Nas últimas semanas que antecederam o primeiro turno das eleições de 2018, as discussões políticas ficaram cada vez mais acirradas. Os debates sobre a eleição presidencial põem em segundo plano as outras eleições.
Na reta final, muito se fala sobre o voto útil. Em um pleito onde grande parte da população está aparentemente mais preocupada em escolher quem não deve ser eleito, ao invés de escolher quem seria o representante ideal, a invocação do voto útil adquire vários significados. Para quem lidera as pesquisas, o voto útil é aquele que permite a sua vitória no primeiro turno. Para o segundo colocado, útil é impedir a vitória do líder das pesquisas no primeiro turno e lhe impor derrota no segundo turno. Para o terceiro, quarto e demais concorrentes, útil seria evitar que o primeiro colocado, o segundo ou ambos disputassem o segundo turno. O conceito de utilidade é volátil e tem sido moldado de acordo com os interesses de cada campanha, na espera da decisão final do eleitor.
Apesar da polarização nas eleições presidenciais, as principais disputas em alguns estados envolvem candidatos alinhados aos partidos que ocupam posições inferiores na pesquisa nacional. Em outros, o primeiro colocado para governador pertence ao partido que representa ferrenha oposição ao candidato mais bem posicionado para o Senado Federal.
Aparentemente, com tantos partidos, janelas e mudanças, parece que a escolha do eleitor tem sido orientada por critério essencialmente pessoal. O que importa é o candidato, com menor relevância para o partido. Essa percepção é maior nas eleições para presidente da República, governador e senador, em razão delas serem realizadas pelo sistema majoritário, onde o candidato com a maior votação nominal vence, seja ele filiado a um pequeno, médio ou grande partido.
Porém, nas eleições proporcionais, ou seja, para escolha dos deputados federais, estaduais e distritais, o sistema eleitoral brasileiro adota critério completamente diverso.
Os eleitos não são necessariamente os candidatos mais votados. O resultado da eleição não considera, no primeiro momento, o número de votos individuais obtidos pelo candidato. O que interessa é o número total de votos de todos os candidatos de um partido político ou o total de todos os candidatos de todos os partidos de uma coligação. A partir da soma dos votos obtidos por todos é que se chega ao número de vagas destinado para cada partido ou coligação. Só quando esse número está definido é que a votação individual de cada candidato passa a ter relevo para que as vagas sejam preenchidas pelos mais votados do partido ou da coligação, ainda que eles tenham obtido menos votos que o candidato de outro partido ou coligação.
Por isso é que os votos para deputado federal, estadual ou distrital não servem apenas para o candidato. Servem principalmente para o partido e comumente para todos os seus candidatos. A escolha pessoal do eleitor que não se preocupa com o partido ou com o nome de todos os candidatos que concorrem junto com a pessoa de sua preferência pode acabar servindo para eleger outro candidato que, em tese, pode representar interesse diverso daquele que orientou o voto.
Além disso, o voto dado aos deputados federais e, em menor escala, aos senadores valem mais do que a simples outorga de um mandato para representar ideias ou valores no Congresso Nacional. Esses votos, em linguagem popular, equivalem a um cheque de dinheiro público entregue ao Partido Político do candidato votado.
Os partidos políticos recebem muito dinheiro por meio do Fundo Partidário e do Fundo Especial para Campanhas Eleitorais, conhecido como Fundão. Independentemente de ser favorável ou contrário a essa distribuição, o fato é que para 2018, o valor orçado do Fundo Partidário foi superior a 780 milhões de reais e o valor do Fundão foi fixado em mais de 1,7 bilhão de reais.
Se esses patamares forem mantidos, projetando-se para os próximos quatro anos, serão mais de 3,1 bilhões de reais via Fundo Partidário e 3,4 bilhões de reais do Fundão nas duas próximas eleições.
Além disso, a propaganda eleitoral chamada de gratuita é arcada pelo ressarcimento fiscal garantido às emissoras de rádio e televisão. Não há um dado preciso sobre esse valor, mas a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados estimou que, só em relação à propaganda partidária, o valor seria de 300 milhões de reais por ano e, nos anos de eleição, a propaganda eleitoral atingiria cerca de duas vezes esse valor. Então, se a propaganda partidária não voltar, seriam cerca de mais 1,2 bilhões de reais pela renúncia fiscal nas duas próximas eleições. No total, seriam mais de 7,7 bilhões de reais de dinheiro público projetados nos próximos quatro anos.
A divisão desses recursos não é uniforme, depende da sua origem. O Fundo Partidário é dividido: 5% igualitariamente entre todos os partidos; e, 95% de acordo com o número de votos obtidos nas eleições para Câmara dos Deputados. O Fundão é repartido: 2% igualitariamente; 48% de acordo com o número de votos na última eleição para Câmara dos Deputados; 35% de acordo com o número de deputados federais eleitos; e 15% de acordo com o número de Senadores eleitos. O tempo de televisão: 10% igualitariamente e 90% de acordo com o número de deputados federais de cada partido, sendo que para as próximas eleições, em princípio, as coligações estarão proibidas.
Não há sincronia entre as regras de divisão, mas o principal critério está relacionado aos votos obtidos pelos partidos nas eleições para Câmara dos Deputados, pouco importando quem seja o candidato, até porque o voto pode ser só na legenda.
Votar em alguém para deputado federal, portanto, significa dar dinheiro público para o partido político ao qual o candidato está filiado. Muitos propõem extinguir a distribuição desses valores, outros falam que o volume deve ser mantido ou tende a aumentar.
Se nada mudar, cada um dos trinta e cinco partidos políticos existentes receberia, nos próximos quatro anos, cerca de dez milhões de reais, considerando-se apenas a divisão das parcelas igualitárias.
A nova cláusula constitucional de acesso aos recursos públicos, que, a partir deste ano, excluirá da distribuição, os partidos que não obtiverem votação relevante ou não elegerem um mínimo de deputados federais não servirá para reduzir o valor total – como deveria ocorrer. Com a exclusão dos partidos de menor representatividade, o mesmo valor será dividido apenas entre os grandes que ultrapassarem as barreiras fixadas.
Além disso, se todos os 147.306.275 eleitores votassem nas eleições para deputado federal, o partido do candidato escolhido receberia, nos próximos quatro anos, mais de 31 reais por voto, quase 4,3 milhões de reais por deputado federal eleito e mais de 6,3 milhões de reais por senador eleito.
Muitos dirão que são contra o uso do dinheiro público pelos partidos e candidatos e, portanto, não votarão ou anularão o voto nas próximas eleições. O argumento até seria válido em outras democracias. No Brasil, não. Tanto o resultado da eleição como os critérios de divisão do dinheiro público são calculados apenas com base nos votos válidos, ou seja, naquele dado a candidato registrado por partido político.
Se não há consenso sobre qual seria o voto útil, o certo é que a abstenção, o voto branco e o nulo são completamente inúteis e fazem com que o valor intrínseco de cada voto válido aumente. Basta ver que, se 25% dos eleitores deixarem de votar, exercerem o não-voto ou votarem em um partido que não ultrapasse os novos limites constitucionais, cada voto válido corresponderá a um cheque de mais de quarenta reais de dinheiro público para o partido beneficiado, além do valor que cada deputado federal e senador eleito representa. Quem não votar, não estará economizando. Estará apenas autorizando que outro eleitor diga para qual partido o dinheiro público deve ir, enquanto o sistema atual não for modificado, o que, em uma democracia, só pode ser feito por representantes eleitos pelo voto válido.
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