“O transporte aéreo não se resume ao que ocorre dentro do avião, e sim a todo o sistema aeroportuário”. Com essa premissa, apresentada ao Conselho Administrativo de Recursos Ficais (Carf), a TAM Linhas Aéreas (atual LATAM Airlines) conseguiu o direito a classificar as receitas relacionadas a voos de carga nacionais e internacionais, além de voos de passageiros internacionais, pelo regime da não cumulatividade. Isso autoriza a companhia a apurar créditos de PIS e Cofins sobre despesas inerentes à prestação destes serviços.
Com base nesse posicionamento do Carf, a companhia ganhou o direito de creditamento sobre uma série de itens, direta ou indiretamente ligados ao passageiro: dos valores com tarifas aeroportuárias aos gastos com comissaria e uniforme de comissários e pilotos, passando pelos gastos com cancelamento e atraso de voos.
O lote de 24 processos apreciados pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf em junho envolve uma cobrança que, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), estaria próxima dos R$ 200 milhões. De acordo com advogados do escritório Advocacia Lunardelli, que defendeu o caso, este é um leading case envolvendo as empresas aéreas. A TAM responde no Carf a outros 32 processos semelhantes, que ainda aguardam julgamento.
As alegações da TAM no caso foram apresentadas, após autorização da presidência, em uma sustentação oral que durou 55 minutos – 40 a mais do que é permitido pelo regimento. A companhia aérea afirmou que passou a revisar suas obrigações tributárias em 2011, quando entendeu que alguns itens e serviços utilizados em sua operação poderiam ensejar o creditamento de PIS e Cofins.
O montante que a empresa considera creditável envolve, em sua maioria, insumos – itens considerados como essenciais à sua atuação. Isto incluiria desde tarifas aeroportuárias a gastos com água embarcada, passando por custos de combustíveis e equipamentos localizados nos aeroportos (como, por exemplo, os fingers, as pontes telescópicas que conectam o terminal ao avião) e serviços de atendimento e treinamento.
A previsão, segundo a defesa, estaria fundada em uma interpretação do artigo 10º, inciso XVI, da Lei nº 10.833/2003, que impede o direito a créditos de PIS e Cofins sobre as “receitas decorrentes de prestação de serviço de transporte coletivo de passageiros, efetuado por empresas regulares de linhas aéreas domésticas, e as decorrentes da prestação de serviço de transporte de pessoas por empresas de táxi aéreo”.
Com isso, a TAM entende que os valores relacionados a voos de passageiros internacionais, assim como voos de cargas nacionais e internacionais, pertencem ao regime não cumulativo, sem o impedimento de apuração de créditos de PIS e Cofins. De acordo com o representante da companhia, isso se deve a uma expressa falta de previsão do legislador na redação da Lei.
Longo debate
Entre os conselheiros do Carf o tema foi debatido por quase quatro horas e meia. A relatoria do lote coube à conselheira Maria Aparecida Martins de Paula, representante da Fazenda Nacional.
O colegiado deliberou não haver previsão legal para impedir o creditamento de PIS e Cofins em voos internacionais e nacionais de carga. Por seis votos a dois, a 2ª Turma da 4ª Câmara entendeu que a Lei nº 10.833/2003 proíbe a obtenção de créditos apenas para voos domésticos de passageiros, não servindo para as despesas em voos de carga nacionais e internacionais, assim como os voos de passageiros internacionais operados pela TAM. Neste ponto, foram vencidos o conselheiro Rodrigo Mineiro Fernandes e o presidente da turma, Waldir Navarro Bezerra.
O entendimento sobre este tema guiou a análise do tema seguinte – o direito a creditamento sobre insumos essenciais em voos que não são enquadrados no inciso XVI. A maioria dos itens fruto do debate entre a TAM e a Receita seria, segundo a contribuinte, uma obrigação mantida por entidades regulatórias como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Nesse sentido, também por seis votos a dois, a turma decidiu pelo direito da contribuinte a apurar créditos em despesas com atendimento aeroportuário, assistência aos passageiros, comissaria, equipamentos terrestres e voos interrompidos ou cancelados. Geram créditos para a empresa, também, os gastos com combustíveis para equipamentos de rampas.
Outro ponto envolveu gastos com uniformes: pelo mesmo placar, os conselheiros permitiram o creditamento sobre os gastos com os uniformes dos aeronautas que trabalham em voos internacionais de passageiros e nacionais e internacionais de carga.
Os processos definem “aeronauta” com base na Lei nº 7.183/1984, ou seja, “o profissional habilitado pelo Ministério da Aeronáutica, que exerce atividade a bordo de aeronave civil nacional, mediante contrato de trabalho”. A lei foi revogada pela Lei nº 13.475/2017, após a autuação do Fisco.
Ficou definido também que receitas financeiras deveriam compor o rateio de PIS e Cofins, dada sua natureza não cumulativa: a turma entendeu, por unanimidade, que não cabe a ela, como intérprete da Lei, restringir algo não previsto pela Lei. Logo, o cálculo do chamado “rateio” de PIS e Cofins, que define o coeficiente de crédito a ser apurado pela TAM, deve incluir os valores como receitas financeiras.
Pedidos não reconhecidos
A TAM, porém, não saiu totalmente vitoriosa nos casos. A turma não reconheceu o direito ao creditamento sobre gastos com equipamentos terrestres, por seis votos a dois, porque a empresa não anexou o contrato que comprovaria a despesa. Por cinco votos a três, ficou afastado também o direito de tomada de créditos sobre gastos com treinamento de pessoal.
Pelo voto de qualidade, entendeu-se que a TAM não pode apurar créditos sobre gastos com importação de itens usados em sua operação, nem com seu respectivo frete e despacho aduaneiro.
Processos citados na matéria:
10880.722355/2014-52 e 23 outros
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