O direito eleitoral é peculiar. A legislação trata de direito material e processual de forma mesclada, invocando o Código de Processo Civil como subsidiário. O arcabouço eleitoral é composto pelo código eleitoral - Lei 4.737/65, pela Lei Complementar 64/90 - Lei das Inelegibilidades, pela Lei 9.096/95 - Lei dos Partidos, pela Lei 9.504/97 - Lei Eleitoral e pelas diversas Resoluções do TSE. Destaque-se, que em 2015 teve o advento da Lei 13.165/15 - Minirreforma, que mexeu substancialmente nas citadas legislações.
No âmbito processual eleitoral, quanto aos prazos, há um duplo momento, ou seja, durante o período eleitoral, em que o TSE fixa as datas por meio da Resolução do Calendário Eleitoral e fora do período eleitoral. Naquele, os prazos “são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou cartório. A partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos os prazos não se suspendem aos sábados, domingos e feriados”[1] e serão computados na forma do artigo 224 do novo Código de Processo Civil.
Acrescente-se, que durante o período eleitoral (há fixação de datas como marco inicial e final) as citações/notificações (a legislação eleitoral utiliza ora o vocábulo notificação e ora citação) podem ser feitas por oficial de justiça, bem como por meio de correio eletrônico e/ou por fac-símile, ambos indicados pelos candidatos, coligações e partidos. Conta-se o prazo, então, a partir da mera ciência.
Fora do período eleitoral as citações/notificações devem ser feitas obrigatoriamente por oficial de justiça. Repudia-se as ligações telefônicas promovidas pelos cartórios das zonas eleitorais “convidando” as partes para serem citadas/notificadas.
O promotor de justiça gaúcho e autor eleitoralista Rodrigo Lopez Zílio aborda o tema dos prazos na sua consagrada obra Direito Eleitoral [2] quando escreve sobre a AIME, trazendo o seu posicionamento, do TRE-RS e do TSE, verbis:
"A legislação eleitoral é carente na regulamentação das ações eleitorais. Embora previsão de diversas ações eleitorais (v.g., AIRC, AIJE, e representação pelos artigos 30-A, 41-A, 73 a 77 da LE), apenas a LC nº 64/90 traz a previsão de dois procedimentos específicos (arts. 3º a 14 e artigo 22) – além do rito sumaríssimo previsto no art. 96 da LE para as representações por descumprimentos à Lei das Eleições.
Como se trata de ação ajuizada após a diplomação (quando não existe mais a fluência contínua e ininterrupta dos prazos processuais e tampouco o plantão permanente da Justiça Eleitoral), as regras de citação e intimação das partes devem observar, ao máximo, seja assegurada a plenitude do contraditório e da ampla defesa. Desta forma, a notificação, intimação ou citação das partes, em regra, deve ser realizada pessoalmente ou por publicação no Diário de Justiça Eleitoral.
A contagem do prazo, porque se trata de ação de cunho eleitoral (embora de natureza cível), deve prestigiar a celeridade dos feitos processuais, sendo adequado admitir o início da contagem a partir da mera ciência do ato processual (como, aliás, é até mesmo na esfera penal, conforme Súmula 710 do STF)[3]. O TRE-RS, no entanto, já admitiu a contagem do prazo a partir da juntada, quando a citação for efetuada por oficial de justiça, assentando que “a omissão na LC n, 64/90 quanto à forma de contagem do prazo para a contestação conduz à aplicação subsidiária da legislação processual civil na apuração da tempestividade” (Recurso Eleitoral nº 311272 – Rel. Dra Ana Beatriz Iser – j. 05.10.2010). No mesmo sentido, o TSE defendeu a aplicação da regra do Código de Processo Civil que estabelece a juntada do mandado de notificação como marco inicial para a contagem do prazo para a apresentação de defesa na AIME (Recurso Ordinário nº 6931-36 – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 08.05.2012)".
Na prática, muitos advogados adotam a contagem dos prazos para contestar, mesmo fora do período eleitoral, a partir da mera ciência da citação/notificação e não da juntada do mandado devidamente cumprido (ou do último mandado quando há mais de um citado/notificado) com medo de perder o prazo. Isso significa, suprimir um plus de tempo precioso na elaboração da peça de defesa.
É de suma importância frisar que para as matérias da Lei 9.504/97, em especial, tocante à propaganda eleitoral, aplica-se o rito processual do artigo 96 da citada lei, que fixa o prazo para a defesa em 48 horas, verbis:
"Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:
(...)
§ 5º Recebida a reclamação ou representação, a Justiça Eleitoral notificará imediatamente o reclamado ou representado para, querendo, apresentar defesa em quarenta e oito horas.
(...)
Art. 96-A. Durante o período eleitoral, as intimações via fac-símile encaminhadas pela Justiça Eleitoral a candidato deverão ser exclusivamente realizadas na linha telefônica por ele previamente cadastrada, por ocasião do preenchimento do requerimento de registro de candidatura. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Parágrafo único. O prazo de cumprimento da determinação prevista no caput é de quarenta e oito horas, a contar do recebimento do fac-símile. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)".
Chama-se a atenção para o prazo de contestação que é de 48 horas.
Nesta linha, o TSE, para as Eleições Municipais de 2016, publicou a Resolução 23.462/15, que dispôs sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei 9.504/97, onde o prazo para defesa é de 48 horas.
"Resolução nº 23.462/15
Art. 8º Recebida a petição inicial, o Cartório Eleitoral providenciará a imediata citação do(s) representado(s), com a contrafé da petição inicial e, quando houver, a degravação da mídia de áudio e/ou vídeo, para, querendo, apresentar(em) defesa no prazo de quarenta e oito horas (Lei nº 9.504/97, art. 96, § 5º), exceto quando se tratar de pedido de direito de resposta, cujo prazo será de vinte e quatro horas (Lei nº 9.504/97, art. 58, § 2º)".
No caso das representações que visarem à apuração das hipóteses previstas nos artigos 23, 30-A, 41-A, 45, inciso VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/1997 observarão o rito estabelecido pelo artigo 22 da Lei Complementar 64/90, que fixa o prazo para a defesa em cinco dias. A Resolução passou a assim dispor para as Eleições Municipais de 2016:
"Resolução nº 23.462/15
Art. 24. Ao despachar a inicial, o Juiz Eleitoral adotará as seguintes providências:
a) ordenará que seja citado o representado, encaminhando-lhe a segunda via da petição, acompanhada das cópias dos documentos, para que, no prazo de cinco dias, ofereça defesa (Lei Complementar nº 64/90, art. 22, inciso I, alínea a);
Art. 25. Feita a notificação, o Cartório Eleitoral juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou em dar recibo (Lei Complementar nº 64/90, art. 22, inciso IV)".
A Lei Complementar 64/90 dispõe de dois ritos processuais, quais sejam, o do artigo 3º a 16 (para AIRC e AIME) e o do artigo 22 (para as demais hipóteses previstas nos artigos 23, 30-A, 41-A, 45, VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/97, devendo para estes ser observado o rito processual estabelecido pelo artigo 22 da Lei Complementar 64/90, incisos I a XIII.), verbis:
"Art. 4° A partir da data em que terminar o prazo para impugnação, passará a correr, após devida notificação, o prazo de 7 (sete) dias para que o candidato, partido político ou coligação possa contestá-la, juntar documentos, indicar rol de testemunhas e requerer a produção de outras provas, inclusive documentais, que se encontrarem em poder de terceiros, de repartições públicas ou em procedimentos judiciais, ou administrativos, salvo os processos em tramitação em segredo de justiça.
(...)
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
(...)
a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;"
Assim, para a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (Airc) o rito a ser seguido deve ser o insculpido no artigo 3º da Lei Complementar 64/90, que fixa o prazo para a contestação em sete dias. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime), por sua vez, adota o mesmo rito citado, por força da jurisprudência consolidada, segundo José Jairo Gomes[4]:
"Assentou-se na jurisprudência que o procedimento a ser observado é aquele previsto nos artigos 3º a 16 da LC nº 64/90 para a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), considerado “ordinário” na seara eleitoral. Por óbvio o diploma processual civil será sempre invocável subsidiariamente. É este – reitere-se – o entendimento vitorioso e iterativo na hodierna jurisprudência eleitoral:
“[...] Na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, até a sentença, o rito a ser observado é o previsto na LC nº 64/90” (TSE – Respe Ac. Nº 25.443/SC, de 14-2-2006 – DJ 10-3-2006, p.177).
“A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo observará o procedimento previsto na Lei Complementar nº 64/90 para registro de candidaturas, com aplicação subsidiária, conforme o caso, das disposições do Código de Processo Civil, e tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor na forma da lei, se temerária ou manifesta má-fé (Constituição Federal, art. 14, §11)” (TSE – Res. nº 23.372/11, art. 170, §1º; Res. nº 23.399/13, art. 228, §1º)"
Para as eleições municipais de 2016, a Resolução do TSE 23.456/15, no seu artigo 173, parágrafo 1º, fixou o mesmo rito para a AIME.
Conforme se vê, a legislação eleitoral apresenta certas nuances nem sempre compreendidas. A justificativa unânime é de que o breve tempo entre os registros de candidaturas e a data das eleições exige o escalonamento de prazos – as demandas de propaganda eleitoral o prazo exíguo para se ter uma resposta rápida do Judiciário - e o prazo ampliado em alguns dias para as demais representações e ações judiciais eleitorais.
A falta de uniformidade para a fixação dos prazos da contestação provoca descontentamentos e a contagem traz seus percalços.
Alguns eleitoralistas, tendo em vista a ideia da celeridade no âmbito eleitoral, interpretam que o prazo para contestar, de modo geral, flui a partir da ciência da citação/notificação da representação/ação judicial, enquanto outros defendem que o prazo flui a partir da juntada do mandado devidamente cumprido.
Para que não houvesse dúvida, o legislador deveria ter sido explícito. Não foi na lei nem nas resoluções. Em que pese a nossa resistência e de muitos eleitoralistas no exercício de legislar por meio de resoluções, poderia o TSE ter aproveitado a Resolução 23.478/16 para dar um norte neste assunto. Não fez.
Com o advento do novo Código de Processo civil houve ampla e controvertida discussão no meio eleitoralista sobre a sua aplicabilidade no direito eleitoral. A Corte Superior Eleitoral editou, em 10 de maio de 2016, a Resolução 23.478/16, que estabeleceu diretrizes gerais para a aplicação do novo código.
Sob o argumento, novamente, da necessária celeridade, o TSE, por meio da citada resolução, brecou a contagem dos prazos em dias úteis no âmbito processual judicial eleitoral. Com todas as venias, a contagem em dias úteis não é o que atrasaria os julgamentos no âmbito da justiça eleitoral, mas sim o tempo que os processos param nos cartórios, nos gabinetes e nos trâmites recursais. O advento dos prazos em dias úteis foi para poupar o trabalho dos advogados nos finais de semanas e feriados.
Com certeza, não seria a contagem dos prazos em dias úteis que impediria a justiça eleitoral de dar a resposta processual célere à sociedade. O não cumprimento dos prazos pelos advogados sempre foi e será uma espécie de “morte fatal”! Tem que cumprir imediatamente, enquanto que esta regra nem sempre é idêntica nos gabinetes e secretarias!
O texto da Resolução do TSE 23.478/16, que tratou da aplicabilidade do novo CPC, fixou regra própria para a contagem dos prazos, verbis:
"Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.
Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.
Art. 3º Aplicam-se aos processos eleitorais o contido nos arts. 9º e 10 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
(…)
CAPÍTULO II
DOS PRAZOS
Art. 7º O disposto no art. 219 do Novo Código de Processo Civil não se aplica aos feitos eleitorais.
§ 1º Os prazos processuais, durante o período definido no calendário eleitoral, serão computados na forma do art. 16 da Lei Complementar nº 64, de 1990, não se suspendendo nos fins de semana ou feriados.
§ 2º Os prazos processuais, fora do período definido no calendário eleitoral, serão computados na forma do art. 224 do Novo Código de Processo Civil".
É importante lembrar o artigo 250 do Código de Processo Civil em vigor, o qual determina os procedimentos para citação/notificação por mandado sob responsabilidade de oficial de justiça. Frise-se, são raros os mandados de citação/notificação que obedecem na íntegra o citado artigo.
Conclusão
Os tribunais já se posicionaram de que o prazo para contestar as representações/ações judiciais fora do período eleitoral é o da juntada do mandado de citação/notificação devidamente cumprido pelo oficial de justiça. É necessário que todas as instâncias judiciais eleitorais apliquem uniformemente tal contagem de prazo e façam constar explicitamente dos mandados de citação/notificação todos os elementos do artigo 250 do Código de Processo Civil. Adicionado a isso, é de extrema importância o TSE rever a vedação da contagem dos prazos em dias úteis.
[1] Artigo 16 da LC 64/90
[2] ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 568
[3] Súmula 710 - STF: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.”
[4] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 79
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Conjur
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Acesso em 28/03/2017