e penais – como o crime de falsidade eleitoral – já existentes[3]. A essas razões, o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal, soma os benefícios simbólicos da incriminação do caixa dois, “pois, afinal, são conhecidas as forças de corrupção relacionadas a campanhas eleitorais, e a – por assim dizer – tentação dos candidatos em receber recursos de origem duvidosa, o que é um problema suficientemente grave para justificar a incidência específica do Direito Penal na repressão a essa conduta”[4].

Sem qualquer justificativa adicional, o relatório final do PL n. 4850, de 2016 apresentado pelo Deputado Federal Onyx Lorenzoni[5] alterou o novel art. 32-A, mantendo as penas abstratamente cominadas, para ampliar os limites proibidos pelo tipo penal do caixa dois às condutas de “arrecadar, receber, manter, movimentar, gastar ou utilizar, o candidato, o administrador financeiro ou quem, de fato, exerça essa função, o dirigente e o integrante de órgão de direção de partido político ou coligação, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral” (Art. 354-A). A alteração promovida pelo relatório final prevê a aplicação de pena em dobro se esses recursos, valores ou bens forem provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral ou partidária ou então extrapolarem os limites nelas fixados (§ 1º). Essa mudança também veio para criminalizar “quem doar, contribuir ou fornecer recursos, valores, bens ou serviços nas circunstâncias neles estabelecidas” (§ 2º), colocando no polo ativo do delito não só os partidos políticos, mas também os agentes financiadores, de modo que não é inadequado dizer que a indigitada alteração criminaliza, para além do caixa dois, o financiamento irregular de campanha.

Muito embora sejam escassas as razões oferecidas pelos órgãos legislativos para a tipificação penal autônoma da contabilização paralela com fins eleitorais, o senso comum tem sugerido que a incriminação do caixa dois é um instrumento eficaz na erradicação da prática sistêmica de financiamento de campanha eleitoral por meio do crime de corrupção. Essa forma de justificar a criminalização do caixa dois pressupõe uma relação automática entre o crime de corrupção, o financiamento irregular de campanha e a contabilização paralela de recursos, no sentido de que a propina é usualmente paga aos partidos políticos e candidatos na forma de doação eleitoral (ou não) – em contrapartida à prática de atos de ofício, como a realização de contratos com a administração pública – e, depois, é mantida em contabilidade paralela às contas de campanha, pelas quais deve transitar todo o movimento financeiro de campanha(artigo 22 da LE).

A questão que se coloca, portanto, é se a tipificação autônoma do caixa dois é medida eficaz no combate ao financiamento político por meio do delito de corrupção. Com efeito, financiamento irregular de campanha, caixa dois e corrupção são três coisas distintas, muito embora possam, por vezes, estar relacionadas.

Como muito bem se atentaram Alaor Leite e Adriano Teixeira, “nem toda doação irregular a caixa dois é crime de corrupção[6]. Por exemplo,pode um candidato a cargo eletivo receber recursos de origem lícita, mas de fonte vedada pela legislação eleitoral brasileira, como entidade ou governo estrangeiro (art. 24, I, da LE), de modo que os recursos destinados ao abastecimento da campanha política, embora de origem lícita, sejam irregulares e também mantidos em contabilidade paralela (caixa dois). Isso não significa, evidentemente, que esses recursos sejam fruto do crime de corrupção, o qual se configura somente quando o agente público solicita ou recebe vantagem indevida em contrapartida à realização de um ato de ofício dentro de suas atribuições funcionais. Dessa forma, é plenamente possível existir um financiamento irregular de caixa dois que não configure crime de corrupção.

Por outro lado, é muito comum que os valores pagos a título de vantagem indevida a um candidato a reeleição (e, portanto, detentor de mandado eletivo) envolvido em um esquema de corrupção sejam contabilizados regularmente como doação de campanha, em conformidade às prescrições eleitorais. Exemplificativamente, um Deputado Estadual vende seu voto na votação para Presidente da Assembleia Legislativa do seu estado, e, em contrapartida, recebe doação regular de campanha, devidamente contabilizada em conta específica, de um empresário que tinha interesse na eleição do seu amigo Deputado Estadual a Presidente da respectiva Casa Legislativa. Nesse caso, o pagamento da vantagem indevida do crime de corrupção é devidamente contabilizado nas contas de campanha e é, de fato, doação regular. Há o crime de corrupção, mas não se configura a contabilidade paralela e, portanto, o caixa dois.

Evidente que a doação regular de campanha não será mantida em caixa dois fora das contas específicas. Todavia, como visto, isso não garante que os recursos doados regularmente não sejam fruto do crime de corrupção, o qual também não se confunde com doação irregular de campanha. A doação regular pode, inclusive, vir acompanhada de outros crimes. Não diferente, a doação irregular ou ilegal pode constituir delito outro que o crime de corrupção.

Como se vê, não há uma relação automática e necessária entre o crime de corrupção passiva ou ativa e a manutenção de recursos de campanha em contabilidade paralela às contas específicas de campanha. Isso não quer dizer, todavia, que candidatos e partidos políticos não mantém valores oriundos de esquemas de corrupção em caixa dois. Significa, apenas, que a possibilidade de haver contabilidade paralela de recursos ilícitos representativos de vantagem indevida não deve ser elevada à categoria de regra geral, sobretudo para a definição dos rumos da política criminal que se pretende alcançar com a tipificação autônoma do caixa dois eleitoral.

À guisa de conclusão, a resposta que se obtém ao questionamento anteriormente proposto – saber se a tipificação autônoma do caixa dois é medida eficaz no combate ao financiamento político por meio do delito de corrupção – dependerá de estudos e pesquisas de campo que comprovem que a manutenção de recursos de campanha em contabilidade paralela está, na grande maioria das vezes, relacionada ao abastecimento de campanhas políticas com valores espúrios oriundos de delitos dessa natureza. Não parece razoável levar adiante a criminalização do caixa dois eleitoral sem uma base empírica minimamente consistente,pautada tão só em suposições acerca da relação automática entre corrupção e caixa dois– se o objetivo dessa criminalização primária for, de fato, potencializar o combate à corrupção.

[1] Graduando em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília-UnB. Contato: [email protected].

[2] O Procurador Chefe da Força Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, classificou a proposta de reforma da lei de abuso de autoridade como um “projeto de intimidação”. Ele também classifica a proposta de anistia do caixa 2 como a “manobra mais radical”que ele já viu. Veja a reportagem: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/anistia-ao-caixa-2-seria-tambem-contra-corrupcao-e-lavagem-diz-dallagnol.ghtml.

[3] A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados limita-se a afirmar que a criminalização do caixa 2 eleitoral tem“dignidade penal’, em razão de sua grande repercussão nas disputas eleitorais, que podem ser por essa prática desequilibradas. Além disso, há insuficiência das sanções extrapenais, como a rejeição das contas de candidatos ou partidos e mesmo a cassação do diploma que, por definição, só alcança candidatos eleitos. A quantidade de pena prevista para a conduta eleitoral de “lavagem” corresponde às penas da Leinº 12.683, de 9 de julho de 2012, especialmente para evitar que ilícitos de idêntica gravosidade recebam sanção distinta.

[4]Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td179.

[5]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1506314&filename=Parecer-PL485016-09-11-2016.

[6] Conferir artigo publicado no Conjur em 15 de novembro de 2016: http://www.conjur.com.br/2016-nov-15/nem-toda-doacao-irregular-caixa-dois-constituem-crime-corrupcao.

 

Acesso em 05/12/2016

http://www.oseleitoralistas.com.br/2

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