Com 23 ações de um total de 250 ajuizadas em 2018, o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) lidera o ranking de pedidos de retiradas de conteúdos da internet feitos por políticos. Entre os presidenciáveis, Bolsonaro é responsável por três a cada quatro pedidos – são 37 no total, sendo 36 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Completam a lista: Ciro Gomes (PDT), com seis ações; Guilherme Boulos (PSOL), três; Marina Silva (REDE), duas; Geraldo Alckmin (PSDB), duas; e Álvaro Dias (PODEMOS), uma. Fernando Haddad e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Henrique Meirelles (MDB) não entraram com nenhuma ação até o momento.
Os números, fornecidos pelo projeto Ctrl-X, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), indicam que os candidatos a presidente representam quase 15% do total de pedidos de remoção de conteúdo na internet entre todos os políticos no Brasil. Bolsonaro, sozinho, representa 9% deste total. O levantamento compreende dados disponíveis nas cortes brasileiras até 18 de setembro.
Fora do grupo dos que disputam o Planalto, destacam-se o candidato João Doria (PSDB) ao governo de São Paulo, com 11 ações; Roseana Sarney (MDB), candidata ao governo do Maranhão, com 9 ações; Amazonino Mendes (PDT), governador do Amazonas candidato à reeleição, e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), candidato à reeleição, com 8 ações cada.
Nove a cada dez ações ajuizadas por políticos são motivadas pelo suposto crime de difamação, quando há uma imputação ofensiva de fatos que atentem contra a honra e a reputação de alguém.
A Justiça Eleitoral estipula que, por solicitação do ofendido, pode ser feita a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sites da Internet, inclusive redes sociais. No entanto, apenas cinco pedidos feitos pelos candidatos a presidente foram aceitos pela Justiça.
Bolsonaro é quem mais teve ações deferidas: 3 dos 23 conteúdos foram retirados da internet. Guilherme Boulos teve sucesso em uma de suas ações, assim como Marina Silva. Ao final da reportagem, o JOTA elenca os casos que foram deferidos pela Justiça.
TSE X TRE
Se no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o número de deferimento de ações que visam a retirada de conteúdo da internet é baixo – cerca de 13,8% -, o mesmo não pode ser dito sobre as decisões proferidas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), responsável por atribuições estaduais e municipais da política brasileira.
Das 185 ações nos TREs que envolvem políticos fora da disputa do Planalto (também é possível entrar com ação em Tribunais de Justiça estaduais), 113 foram deferidas. Ou seja, seis a cada dez pedidos são aceitos pelos juízes.
Para o advogado Fernando Neisser, especialista em Direito Eleitoral, a discrepância entre os Tribunais pode ocorrer por causa de uma visão mais garantista do TSE quanto à liberdade de expressão.
“A atual composição do TSE, especialmente a dos três ministros que cuidam dessa questão da internet, é formada majoritariamente por visões mais garantistas quanto à liberdade de expressão”, disse.
Nos Tribunais Regionais, avalia o advogado, há um receio de perder o controle do cenário eleitoral e deixar que a situação flua “muito solta” e acabe “virando um tiroteio muito grande nas campanhas”.
“É natural, portanto, que eles estejam sendo mais rígidos e tendo um filtro mais intolerante a respeito da liberdade de expressão. Querem evitar que a internet seja um local tão ‘áspero'”, pondera.
Todos os presidenciáveis ajuizaram suas ações no TSE, à exceção de Geraldo Alckmin, que entrou com um pedido de liminar no TJ-SP.
Monitoramento
Um a cada quatro políticos inclui o pedido de monitoramento na ação.
Este tipo de pedido costuma significar que o réu estaria impedido de voltar a publicar sobre a vítima, o que configura, para especialistas, censura prévia. Foram 61 pedidos entre os 250 ajuizamentos, com apenas 15 deferidos.
Entre os presidenciáveis, esse número é menor. Houve cerca de 10% de pedidos dessa natureza – 4 dos 37. Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Álvaro Dias pediram uma vez cada. Nenhum foi deferido.
Não foi constatado nenhum pedido de prisão entre todas as 250 ações.
Direito de resposta
Outro dado que chama a atenção é o baixo índice de pedidos de direito de resposta.
Entre os políticos no geral, apenas 20% pediram à Justiça que fosse aberto um espaço de resposta às alegadas difamações.
Entre os presidenciáveis, esse número é ainda menor: somente cinco dos 37 pedidos, o que equivale a 13,5% do total. Guilherme Boulos pediu direito de resposta em todas as suas três ações, enquanto que Jair Bolsonaro requereu por duas vezes.
Em contrapartida, a solicitação de dados cadastrais dos réus, a fim de que se haja uma responsabilização individual, atingiu números elevados. Entre os candidatos ao Planalto, o número foi de cinco a cada dez pedidos; com o restante dos políticos, a taxa foi um pouco menor: quatro a cada dez pedidos.
Nesse quesito, quase 100% dos requerimentos dos presidenciáveis foram aceitos – com uma única exceção de Geraldo Alckmin, que teve um pedido negado pelo TJSP.
Empresas
Quase 66% das ações de políticos para retirar informações do ar nestas eleições tiveram como um dos alvos o Facebook.
O percentual é bem superior ao das eleições de 2016, quando apenas 40% dos processos incluíam o Facebook como parte. Ao todo, em 2018, foram 163 processos de candidatos contra a empresa.
Além do Facebook, pelo menos 80 empresas já foram vítimas de ações judiciais movidas por políticos em 2018. Os processos também foram direcionados a grandes veículos de comunicação, como Folha de S. Paulo e Editora Abril, e a uma série de veículos regionais e blogs. Muitas vezes um mesmo processo tem como alvo mais de uma empresa.
Bolsonaro x Geraldo Alckmin
Jair Bolsonaro (PSL) entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com pedido de retirada de conteúdo contra o perfil oficial no Facebook do também candidato Geraldo Alckmin e a empresa Google. A decisão liminar foi deferida no dia 27 de junho pelo ministro Sérgio Banhos.
Segundo a defesa de Bolsonaro, ao tentar publicar qualquer comentário que incluísse seu nome no perfil oficial do psdbista, recebia-se uma notificação inbox com uma mensagem que direcionava o internauta a uma busca no Google com a expressão “motivos para votar em Bolsonaro”, cujo primeiro resultado era o domínio “www.motivosparavotarembolsonaro.org”.
Ao visitar o referido site, era exibida a mensagem: “Não existe nenhum. Procurando motivos para não votar?”. E, ao clicar nessa segunda frase, o leitor era redirecionado a uma lista de supostos motivos para não se votar no então pré-candidato.
O ministro Sérgio Banhos, responsável por deferir o pedido liminar de retirada do conteúdo na internet, afirmou, em sua decisão, que “o texto extrapola de maneira nítida a mera divulgação de posicionamento político, pois contém inequívoco pedido de voto (negativo), além de trazer inúmeras críticas ao representante com a intenção de desqualificá-lo como candidato e desprestigiar sua imagem política.”
Além disso, Banhos também afirmou que o conteúdo deveria ter sido retirado do ar pois estava fora de período de propaganda eleitoral, que se iniciou somente a partir do dia 15 de agosto.
A decisão foi interlocutória, isto é, quando resolve a questão incidente sem resolução do mérito.
Bolsonaro x Valor Econômico
A defesa de Jair Bolsonaro entrou com ação no TSE para que o site do jornal Valor Econômico retirasse do ar uma enquete realizada com empresários cuja manchete era “Enquete em evento mostra que maioria de empresários aposta em Alckmin”. A decisão liminar foi deferida no dia 25 de agosto pelo ministro Og Fernandes.
Os advogados se pautaram no artigo 33, § 5º, da Lei das Eleições, que diz que “é vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral”. Diferencia-se enquete de pesquisa eleitoral, nesse caso, porque a primeira consiste apenas em um levantamento de opiniões, sem controle de amostra, dependendo apenas da participação espontânea do entrevistado.
A jurisprudência do TSE, argumentou a defesa, também é clara ao apontar que “a norma proibitiva da divulgação de enquetes em período de campanha eleitoral revela a preocupação do legislador no tocante ao potencial direcionamento de votos aos candidatos em destaque”, como evidencia a AgR-Respe nº 353-71/SE de relatoria da ministra Rosa Weber.
O ministro Og Fernandes deferiu a liminar em decisão interlocutória e ordenou que o site Valor Econômico retirasse a enquete do ar em um prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 15 mil.
O site permaneceu com a enquete por mais dois dias, o que acarretaria em uma multa no valor de R$ 30 mil, mas, em nova decisão proferida na terça-feira (18/09), o ministro Luis Felipe Salomão retirou a necessidade do pagamento.
Bolsonaro x perfil pessoal no Facebook
Jair Bolsonaro entrou com ação contra o professor João Nunes Contreiras Junior, contestando duas publicações veiculadas em seu perfil pessoal. A decisão liminar foi deferida no dia 4 de setembro pelo ministro Carlos Horbach.
Na primeira postagem, Contreiras Junior postou uma foto de Bolsonaro junto aos dizeres “não preciso de votos de nordestinos”. A segunda postagem apresentava outra foto do candidato, seguida da frase: “o nordestino é tão burro que nem sabe falar Haddad e riuuu”.
Segundo os representantes, as mencionadas publicações apresentam material inverídico, atribuindo declarações falsas a Bolsonaro, o que ensejaria – na forma do art. 57-D da Lei das Eleições – a remoção do conteúdo em questão.
O ministro afirmou que, embora a legislação assegure a livre manifestação de pensamento do eleitor na Internet, deve-se atentar ao que está disposto no § 1º do art. 22 da Res.-TSE nº 23.551/2017, que diz que a manifestação é passível de limitação “quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.”
Além do pedido de retirada do conteúdo, a defesa de Bolsonaro demandou a liberação de dados cadastrais do réu, o que foi autorizado pelo ministro em decisão interlocutória.
Marina Silva x perfil anônimo no Facebook
A candidata Marina Silva (REDE) entrou com pedido de liminar denunciando a divulgação de notícias falsas por meio de perfil anônimo no Facebook. Segundo a defesa, o perfil denominado “Partido Anti-PT” estaria publicando fake news que ofendem a imagem política da presidenciável. A decisão liminar foi deferida no dia 7 de junho pelo ministro Sérgio Banhos.
Em 2017, o perfil do Facebook realizou cinco publicações nas quais associava Marina a recebimento de propina da Odebrecht. A defesa alegou que não existem provas de que ela estivesse associada a nenhum ato de corrupção, já que não figura como ré ou investigada na Operação Lava Jato.
Em sua decisão, Banhos afirmou que “conquanto a liberdade de expressão constitua garantia fundamental de estatura constitucional, sua proteção não se estende à manifestação anônima (art. 5º, inciso IV, da CF). A ausência de identificação de autoria das notícias, portanto, indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público.”
“Ainda que assim não fosse, observo que as informações não têm comprovação e se limitam a afirmar fatos desprovidos de fonte ou referência, com o único objetivo de criar comoção a respeito da pessoa da pré-candidata”, disse.
Além da retirada do ar das cinco publicações, o ministro também ordenou que os dados cadastrais do perfil fossem divulgados.
Guilherme Boulos x canal do Youtube
O candidato Guilherme Boulos (PSOL) ajuizou ação contra o Google e o youtuber Diego Elomar, contestando a publicação de um vídeo no canal “Diego Rox”. A decisão liminar foi deferida pelo ministro Carlos Horbach no dia 22 de agosto.
Quatro dias antes, o canal publicara um vídeo com o título “Debate REDE TV”, no qual, em dado momento, Diego Elomar proferiu as seguintes frases:
“Se você não souber quem é o terrorista Guilherme Boulos, ele te leva facilmente na conversa. Só fazendo ‘pescocinho’ e carinha de coitado.
Boulos que é um terrorista que invade terra de gente honesta, que trava rodovias colocando fogo em pneus, entre outros crimes. Ele é um terrorista. Se você pesquisar à fundo a vida dele, você vai encontrar a verdade”.
Assim como em outras decisões, o ministro ressaltou que a manifestação do pensamento pode ser limitada caso haja ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.
Além disso, ressaltou que “a postagem questionada pelo representante lhe atribui a prática do crime tipificado no art. 2º da Lei nº 13.206/2016, que disciplina o terrorismo. Com efeito, o segundo representado afirma literalmente que o candidato “é um terrorista”, imputando-lhe a prática de “crimes”. Tal afirmação caluniosa, por si só, autoriza a limitação à livre manifestação do pensamento, com remoção de conteúdo, tal como previsto na Res.-TSE nº 23.551/2017, posto configurada ofensa à honra e consubstanciada agressão e ataque a candidato em sítio da Internet.”
Acesse o conteúdo completo em www.jota.info