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Manifestação no período pré-eleitoral e o impulsionamento de conteúdos

segunda-feira, 30 de julho de 2018
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Guilherme de Salles Gonçalves e Waldir Franco Félix Júnior

Como bastante divulgado e debatido, o Tribunal Superior Eleitoral fixou as balizas jurisprudenciais sobre a propaganda antecipada e a liberdade de expressão dos pré-candidatos, cidadãos e partidos ao analisar, em 26 de junho, dois processos em que se apontava a realização de propaganda eleitoral antecipada nos municípios de Várzea Paulista (SP) e Itabaiana (SE) durante o pleito de 2016 (acórdãos AgReg 9-24/SP e RESPE 4.346/BA).

No voto-vista que se sagrou vencedor, angariando a posição majoritária da corte, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, reforçou que o legislador fixou apenas e tão somente que o pedido explícito de voto figura como caracterizador de propaganda eleitoral antecipada e ilícita, nos termos do caput do artigo 36-A da Lei Eleitoral (Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.165/2015).

Complementarmente, como fundamento de sua posição, o ministro reafirmou que a temática foi tratada desse modo na lei em respeito máximo à liberdade de expressão e à igualdade de chances e, no bojo dessa análise, construiu o conceito das formas de expressão dos atores políticos que constituem os chamados indiferentes eleitorais, referentes aos atos que, como promoções pessoais sem conexão direta e imediata com o convencimento para votar nos pleitos vindouros, situam-se fora da alçada da Justiça Eleitoral.

O recente julgamento, portanto, manteve a linha decisória primeiramente adotada no acórdão do paradigmático precedente 51-24/MG, também de relatoria do ministro Fux, quando a corte eleitoral decidiu por afastar a multa imposta ao candidato que ficara em terceiro lugar na eleição para prefeito do município de Brumadinho (MG) por entender que, diante da posição preferencial da liberdade de expressão na Constituição brasileira[1], e não havendo pedido explícito de voto, não seria aplicável a vedação à propaganda extemporânea encartada no artigo 36-A da Lei Eleitoral. Isso porque, nos termos expostos pelo relator, não haveria violação à paridade de armas, uma vez que qualquer indivíduo “poderia ter procedido da mesma maneira, divulgando mensagens sobre os seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar de propaganda de custo mínimo, inapta a ocasionar qualquer interferência indevida do poder econômico no pleito”.

Além de simplesmente reiterar o posicionamento prévio da corte, aprofundou-se a temática, tendo sido proposta a adoção de três critérios norteadores para casos semelhantes de propaganda antecipada, os quais deverão ser cotejados tanto prospectiva quanto repressivamente pela Justiça Eleitoral brasileira. Esses critérios, todos, sempre admitindo e consolidando que o sistema constitucional brasileiro acerca da regulação da liberdade de expressão confere a esse direito fundamental uma preferred position — posição preferencial — na colisão ou cotejo com outros direitos fundamentais de igual hierarquia, inclusive o da igualdade de oportunidades.

Nas palavras da professora Aline Osório (atual chefe de gabinete do ministro Roberto Barroso no TSE), a “primeira consequência envolve o reconhecimento de uma presunção de primazia da liberdade de expressão nas hipóteses de colisão com outros bens, direitos ou valores constitucionais.(...). A posição preferencial deverá, assim, servir de guia para o intérprete, exigindo a preservação das liberdades expressivas na maior medida possível”[2].

Assim, a adoção dos critérios, a seguir examinados, pelo vinculante precedente do TSE deverá sempre ser interpretada compreendendo seu contexto constitucional; ou seja, sempre optando pela decisão que preserve a máxima liberdade de expressão possível, sobretudo quando em colisão mesmo com o princípio da igualdade de oportunidades.

O primeiro desses critérios é o de que apenas o pedido explícito de votos caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de gastos de recursos. Para tanto, o acórdão buscou interessante fundamento no Direito Comparado, extraindo do clássico precedente Buckley vs. Valeo, da Suprema Corte americana, que, para que se constate o pedido explícito de voto, a mensagem publicitária deverá conter ao menos uma das chamadas "palavras mágicas" (magic words) nos atos de propaganda, para diferenciá-la daquelas demais mensagens que meramente veiculam ideias políticas, sendo elas: (i) vote em (vote for); (ii) eleja (elect); (iii) apoie (support); (iv) marque sua cédula (cast your ballot for); (v) Fulano para o Congresso (Smith for Congress); (vi) vote contra (vote against); (vii) derrote (defeat); e (viii) rejeite (reject).

Assim, em interessante construção hermenêutica, o acórdão em exame fixou balizas que superam as preocupações de que as interpretações do pedido explícito de votos apenas se resumiriam ao “vote em mim”, que davam margem a interpretações extensivas — e, portanto, repressoras da liberdade de expressão — do alcance desse conceito jurídico definidor das hipóteses de propaganda eleitoral antecipada e, portanto, ilícita, nos termos do parágrafo 3º do artigo 36 da Lei Eleitoral.

O segundo critério é o de que os atos de liberdade de expressão, de promoção pessoal e de publicitários não eleitorais, ou seja, aqueles sem qualquer conteúdo ou mensagem, direta ou indiretamente relacionados à disputa eleitoral que se aproxima, consistem nos chamados “indiferentes eleitorais” e, nessa perspectiva, estão fora da jurisdição da Justiça Eleitoral. Como exemplos desses indiferentes, a decisão do TSE cita, expressamente, outdoors de congratulações por aniversário das cidades, Dia das Mães e divulgação de atos e prestações de contas de mandatos parlamentares.

O terceiro critério, por fim, foi definido ao considerar possível o uso de elementos classicamente reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, até a atual redação do artigo 36-A pela Lei 13.165/2015, como caracterizadores da propaganda eleitoral, quando eles estiverem expressamente desacompanhados de pedido explícito de voto. Nessa hipótese, a realização de atos de divulgação das pré-candidaturas e organização partidária não enseja irregularidades por si só.

Entretanto, nesses casos, o acórdão estabeleceu um limite para evitar excesso de gastos, que podem configurar abuso de poder econômico independentemente de haver tipificação de propaganda eleitoral antecipada, bem como que devem ser respeitadas as mesmas vedações que incidem para a propaganda eleitoral no período de disputa (proibição de outdoors, pintura de muros, compra de espaço em rádio e TV).

Nos próprios termos utilizados pela decisão, “esses parâmetros devem ser examinados à luz de uma comparação hipotética, mostrando-se toleráveis todas as ações de publicidade que estejam ao alcance das possibilidades do ‘pré-candidato médio’”. Desta forma, “entendem-se lícitas as ações publicitárias não extraordinárias, isto é, aquelas possíveis de ser realizadas pelos demais virtuais concorrentes”, motivo pelo qual deve ser “vedado no período pré-eleitoral o uso de formas e instrumentos de campanha igualmente proscritos no período em que se inicia a proteção qualificada do discurso, o que faço a partir de uma leitura sistêmica”.

Nesse sentido, interessante polêmica que vem tomando corpo atualmente nos tribunais eleitorais diz respeito à possibilidade de uso da propulsão de conteúdos nas redes sociais (Facebook, Instagram e outras) e internet por parte dos pré-candidatos, nesse período antecedente ao da disputa eleitoral (que denominamos período pré-eleitoral em sentido estrito, a permitir um controle mais forte da Justiça Eleitoral[3]). Ainda que, numa primeira leitura, o artigo 57-C[4] da Lei Eleitoral estabeleça uma regra geral (vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet) e uma exceção (excetuado o impulsionamento de seus conteúdos), é evidente que a exceção especificada, ao possibilitar inclusive durante a vigência do regime jurídico de sujeição especial[5] a possibilidade de anúncios pagos para fins de propaganda eleitoral, também significa permitir o uso desse instrumento de liberdade de expressão durante o período pré-eleitoral.

Basta, para isso, compreender que esse tipo de exercício de liberdade de expressão (o impulsionamento de conteúdo na internet) está enquadrado no terceiro critério fixado pelos precedentes examinados — pelo que não está vedado de per se, mas apenas que os gastos a serem feitos para o uso desse meio de propaganda não podem conter nem pedido explícito de votos nem implicar em gastos desproporcionais ou, conforme o acórdão 9-24/SP, que os gastos dos pré-candidatos com esse instrumento “que estejam ao alcance das possibilidades do ‘pré-candidato médio’”.

Esse exemplo — uma espécie de resistência de alguns tribunais eleitorais em compreender o sentido dos parâmetros fixados pelo TSE — mostra o quanto é importante ressaltar que a interpretação que deve emergir dessa verdadeira consolidação jurisprudencial, relativa ao reconhecimento da posição preferencial da liberdade de expressão na regulação do debate político e das formas de seu desenvolvimento — seja no paradigmático acórdão 51-24/MG, seja no que estamos a comentar, o acórdão 9-24/SP —, impõe a todos os tribunais e juízes eleitorais que respeitem essas balizas jurisprudencialmente fixadas.

Isso, sobretudo diante do artigo 926 do CPC, que, inequivocamente aplicável à jurisprudência em matéria de Direito Eleitoral (nos termos do artigo 15 do CPC), impõe que as instâncias inferiores mantenham a coerência, integridade e estabilidade do sistema decisório, em especial em matéria eleitoral.

Assim, não é mais possível insistir numa hermenêutica restritiva da liberdade de uso das formas de expressão que, a pretexto de buscar uma abstrata igualdade de oportunidades, na verdade acaba por produzir justamente o efeito contrário — limitando o ingresso de novos atores em um debate político já prejudicado pelas várias proibições à propaganda eleitoral e pelo tempo restrito de campanha. Reproduzindo aquilo que o professor da Uerj e atual secretário-geral do TSE, Carlos Eduardo Frazão, denominou, com propriedade, de “fetichismo da Igualdade de Oportunidades”.

De todo modo, importante ressaltar que a decisão em exame — tal qual a anterior, acórdão 51-24/MG, de relatoria do ministro Luiz Fux — se caracteriza como um dos mais profundos julgados da história do TSE, que já nasceu grande e conseguiu, desde logo, num extraordinário esforço, compatibilizar interesses relevantes em uma exemplar hermenêutica constitucional, sobretudo adequada ao que Konrad Hesse denominou de “vontade de constituição” (Wille zur Verfassung)[6], tão em crise nesses tempos.

E isso se deveu, acima de tudo, ao extenso arcabouço doutrinário em que se baseou, do qual se destaca a fundamentação pela necessidade de tutelas que prestigiem a ampla liberdade de expressão e sua compreensão constitucional como direito fundamental dotado de posição preferencial, em detrimento de intervenções excessivas — ideia esta sempre e anteriormente defendida pelo primeiro autor deste texto.


[1] Nos termos do acórdão citado: “1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se — e suas exteriorizações (informação e de imprensa) — ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades. 2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016).
[2] In Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão, Ed. Fórum, Belo Horizonte – 2017, pag. 94.
[3] Que assim conceituamos in A defesa da igualdade de chances e da legitimidade do exercício do sufrágio passivo, o direito à justa disputa e um (novo?) prazo para interposição de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) diante da Reforma Eleitoral da Lei n. 13.165/2015: uma questão de respeito à democracia. apud Tópicos Avançados de Direito Processual Eleitoral, Arraes Editores, São Paulo – 2018, pag. 432):
“(ii) um período pré-eleitoral stricto sensu, que iniciar-se-ia em primeiro de janeiro (01/01) do ano da eleição e iria até a data de início da propaganda eleitoral e fim do prazo para os pedidos de registro, no dia 15 de agosto do ano da eleição (desde a Lei n. 13.165/2015), quando a atuação da Justiça Eleitoral já se faz mais presente, especialmente diante da necessidade de controle das pesquisas eleitorais (art. 33 da Lei n. 9.504/97), do início das condutas vedadas aos agentes públicos (especialmente nos incisos VI e VII e nos parágrafos 10o e 11o do art. 73 da Lei Eleitoral) e da mais forte intervenção e controle das propagandas eleitorais extemporâneas (art. 36 da Lei Eleitoral), sendo o período que a maior parte da jurisprudência considera relevante para a sindicabilidade das várias formas de abuso de poder”.
[4] “Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”
[5] Assim definimos esse conceito, em outro artigo in Direito Eleitoral Contemporâneo, Ed. Fórum, Belo Horizonte – 2008):
“Sendo ainda mais específico: quando diante do cenário de eleições (processo de efetivação da democracia na sua forma representativa), toda a sociedade e cidadania brasileira se submetem a um regramento específico para a viabilização do adequado exercício do direito fundamental ao sufrágio. Nesse aspecto, todos os atores do processo eleitoral são atingidos e regulados, em diferentes graus de intensidade, por um regime jurídico específico destinado a permitir o pleno exercício da capacidade de sufrágio, desde o cidadão que vai apenas votar (exercício da capacidade básica de sufrágio ativo) ao cidadão que vai disputar as eleições como candidato (exercício da capacidade máxima de sufrágio passivo).
Esse regime jurídico (que implica em sujeição especial de todos os cidadãos dele legitimados a participar)[5] resulta na afetação de quase todas as atividades humanas reguladas pelo direito durante o desenrolar do processo eleitoral, sempre respondendo a realização dessa tarefa – missão – fundamental que o regime constitucional determina para a realização do princípio democrático pelo meio da democracia representativa”.
[6] In Temas Fundamentais do Direito Constitucional, 2013, p. 135.

Guilherme de Salles Gonçalves é sócio do GSG Advocacia, mestrando em Direito Constitucional Eleitoral e professor de Direito Público e de Direito Eleitoral. Fundador e ex-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade), do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) e do Instituto Paranaense de Direito Administrativo (IPDA).

Waldir Franco Félix Júnior é advogado do GSG Advocacia e pós-graduando em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.

Acesse o conteúdo completo em www.conjur.com.br

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